Meu vizinho olímpico
Bairros distantes e desassistidos do Rio estão competindo da mesma forma que aqueles que exibem seus veleiros na baía de Guanabara. E com torcida a favor
Olimpíada e Copa do Mundo expõem alguma democracia, ao levar atletas de origens distintas aos holofotes, mas dificilmente podem ser chamados de eventos populares, com raros ingressos baratos – e, na maioria das vezes, para jogos pouco chamativos.
Entre os penetras nesse mundinho fechado, estão familiares e gente que arrumou uma forma de aparecer que não era exatamente o dinheiro no bolso.
Ygor Coelho tem 19 anos. Competiu nas provas de badminton pela primeira vez em uma Olimpíada. Um esporte que não tem nenhuma projeção no Brasil, a não ser pela comparação simplista com o jogo de peteca — assim quando querem explicar o críquete dizendo que é um jogo de taco, semelhante ao que jogávamos nas ruas.
Foram duas derrotas em um dos pavilhões do Riocentro, a primeira para o irlandês Scott Evans e a última para o alemão Marc Zwiebler. Venceu apenas um dos cinco sets que disputou. Pouco importou, na verdade: satisfeito com a recepção da torcida, deu uma meia volta olímpica e jogou a peteca para a plateia. Foi ovacionado.
A empolgação não foi apenas pelo resultado. Sentados no pavilhão estavam cerca de 200 moradores do morro da Chacrinha, uma comunidade no caminho do BRT que liga o parque olímpico ao aeroporto do Galeão, na zona oeste do Rio de Janeiro.
Ygor começou na modalidade ao jogar peteca na laje de casa, na Chacrinha. O pai, Sebastião, havia começado um projeto social voltado para o badminton. Para competir, o atleta conta uma bolsa atleta da patrocinadora — a mesma que levou os 200 moradores que rondam a praça Seca para o Riocentro para torcer por Ygor. Os vizinhos tornaram uma jornada que poderiam ser frustrante em medalha simbólica.
O charme da Olimpíada do Rio é justamente esse: bairros distantes e desassistidos estão competindo da mesma forma que aqueles que exibem seus veleiros na baía de Guanabara ou seus cavalos no Centro Olímpico de Hipismo, em Deodoro, cujos atletas têm origem bastante distante geográfica e financeiramente.
Rafaela Silva, nosso primeiro ouro, é da Cidade de Deus, localidade próxima do Parque Olímpico. Foi uma das que se beneficiaram de projetos sociais para competir em alto nível. No caso dela, criado pelo judoca e hoje apresentador de TV Flávio Canto. Ao conquistar o pódio, emocionada, ela disse: “Mostrei que uma pessoa saída da favela pode, sim, se tornar campeã.” Em tempo: Cidade de Deus não pode ser considerada uma favela, e sim um conjunto habitacional abandonado à própria sorte pelo Estado. Flavia Saraiva, a Flavinha, a mais nova sensação da ginástica feminina, é da Paciência, numa zona oeste ainda mais distante que o complexo da Barra.
Todos eles são estrelas no Rio. São o orgulho do bairro e das casas que encaixotam com as suas — ou encaixotavam, já que alguns já não residem mais em seus bairros de origem. Nas ruas que os acompanharam na infância, eles são o assunto.
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