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Lula põe à prova seu capital político em manifestações contra Temer

Ex-presidente, que participa de ato nesta sexta, baixa o tom sobre suas pretensões para 2018

Gil Alessi

Nas últimas semanas o ex-presidente Lula baixou o tom sobre suas ambições políticas. Se antes ele falava que haviam “cutucado a onça com vara curta”, e que “a jararaca ainda está viva como sempre esteve”, esta semana o petista falou que está com idade para “se aposentar”. Se meses atrás ele se lançou candidato para as próximas eleições - "Estava na expectativa que vocês escolhessem alguém para disputar 2018 (...) mas eu quero me oferecer a vocês” -, o Lula dos últimos dias se mostra reticente: “É muito cedo para discutir 2018. Tem muita gente boa e muita gente nova”. Houve um divisor de águas no comportamento do ex-presidente. O afastamento temporário de sua sucessora Dilma Rousseff do cargo e o avanço da Operação Lava Jato colocaram o petista em uma situação delicada.

O ex-presidente Lula em ato no Rio de Janeiro, nesta segunda
O ex-presidente Lula em ato no Rio de Janeiro, nesta segundaF.Dana (AP)
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Mas, se suas ambições pessoais na política estão em xeque, sua influência para engrossar a oposição ao Governo Temer está à prova. Nesta sexta, ele vai testar seu capital político em São Paulo, ao participar de uma manifestação na avenida Paulista contra o Governo interino. Será a segunda vez esta semana em um evento público em que assume o papel de líder de massa, contrapondo a imagem do Lula cabisbaixo e apagado, vista no mundo inteiro, ao lado de Dilma Rousseff deixando o Palácio do Planalto no dia 12 de maio. Nesta segunda, ele esteve no Rio num encontro de movimentos sociais e centrais sindicais, no qual discursou por 38 minutos. Teceu críticas a Temer e defendeu a volta de Dilma ao poder.

O cientista político Rafael Cortez acredita que a mudança no discurso sobre 2018 do ex-presidente desde o impeachment é estratégica. “É importante que ele perca o protagonismo um pouco neste momento e adote uma postura cautelosa”, afirma. A medida teria como objetivo “minimizar a derrota política deste momento” e também “tentar diminuir o ímpeto político das instituições judiciais”. Para Cortez, enquanto não há definição sobre a instância onde fica o processo contra o ex-presidente que corre no âmbito da Lava Jato, a tendência é que Lula mantenha um perfil mais discreto. Neste cenário, a prioridade número 1 do presidente passa a ser manter seus direitos políticos: “não sabemos qual o resultado das investigações, e um quadro de agravamento da situação dele, com pedido de prisão, comprometeria de vez suas pretensões”.

Uma possível barreira que impediria Lula de retornar pela terceira vez à chefia do Executivo seria uma ação de improbidade administrativa movida contra ele pelos procuradores da Lava Jato. Isso pode ocorrer caso se comprove, por exemplo, que as empreiteiras investigadas no esquema de corrupção da Petrobras bancaram no final de 2010, quando ele ainda ocupava a presidência, uma reforma no sítio de Atibaia utilizado por ele e sua família como contrapartida a favores recebidos durante seu mandato. Nesse caso, ele estaria diante da possibilidade de perder os direitos políticos por oito anos devido à Lei da Ficha Limpa. Isso porque os crimes de lavagem de dinheiro e ocultação de bens são possibilidades previstas pela lei para tornar alguém inelegível. Para que isso ocorra, ele precisaria ser condenado em duas instâncias até o prazo para o registro de candidaturas.

Se nos últimos dois anos ele era uma potência nacional, agora ele passa a ter uma boa influência regional

Ironicamente, quando foi conduzido a depor coercitivamente no aeroporto de Congonhas em 4 de março o ex-presidente afirmou aos agentes da Polícia Federal que “vão ter que ter coragem de me tornar inelegível”.

