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Teste de paciência: relator propõe anular votação pela cassação de Cunha

Relator da CCJ pede que Conselho de Ética vote novamente o processo de cassação do deputado

Marina Rossi

O deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB) vem impondo um exercício de paciência a pelo menos 77% brasileiros que desejam vê-lo fora da Câmara dos Deputados. Após perder a primeira batalha no Conselho de Ética da Casa, que votou pela sua cassação, o peemedebista ganhou tempo para que essa decisão seja votada pelo plenário. O processo, que foi votado em 15 de junho, foi parar na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), depois de Cunha entrar com um recurso questionando alguns pontos. O relator desse recurso, o deputado Ronaldo Fonseca (PROS), acatou um deles e pediu, nesta quarta-feira, que a votação no Conselho de Ética fosse anulada. Sua proposta ainda deve ser analisada e votada pelos 66 deputados que integram a Comissão.

Cunha, no dia 19 de maio, na Câmara.
Cunha, no dia 19 de maio, na Câmara. Lucio Bernardo Junior (Câmara dos Deputados)
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A defesa de Cunha alega que houve 16 irregularidades na votação de sua cassação. Ronaldo Fonseca acatou apenas uma: a forma da votação que, de acordo com ele, deveria ter sida pelo painel e não nominal (quando cada deputado profere seu voto no microfone), que foi como aconteceu. "Só seria possível adotar o sistema de votação nominal por chamada dos deputados caso o painel eletrônico disponível na sala de sessões do Conselho de Ética não estivesse funcionando. Segundo, é de conhecimento de todos, não havia, na ocasião, qualquer problema com o painel, tanto que esta não foi a razão invocada para se utilizar a chamada", disse o relator.

A principal alegação de Cunha, chancelada pelo relator, é que a votação nominal causa o chamado efeito manada. "O argumento de que se provocou um efeito manada é ofensivo. Se for aprovado, os parlamentares da CCJ estarão se chamando de gado", disse Alessandro Molon (Rede). "Efeito manada existe em gado. Os parlamentares desta Casa pensam e decidem de acordo com a sua opinião. Parlamentar que tem medo de mostrar o voto não deve ser parlamentar". A proposta pela votação nominal no Conselho de Ética foi feita pelo deputado Zé Geraldo (PT) e passou por aprovação dos membros do Conselho.

Para o deputado Rubens Bueno (PPS), o debate na CCJ não leva em consideração o que acontece fora da Casa e nem a opinião pública. "Nós temos que dar uma resposta ao povo brasileiro", disse. Ele acha que Cunha será derrotado no plenário de qualquer maneira.  "Pelo menos 400 deputados votarão pela cassação de Cunha".

Fonseca foi escolhido para ser o relator do recurso de Cunha na semana passada pelo presidente da CCJ, deputado Osmar Serraglio (PMDB). A escolha de Serraglio rendeu-lhe diversas críticas dos deputados, pois Fonseca é sabidamente aliado de Cunha na Câmara, o que já antecipava a possibilidade de haver manobras para livrar o deputado. Evangélico e pastor da Assembleia de Deus, mesma igreja de Cunha, Fonseca votou a favor do impeachment, justificando seu voto pela “paz em Jerusalém”. É coordenador da Bancada da Assembleia de Deus na Câmara. Foi eleito pelo PR antes de migrar para o PROS.

O relator rejeitou outros pontos de questionamento de Cunha, como por exemplo, a isenção do presidente do Conselho de Ética, José Carlos Araújo (PR), e a mudança de partido pelo relator do Conselho, Marcos Rogério (DEM). Após encerrada a sessão desta quarta, Fonseca chegou a dizer que "até bandido tem direito de defesa", tendo que, logo em seguida, se explicar. "Eu falei: ‘até bandido tem direito’, ou seja, ninguém pode ficar, num estado democrático de direito, sem o contraditório, sem a ampla defesa, sem presunção de inocência", disse.

Agora, o processo de cassação de Cunha volta uma casa no jogo do deputado contra a Justiça. O próximo passo é o relatório passar por votação na CCJ, constituída por 66 deputados. Mas isso só vai acontecer na semana que vem, já que foi concedido pedido de vista, que é um prazo extra que os deputados podem pedir para analisar o relatório. A nova sessão está marcada para ocorrer na segunda-feira, 11, a partir das 16h.

Cunha comunicou nesta manhã pelo Twitter que vai acompanhar pessoalmente a sessão que analisará seu recurso. A sessão será iniciada com a defesa do deputado afastado, que terá quase duas horas e meia para falar, o mesmo tempo usado para o relator ler as 79 páginas do parecer. Cunha poderá dividir esse tempo com seu advogado, Marcelo Nobre. Na sequência, falam os deputados inscritos. Membros da CCJ terão 15 minutos e os demais terão 10 minutos para falar. Depois, fala o relator, por no máximo 20 minutos e em seguida, a defesa novamente, por outros 20 minutos.

Por todo esse trâmite, dificilmente a votação se encerre na própria segunda-feira. Mas, caso isso ocorra, haveria tempo regimental para que o processo de cassação de Cunha fosse incluído na pauta de votação do plenário na quinta-feira, 14, antes do recesso parlamentar. A existência ou não do recesso deste ano, que em tese vai de 18 a 31 de julho, está sendo debatido na Casa, devido à crise política na qual o país se encontra.

Processo recorde de lentidão

A representação contra Cunha foi apresentada por membros da Rede e do PSOL no dia 28 de outubro do ano passado. O processo foi instaurado no Conselho de Ética no dia 03 de novembro e, devido a manobras como as desta quarta-feira, é o mais longo a tramitar na Casa. Ao todo, foram oito meses de manobras de aliados do deputado para adiar as sessões.

Eduardo Cunha responde por quebra de decoro parlamentar, acusado de mentir quando disse que não tinha contas bancárias secretas no na Suíça. Mas o Ministério Público daquele país enviou ao Brasil documentos que comprovam a existência de contas de Cunha em bancos suíços. Cunha nega.

A pedido do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, o peemedebista foi afastado do mandato e, consequentemente da presidência da Câmara, no dia 5 de maio pelo Supremo Tribunal Federal. Entre as razões para o afastamento estão o fato de Cunha atuar para postergar o processo contra ele no Conselho de Ética.

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