_
_
_
_

Apoio à democracia cai na América Latina com economia fraca e corrupção

Brasil lidera a queda no apoio ao regime democrático: passou de 54% em 2015 para 32% neste ano. País é o que tem a menor taxa de confiança entre as pessoas

Carlos E. Cué
Manifestantes contra e a favor do impeachment, em São Paulo (à esq.) e em Brasília.
Manifestantes contra e a favor do impeachment, em São Paulo (à esq.) e em Brasília.FERNANDO BIZERRA JR. / SEBASTIÃO MOREIRA (EFE)

A crise econômica, os escândalos de corrupção e a insatisfação com os serviços públicos estão fazendo estragos na opinião que os latino-americanos têm da democracia, um regime que se consolidou em quase toda a região, mas cujo exercício não consegue satisfazer os cidadãos. De acordo com o Latinobarómetro –um prestigioso estudo regional que está completando 20 anos e analisa 20.000 pesquisas realizadas nos 18 principais países da América Latina–, o apoio à democracia caiu novamente em 2016. O respaldo passou de 56% para 54%. E o que é mais grave, cresceu a porcentagem daqueles que respondem ser “indiferentes” se há um regime democrático ou não, passando de 20% para 23%. É o máximo de indiferentes nos 21 anos do Latinobarómetro. Em 14 dos 18 países pesquisados a popularidade dos Governos está abaixo dos 50%.

Mais informações
A derrota de Lula e do maior partido de esquerda da América Latina
As convulsões da América Latina: três mitos
A (frágil) democracia na América

O Brasil lidera o pessimismo com a democracia: o apoio a esta forma de poder diminuiu 22 pontos porcentuais no país, passando de 54% em 2015 para 32% neste ano. Numa lista de 18 países, o Brasil é o segundo país mais pessimista, à frente apenas da Guatemala (30%). O Brasil só havia atingido uma marca tão baixa em 2001, quando chegou a 30%. Foi um ano de economia fraca e do apagão nacional de energia, que tirou o humor dos brasileiros. Agora, a crise política e os escândalos de corrupção podem explicar o desânimo nacional. Esse contexto explica também outro indicador da pesquisa: o Brasil é o país com menos confiança interpessoal do continente, com meros 3%, enquanto a média do continente é de 17%. “Nunca havia sido registrado um país sem confiança interpessoal desde que esta série começou a ser medida [em 1995]. Sem dúvida, a crise política que o Brasil vive é um dos fatores que explica esse dado”, diz o relatório.

Nas entrevistas, a pergunta feita aos participantes é: Você acredita que é possível confiar na maioria das pessoas ou que a gente nunca é suficientemente cuidadoso no trato com os demais?

O Chile é outro país que registrou uma queda significativa no apoio à democracia, passando de 65% para 54%, um recuo de 11 pontos porcentuais, seguido por Uruguai (-8 pontos porcentuais), Venezuela e Nicarágua (-7) e El Salvador (-5).

O único dado positivo da pesquisa Latinobarómetro é que não cresceram, mas diminuíram ligeiramente, os que apoiam um “regime autoritário”, que passaram de 16% para 15%.

Este é o quarto ano consecutivo que, apesar dos teóricos avanços e da chegada de novas gerações que nasceram na democracia, o apoio a esse regime não melhora. “O apoio à democracia na América Latina tem três pontos baixos nestes 21 anos que o Latinobarómetro mede esse indicador: a crise asiática em 2001, quando atingiu 48%, e em 2007 e 2016 com 54%”, explicam as conclusões. Pode-se dizer que “o paciente está em estado delicado, com algumas recaídas”, insiste a análise.

Os autores do estudo, dirigido pela chilena Marta Lagos, interrogam sobre as causas e encontram algumas nos dados analisados. “Depois de 21 anos monitorando o apoio à democracia, a situação é pior do que no início. O que aconteceu com a região, além de entrar num período de baixo ou nenhum crescimento econômico? Será que o ciclo econômico impede o avanço do processo de consolidação da democracia? Os dados sugerem algo diferente porque o apoio à democracia aumentou durante a crise do subprime em 2008 e 2009, quando a economia estava indo na direção oposta e atingiu um pico em 2010, com 61%. Só a partir de 2010 aconteceu uma queda, o que indicaria que a economia não é o único fator que influi”, apontam.

O estudo procura outra origem da insatisfação: “É possível argumentar como explicação que, enquanto as desigualdades não forem eliminadas não se conseguirá essa consolidação. Os êxitos de Equador e Bolívia podem ser interpretados nesse sentido. É possível avançar bastante em termos de mudanças normativas, inclusão e progresso econômico, mas esse processo parece ter um teto em termos de extinção das desigualdades”.

Há um dado muito claro. “Entre 2004 e 2011 aumentou de 24% para 36% a percepção de que se governa para todo o povo, mas, desde então, esse indicador veio caindo até atingir apenas 22% em 2016, o número mais baixo em 12 anos. No Brasil, Paraguai e Chile apenas 9% e 10% acreditam que se governa para todas as pessoas. Em 2016 chegam a um máximo de 73% os cidadãos da região que acreditam que se governa em benefício de alguns grupos poderosos. Esse indicador é de 88% no Paraguai, 87% no Brasil e no Chile, 86% na Costa Rica, 84% no Peru, 82% na Colômbia e 80% no Panamá”.

O Latinobarómetro analisou a situação país por país. E detectou que nenhum presidente é forte na região, o que condiz com a queda do nível de apoio à democracia e com essa decepção generalizada. “Poderíamos dizer que nenhum presidente latino-americano conta hoje com capital político acumulado para gastar. Em 2009, havia 6 presidentes com mais de 70% de aprovação e apenas 2 com menos de um terço. Hoje, em média, desde 2010 a aprovação dos governos da região caiu de 60% para 38%, uma perda de 22 pontos percentuais. A aprovação ao governo em 2016 é mais parecida com a de 2002 e 2003, quando a América Latina estava saindo da crise asiática”, explica.

Na análise dos dados conclui-se que a sociedade mudou. “O que era tolerável 5 anos atrás, hoje não é. As pessoas aspiram, principalmente, a que haja soluções concretas para problemas concretos e que sejam aplicadas imediatamente porque não estão dispostas a esperar as soluções prometidas para depois de amanhã”.

Uma prova de que a democracia tem problemas na região é que muitos latino-americanos aceitam algum grau de autoritarismo. Por exemplo, “um terço da região (30%) afirma que está certo que o presidente controle os meios de comunicação em caso de dificuldades”. “Novamente é nos países da América Central onde existe maior apoio a essa afirmação, como na Guatemala (51%), e novamente é o Chile o país onde há menos adesão a isso (17%)”, conclui. Outro item na mesma linha é o apoio à “mão pesada” contra a liberdade. Mas existem muitas diferenças. Em países como a República Dominicana, 82% das pessoas apoia a mão pesada, enquanto no Brasil cai para 42%.

A insatisfação também é explicada em parte pela lista dos principais problemas. O crime é considerado o problema mais importante por 22% dos latino-americanos, mas se os problemas de natureza econômica forem acrescentados fica ligeiramente acima como primeiro problema. Mas há muitos países onde a insegurança é o principal problema: Honduras, Panamá, Guatemala, República Dominicana, Chile, México, Colômbia, Peru, El Salvador e Uruguai. No Brasil, pelo contrário, a saúde é a principal preocupação; para os bolivianos é a corrupção e para os argentinos é o estado geral da economia.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_