O cientista político Thiago Aragão vê o ex-presidente abatido com a situação e frustrado com a presidenta afastada Dilma Rousseff. “Após o afastamento da Dilma ele perdeu muito da energia, ele achou que era capaz de reverter vários votos [na votação do impeachment na Câmara], o que não se comprovou”, afirma. De acordo com ele, várias traições sofridas pela petista na votação da Câmara foram “de votos negociados por ele”. À época ele chegou a montar um quartel-general em um hotel de Brasília para articular os apoios à mandatária. Soma-se a isso o fato de que Lula estaria cansado. “Ele entende que tudo que resultou nos últimos meses, do fracasso econômico ao impeachment, de forma direta são oriundos de uma decisão equivocada dele, que foi ter a Dilma como sucessora”. Em um dos áudios feitos pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, José Sarney (PMDB-MA) teria dito que Lula confessou que a escolha de Dilma para sucedê-lo havia sido seu maior erro.

Sobre a força do ex-presidente nas eleições municipais, Aragão acredita que, apesar de ter perdido capital político, Lula ainda é uma força a ser reconhecida. Em 2012 o petista viajou o país, e foi cabo eleitoral de candidatos petistas e de partidos coligados, subindo em dezenas de palanques. “Se nos últimos dois anos ele era uma potência nacional, agora ele passa a ter uma boa influência regional”, diz Aragão. Para o cientista político, políticos do PT tendem a se beneficiar de um eventual auxílio de Lula, uma vez que “o eleitor do partido já mostrou que perdoa eventuais malfeitos cometidos pela legenda”, tendo em vista o bom desempenho do partido após o escândalo do mensalão. “Em São Bernardo do Campo e Osasco [onde o petista começou a carreira política no sindicalismo] sua imagem continua forte”, afirma. Nas regiões Norte e Nordeste, onde o ex-presidente tem aura quase heroica, ele ainda conta com forte apoio, “mas não é nem sombra do que já foi”. “Hoje como formador de opinião ele está mais para o Lula de 1989 do que para o de 2010”.

As últimas pesquisas de opinião divulgadas este ano colocam Lula à frente de candidatos como Marina Silva (Rede), Michel Temer (PMDB) e o tucano Aécio Neves (PSDB-MG). Levantamento divulgado na quarta-feira encomendado pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) à MDA Pesquisas coloca o petista em primeiro lugar com 8,6% das intenções de voto numa pesquisa espontânea (sem mostrar alternativas de nomes aos entrevistados), à frente de Aécio Neves (5,7%) e Marina Silva (3,8%). Num segundo turno com os dois, entretanto, Lula seria derrotado.

Para as eleições municipais de 2016, no entanto, o sucesso de Lula como padrinho político dependeria da capacidade do petista de se descolar de algumas figuras do partido. “Além de ser prejudicado pela baixa popularidade da Dilma, o ex-presidente ainda sofre com a presença de Rui Falcão, presidente nacional do partido”, diz. “O Lula virou grande quando extrapolou o teto do voto petista e alcançou parcelas da sociedade que não votavam na legenda”, afirma Aragão. De acordo com ele, a imagem e o discurso de Falcão “não estimula o não petista a ter qualquer simpatia pelo partido”. Além da demora em reconhecer erros na condução da economia por parte de Dilma, o presidente da legenda frequentemente defende em discursos petistas condenados por corrupção, como tesoureiro João Vaccari Neto. Além disso, Falcão se refere à Lava Jato como uma operação que usa "delações forçadas, com criminosos que depois de fazer delações são transformados em heróis na mídia”, e tem repetido que os métodos usados encontram paralelo em "estados de exceção".

A avaliação de Cortez é semelhante. “A tendência é que Lula será puxador de voto localmente, o partido deve sentir o baque principalmente nas grandes capitais, onde haverá uma perda de votos”, afirma o cientista político. Segundo ele, “o eleitor é sempre mais localista do que querem os partidos, e a tendência é que ele avalie principalmente o Governo local”.

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