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Muitas atletas ficam menstruadas na Olimpíada, mas o tabu permanece no esporte

O esporte ainda não aborda com naturalidade a menstruação

Fu Yanhui após prova.
Fu Yanhui após prova.Matthias Hangst (Getty Images)

A nadadora chinesa Fu Yuanhui conseguiu a medalha de bronze nos Jogos do Rio na prova dos 100m costas, embora, além de sua excelente marca, tenha alcançado fama mundial por suas caretas durante as entrevistas. Em sua segunda final, no revezamento 4x100m, disputada na madrugada do sábado para domingo, a equipe chinesa ficou sem medalhas ao terminar em quarto lugar. Na ocasião, o desempenho de Fu Yuanhui ficou abaixo das expectativas, sendo ultrapassada por seis rivais.

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Na entrevista após a prova, a nadadora se contorcia de dor e demonstrava sofrimento, bem diferente da atitude expressiva que a tornou famosa. Primeiro, pediu desculpas às colegas de equipe por seu fraco desempenho. E, em seguida, explicou que se sentia fraca e cansada, porque no dia anterior havia começado seu período menstrual. Sim, estava falando sobre menstruação nos Jogos Olímpicos e diante das câmeras de televisão.

As mulheres tiveram que ficar por muito tempo longe do esporte profissional; com isso, os estudos sobre o desempenho feminino caminharam em um ritmo mais lento. Para se ter uma ideia, até os Jogos de Seul de 1988, a porcentagem de mulheres participantes não ultrapassava 25%.

Além disso, a maioria dos médicos do esporte e treinadores é composta por homens. Essa distância faz com que seja difícil tratar o assunto com naturalidade.

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Esse fator foi motivo de queixa da corredora britânica Paula Radcliffe, em entrevista à BBC: “Normalmente os médicos do esporte são homens e não entendem”. Ela citou como exemplo o caso de Jessica Judd. A jovem atleta britânica se apresentou no Campeonato Mundial de Atletismo de Moscou, em 2013, como uma das favoritas para a vitória nos 800m. Mas, como a prova coincidia com sua menstruação, os médicos da Federação Britânica de Atletismo lhe receitaram noretisterona (um contraceptivo oral) para atrasar o ciclo menstrual.

As coisas não saíram como planejado: Judd nem sequer se classificou para as semifinais e acabou chorando na pista. “Receitaram o produto errado”, disse Radcliffe. “Por minha experiência, sabia que a noretisterona piora as coisas. Muitas de nós sabíamos, mas parece que ninguém na Federação Britânica de Atletismo havia se preocupado em registrar o fato.”

Na verdade, como no caso da noretisterona, não surpreende que as atletas recorram aos contraceptivos orais para que seus períodos não coincidam com as competições. Como destacado por Giuseppe Fischetto e Anik Sax, médicos da Federação Internacional de Atletismo, os contraceptivos orais não são proibidos pela Agência Mundial Antidoping, o que os torna um válido recurso para que as atletas possam escapar das cólicas menstruais. Porque, embora não exista nenhuma demonstração conclusiva do efeito fisiológico da menstruação sobre o desempenho, algumas atletas têm destacado que as dores associadas ao período menstrual podem afetar o descanso e, assim, alterar o perfeito equilíbrio psicológico necessário durante a competição.

De fato, Fischetto e Sax lembram que o uso desses contraceptivos pode ter outras consequências para as atletas: ganho de peso, náuseas e tonturas, sensação de peso, possíveis mudanças no fluxo menstrual, entre outros sintomas, de modo que recomendam que cada atleta analise seu caso pessoal antes de adotar determinado tratamento.

A resposta para Fu Yuanhui

As redes sociais chinesas reagiram às declarações da nadadora Fu Yuanhui, e os usuários ficaram entre a estupefação e o reconhecimento, de acordo com a BBC.

Por um lado, veio novamente à tona o desconhecimento generalizado sobre a relação entre a atividade física e a menstruação. Alguns usuários se perguntaram por que a atleta havia entrado na piscina se estava menstruada.

As perguntas surgem alguns dias depois da reclamação de uma usuária do Facebook, que foi reproduzida na mídia, devido a um cartaz visto por ela em uma academia da Geórgia. Nele, pedia-se que as mulheres não entrassem na piscina durante o período menstrual.

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Devido ao cartaz, o ginecologista norte-americano Jen Gunter disse ao site Today.com que era completamente falsa a ideia de que a menstruação contamina as piscinas. “Não há nenhum risco para a saúde. Dizer que o sangue menstrual apresenta risco é ridículo, quando nas piscinas também pode haver suor, urina ou substâncias fecais. Por isso colocam cloro nas piscinas, devido às secreções humanas.”

Mas também houve usuários nas redes sociais que aplaudiram a coragem da nadadora chinesa por falar sobre uma questão que continua a ser um tabu em seu país. “Nossa nadadora se atreve a dizer qualquer coisa”, comemorou um usuário do Weibo, a versão chinesa do Twitter.

No país de Fu Yuanhui, apenas 2% das mulheres usam tampões, segundo um estudo do setor, em comparação com 70% das mulheres que os utilizam nos Estados Unidos. Um artigo do jornal Los Angeles Times relata que a agência reguladora da publicidade na China proibiu propagandas de produtos de higiene feminina na hora do almoço e durante o horário nobre, porque, assim como os anúncios para o tratamento de hemorroidas e infecções nos pés, os considerava “desagradáveis”.

Portanto, a nadadora chinesa merece ser lembrada não só por sua expressividade diante das câmeras, mas também por ter ousado falar sobre um assunto que é tabu na China. Embora não só no país asiático, mas também em muitos lugares, especialmente no mundo do esporte.

Não é comum as atletas falarem abertamente sobre o assunto. Steffi Graf o fez em 1989, depois de perder a final de Roland Garros para Arantxa Sánchez Vicario: “Por que saí antes do final da partida? Realmente querem saber? Porque estava menstruada”, disse a tenista alemã. A maratonista Paula Radcliffe também falou sobre o assunto: “Bati o recorde mundial em 2002 no começo do meu período, por isso não acho que seja um impedimento tão grande”, declarou a atleta britânica à BBC.

Então, a menstruação realmente afeta o desempenho atlético?

Os estudos existentes, infelizmente, não respondem claramente à pergunta. Por um lado, existem pesquisas que desmentem que as mudanças fisiológicas produzidas pela menstruação tenham impacto sobre o desempenho das atletas, como um estudo realizado em 2011 para um grupo de remadoras. Mas há outras que encontram alguma relação e, além disso, mencionam um aumento do risco de lesões em atletas menstruadas, como apontado em outro estudo.

A falta de pesquisas conclusivas, embora nos impeça de responder à pergunta anterior, pelo menos serve para ilustrar a pouca atenção que o mundo do esporte tem dado a esse aspecto.

Primeiro, porque falar em público sobre menstruação tem sido considerado desagradável por muito tempo, como se tratasse de bruxaria. Em 1878, a revista British Medical Journal, por exemplo, publicou a opinião de um médico que acreditava que a menstruação poderia fazer com que o bacon ficasse rançoso. Na Espanha e na França, quase um século e meio depois daquela publicação, ainda perdura um mito semelhante, embora adaptado aos nossos costumes culinários: a de que a maionese estraga quando a mulher está menstruada. E cada país tem suas próprias lendas que ajudaram a transformar o ciclo menstrual em tabu.

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