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Elie Wiesel, o rosto da memória do Holocausto

O escritor, sobrevivente dos campos de concentração e prêmio Nobel da Paz, faleceu aos 87 anos

Elie Wiesel, em 2015.Foto: reuters_live | Vídeo: GARY CAMERON (REUTERS)
Pablo Ximénez de Sandoval

 Elie Wiesel, uma das vozes mais importantes da memória do Holocausto e da defesa dos direitos humanos, faleceu neste sábado em sua residência em Nova York aos 87 anos de idade. Sua morte foi anunciada pelo Museu do Holocausto de Jerusalém, Yad Vashem. Sobrevivente dos campos de extermínio de Auschwitz e Buchenwald, Wiesel recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1986.

Em trecho de seu discurso de recepção do Nobel, Wiesel afirma: “Eu me lembro: foi ontem, ou há uma eternidade. Um menino judeu descobriu o Reino da Noite. Lembro de seu desconcerto, lembro de sua angústia. Foi tudo tão rápido. O gueto. A deportação. O vagão de gado fechado. O altar em chamas onde a história do nosso povo e o futuro da humanidade seriam sacrificados. Lembro que ele perguntou ao seu pai: ‘Isso é mesmo verdade? Isto é o século XX, não a Idade Média. Quem consegue autorizar que crimes como estes sejam cometidos? Como pode o mundo permanecer em silêncio? ‘. E esse menino agora se volta para mim e pergunta: ‘O que você fez com o meu futuro? O que você fez com a sua vida?’. E eu respondo que tentei. Tentei manter a memória viva, tentei lutar contra aqueles que esquecem. Porque, se esquecemos, somos responsáveis, somos cúmplices”.

O menino com quem Wiesel dialogava nesse discurso nasceu em 1928 em Sighet, Transilvânia. Aos 15 anos de idade, foi levado com toda a sua família pelos nazistas para o campo de concentração de Auschwitz, onde morreram sua mãe e sua irmã menor. Seus dois irmãos mais velhos sobreviveram. Depois, ele e seu pai, Shlomo, foram transferidos para o campo de Buchenwald, onde Shlomo morreu pouco antes da liberação, em abril de 1945. O número de identificação como prisioneiro que ele manteve tatuado em seu braço até o fim da vida era A-7713.

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Depois da guerra, formou-se em Paris, como jornalista. Não falou sobre o Holocausto durante dez anos. Acabaria por escrever dezenas de ensaios e romances, dentre os quais se destaca a trilogia sobre a experiência nos campos de concentração. O primeiro desses livros, A Noite (1955), foi traduzido para mais de 30 línguas, segundo a Fundação Eli Wiesel para a Humanidade, instituição que ele próprio criou juntamente com sua mulher e da qual era presidente. “Esquecer os mortos é o mesmo que matá-los pela segunda vez” –eis a ideia central desse livro e que o guiou a vida inteira. Na obra, Wiesel relata a sua vergonha por ter permanecido em silêncio deitado em seu catre enquanto seu pai era espancado.

Wiesel dedicou a vida à defesa dos direitos humanos, a manter viva a memória do Holocausto por meio da educação e da defesa apaixonada do Estado de Israel. Entre as causas apoiadas por sua fundação, segundo a própria organização, estiveram a defesa dos judeus da antiga URSS, os desaparecidos da ditadura militar argentina, os refugiados do Camboja, os curdos e a luta contra o Apartheid na África do Sul.

Como ativista, Wiesel se opôs à reunificação da Alemanha em 1989, afirmando que isso alimentaria o ressurgimento do antissemitismo. Em 1985, ao mesmo tempo em que recebia na Casa Branca a medalha de Ouro do Congresso dos Estados Unidos, criticou abertamente o presidente Ronald Reagan por ter agendado uma visita, na Alemanha, a um cemitério onde se encontravam alguns dos mais altos dirigentes do nazismo. “Esse não é o seu lugar. O seu lugar é ao lado das vítimas do nazismo”, disse. A Fundação Wiesel, assim como ele próprio, foram vítimas da gigantesca trapaça armada pelo investidor fraudulento Bernie Madoff. Wiesel e sua mulher, Marion, perderam tudo o que haviam poupado ao longo de suas vidas, e a Fundação perdeu 15,2 milhões de dólares.

Em entrevista ao EL PAÍS, quando estava com 58 anos, Eli Wiesel fez uma reflexão sobre a geração de intelectuais sobreviventes dos campos nazistas, da qual fazem parte Primo Levi, Jorge Semprún e ele próprio. “Nunca houve uma geração tão obcecada pela memória como a nossa, mas acredito que este é o patrimônio que devemos deixar para os nossos filhos”.

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