“É preciso adiar a Olimpíada: o zika vírus se espalhará por vias insuspeitas”
Especialista canadense é o primeiro signatário de uma carta em que mais de 170 cientistas pedem à OMS e ao COI que alterem as datas ou a sede dos Jogos
Quais são as consequências de manter os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro diante da ameaça do zika vírus? Para os mais de 170 cientistas signatários de uma carta que alerta a Organização Mundial da Saúde sobre os riscos, a doença poderá se espalhar para lugares inesperados do planeta.
"A consequência mais clara é que aumenta o risco de difusão do vírus e da enfermidade. Com meio milhão de pessoas indo ao Rio para os Jogos – e não se trata de visitantes habituais, e sim que vêm de cada canto do mundo –, se abre a possibilidade de que uma pessoa de qualquer lugar se contamine. Ao retornar ao seu país, os mosquitos locais podem transmitir a doença”. É o que opina, de Ottawa, Amir Attaran, catedrático de Epidemiologia e Saúde Pública da universidade local. Ele é um dos autores e o primeiro signatário da carta, dirigida tanto à OMS quanto ao Comitê Olímpico Internacional, organismo que insiste na realização dos Jogos, entre 5 e 21 de agosto. Os autores pedem que o evento seja adiado até que a ameaça do vírus desapareça, ou que se cogite transferir a sede da Olimpíada para outra cidade.
A OMS não acatou o pedido dos cientistas. Attaran considera que o organismo não está atento aos riscos: “Poderiam surgir novas epidemias em outros lugares. É preciso salientar que o vírus do Brasil é diferente do que existe em muitos outros países. Por isso, lá vemos, por exemplo, casos de microcefalias que não ocorriam com o zika nessa mesma zona antes desta epidemia”, afirma Attaran.
Por esse motivo, o risco é maior para quem visitar a cidade a partir de locais propensos à difusão do vírus na sua variedade brasileira. “Não me preocupa, exceto pelos casos de transmissão sexual, que os atletas do Canadá ou da África do Sul – para citar dois exemplos de países fora das zonas de maior risco – retornem aos seus países com o vírus, porque os mosquitos locais desses países não transmitem a doença. Mas pensemos por um momento em países como a Índia ou os da África Central, onde [os mosquitos locais] de fato poderiam espalhar o vírus.”
O maior evento esportivo do mundo criará novas vias de contágio, segundo o pesquisador: “Quantos etíopes visitam normalmente o Brasil? Muito menos, certamente, do que quando os Jogos Olímpicos acontecem ali”. Sua conclusão é clara: “É preciso adiar a Olimpíada: o zika vírus se espalhará por vias insuspeitas”.
“Com meio milhão de pessoas indo ao Rio para os Jogos – e não se trata de visitantes habituais, mas que vêm de cada canto do mundo –, se abre a possibilidade de que uma pessoa de qualquer lugar se contamine.”
Attaran considera que as medidas para o controle do mosquito adotadas pelo Brasil são insuficientes, e que seria preciso esperar até que o mosquito transmissor, o Aedes aegypti, seja erradicado. “Se [as autoridades] conseguirem, e talvez seja apenas questão de alguns meses, poderão realizar os Jogos. O problema é que as medidas de controle da praga no Brasil não estão tendo sucesso”. O epidemiologista cita de forma positiva dois casos em que o Brasil conseguiu erradicar o Aedes aegypti: pouco depois da Segunda Guerra Mundial e no final dos anos noventa.
Ampliando o risco geral da visita ao Rio (o segundo Estado com mais casos prováveis em todo o Brasil), Attaran aponta especialmente as condições da Barra da Tijuca, na zona oeste da capital fluminense, onde fica a vila olímpica. Na falta de dados históricos sobre a zika, o investigador se vale de outra doença com difusão semelhante, a dengue, igualmente transmitida pelo mosquito Aedes aegypti. “Desde o começo deste ano, houve naquela área tantos casos de contágio por dengue quanto em todo o ano de 2015”, diz ele. Em toda a cidade, segundo os cientistas signatários da carta, os casos aumentaram 320% no primeiro quadrimestre deste ano com relação ao mesmo período do ano passado.
“UM PROBLEMA DE SAÚDE PÚBLICA MUITO SIGNIFICATIVO”
Outro dos quatro redatores da carta, Lee Igel, especialista em eventos esportivos da Universidade de Nova York, também alerta sobre os riscos do Rio: "Um mega-acontecimento em meio a uma enorme crise de zika numa cidade que enfrenta problemas econômicos, sociais e políticos representa um problema de saúde pública muito significativo.”
Igel se mostra decepcionado com a resposta da OMS: “Não é senão uma reafirmação do que ela já vinha dizendo. Ela não se mostra disposta a criar um fórum transparente, público e aberto para que os atletas, visitantes e o público geral se conscientizem dos riscos de viajar ao Brasil, tanto para quem vai como, ao regressar, para as populações de seus países de origem.”
O chefe de pesquisas do programa de esportes da Universidade de Nova York, Arthur Caplan, outro coautor da carta, mostra-se também muito crítico com a posição da Organização Mundial da Saúde: “A OMS se baseia no fato de que o vírus já se espalhou muito fora do Brasil, e que, portanto, não faz sentido proibir a viagem ao Rio, mas esse raciocínio é suspeito, porque nem todas as cepas do vírus são iguais em termos de impacto.”
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