Theresa May, a única adulta no pátio do colégio
Ministra do Interior do Reino Unido apresenta-se como uma gestora sólida e confiável
Nenhuma abordagem jornalística da figura de Theresa May nos últimos dias conseguiu resistir à maravilhosa futilidade de uma frase que ela mesma pronunciou ao apresentar sua candidatura ao cargo de primeira-ministra do Reino Unido: “Simplesmente me ponho a trabalhar no que tenho pela frente”. Essa frase é de certa forma a negação da política. O exercício do poder como a preparação para um concurso público.
É a pessoa que mais tempo ocupou a pasta do Interior no último meio século. E, entretanto, Theresa May continua sendo um enigma. Uma incógnita que, tudo indica, a acompanhará ao interior do número 10 da Downing Street.
No último dia 23 de junho, 17,5 milhões de britânicos quiseram dar um peteleco na tecnocracia. Pediram tripas e coração, e obtiveram um curriculum vitae. “Que Theresa May lidere o Reino Unido do Brexit”, escreveu o colunista Brendan O’Neill no conservador The Spectator, “é como um gerente de banco arbitrando uma luta do Mike Tyson”.
“Devo ser julgada por meu histórico”, propôs May. E é inegável que ter resistido seis anos num dos cargos mais difíceis do Governo diz muito a favor da sua gestão. Mas, no que tange a uma das principais responsabilidades da sua pasta, a política migratória, é inevitável falar em fracasso.
Neste terreno, May se encaixa no estereótipo tory. O inconfessável objetivo programático de reduzir a imigração líquida (imigrantes menos emigrantes) para menos de 100.000 pessoas não é da sua autoria, mas May se pôs a “trabalhar no que tinha pela frente” e fracassou. A imigração líquida está em 330.000 pessoas, e isso envenenou o debate do referendo.
O mesmo empenho em trabalhar no que tinha pela frente, e não o cálculo político ou a falta de convicção, foi o que a levou, conforme disse numa recente entrevista ao Evening Standard, a defender a permanência na UE, mas de forma discreta. Ela tinha, declarou, um importante pacote de leis para aprovar no Parlamento.
May emitiu seu primeiro aviso para ser levada a sério no congresso conservador de 2002. Em meio aos tempos sombrios na oposição, ela ousou dizer aos convencionais que o eleitorado britânico enxergava os tories como “o partido malvado”. Naquele discurso o público conheceu o estranho dom de May para se conectar ao eleitorado e, também, sua paixão por sapatos. Aqueles kitten heels com estampa de leopardo foram a primeira de uma série de decisões estilísticas que, amplificadas pela imprensa, conseguiram humanizar pelos pés a férrea ministra.
O paladar também a humaniza: gosta muito de cozinhar e o faz, dizem, à maneira intuitiva e livre de Jaime Oliver, sem menosprezar a saudável criatividade ao estilo de Ottolenghi. Mas não foi uma rígida dieta de saladas do chef britânico-israelense que causou a repentina perda de peso que foi manchete ano passado, mas a descoberta de que sofria de diabetes tipo 1.
Foi inevitavelmente comparada com Margaret Thatcher, a única mulher que foi mais poderosa do que ela no partido. Mas Thatcher era uma reformista radical e May é uma gestora, competente, mas sem visão. Mais próxima a outra política conservadora sem ideologia com a qual também é comparada: Angela Merkel.
Tem em comum com a chanceler alemã, além disso, o fato de ser filha de um pastor protestante. E que, como Merkel, May não teve filhos. “Claro que me afetou”, disse na semana passada. “Mas você aceita as cartas que a vida lhe dá. Algumas vezes, existem coisas que você gostaria de ter feito, mas não pôde”.
Filha única, seu pai faleceu em um acidente de trânsito quando ela tinha pouco mais de vinte anos, mas sua influência e a de sua mãe, militante conservadora, marcaram May. Continua indo à missa todas as semanas e soube que queria ser política tory já na adolescência, antes de estudar Geografia em Oxford. Lá, em uma festa estudantil dos tories, conheceu seu marido. Depois da universidade ele começou sua carreira nos bancos de investimento e ela iniciou seu trabalho no Banco da Inglaterra, antes de ganhar seu primeiro cargo em 1997.
Seu argumento vencedor é o de se apresentar como a única adulta no pátio do colégio. Não é o narcisista Boris Johnson, o Terminator político Michael Gove e a ingênua e inexperiente como Andrea Leadsom, para citar dois candidatos que se retiraram da disputa. Ela se manteve alheia às lutas fratricidas e às rivalidades escolares que reinam em seu partido. Não viu House of Cards e Game of Thrones, mas ao seu redor foram feitas conspirações que caberiam bem nas tramas das mencionadas séries. Sua mensagem aos militantes tories é que, se em 9 de setembro receber as chaves do número 10 de Downing Street, May começará a trabalhar no que terá pela frente. E não é pouco.
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