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A chama da inveja também brilha no Rio

O campeão da maratona de Atenas e o ex-padre que derrubou Vanderlei de Lima reclamam para eles a fama do corredor que acendeu a pira

Carlos Arribas
Vanderlei de Lima ascende com a tocha para o pebetero de Maracaná.
Vanderlei de Lima ascende com a tocha para o pebetero de Maracaná.Lavandeira jr (EFE)
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Os valores olímpicos não são como o desprezo, absolutos, estão mais para relativos, muito subjetivos e até negativos, como demonstra a história de Vanderlei de Lima que acendeu a pira, e que, aos olhos de Stefano Baldini, o atleta que o derrotou na maratona de Atenas 2004, e de Neil Horan, o ex-padre lunático irlandês que o derrubou na corrida com um movimento típico do rúgbi, não é mais que um aproveitador da fama que os dois proporcionaram. A história poderia ser contada não como uma parábola do espírito olímpico, a razão que levou o Rio a escolhê-lo como o último carregador da tocha, mas como uma alegoria da inveja.

Faltavam apenas cinco quilômetros dos 42,195 da maratona olímpica de Atenas e Vanderlei de Lima, o atleta brasileiro, ia em primeiro e se destacava, mais ou menos meio minuto à frente de Baldini e do norte-americano Meb Keflezighi. O histórico estádio de Panathinaikos se aproximava a cada passo, gigantesco ao longe, mas antes outra imagem enorme e monstruosa apareceu na frente e investiu contra ele. Quase sem perceber, Lima acabou no chão ao lado de uma figura bizarra que queria anunciar a aproximação do fim do mundo e da segunda vinda de Cristo vestido com um colete verde e uma boina também verde com reflexos alaranjados da bandeira irlandesa. Lima tentou recuperar o tempo que demorou para ficar de pé, mas quase tão rapidamente se adiantaram Baldini e Keflezighi, que não tinham visto o atropelo e disputaram a vitória no estádio de mármore. Venceu o italiano.

Lima foi recebido no Brasil como herói, vítima de um destino injusto que o privou de uma vitória certa, uma personalidade com tanto caráter que simbolizou a luta tenaz do ser humano contra o impossível e o destino, que é a essência, para muitos, do espírito olímpico. A emoção que o país sentiu na sexta-feira à meia-noite quando o velho Lima acendeu a chama olímpica no Maracanã mostrou que a escolha não estava errada. As razões, sim, de acordo com os outros protagonistas da escura noite ateniense.

Baldini escreveu no domingo em La Gazzetta Sportiva, que parecia muito bem a homenagem a Lima e ficou emocionado ao vê-lo, porque sua reação depois que foi jogado no chão, voltando a correr em vez de ficar na calçada sentado se lamentando, pareceu magnífica, mas que ninguém deveria entender que a cerimônia da pira olímpica serviria para devolver a glória roubada. “Mas”, diz o campeão olímpico italiano, “isso de que ia ganhar não é verdade. Íamos alcançá-lo com certeza. Teria ficado em terceiro da mesma forma, por isso, no fundo, tem que agradecer ao louco, porque caso contrário, ninguém se lembraria dele”.

A mesma interpretação prática da vida e do espírito olímpico – o que importa é o resultado, a fama e o brilho – aparece, curiosamente, no demônio de Atenas, Neil Horan que em um jornal australiano reclama para si o sucesso de Lima. “O brasileiro é uma má pessoa”, disse ele. “Eu escrevi várias vezes para ele em português pedindo desculpas e dizendo que queria visitá-lo e conhecer sua família, mas nunca me respondeu. E isso não se faz. É um insulto contra mim e contra Cristo. Ele não percebe que fui a providência naquele dia. Sem mim ninguém saberia quem é Lima. Sem mim, ele nunca teria acendido a pira...”.

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