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Tarso Genro: “Não se pode dizer que o PT terminou seu prazo de validade”

Crítico histórico da aliança com o PMDB e defensor de guinada à esquerda, ele defende autocrítica no PT

Gil Alessi

Tarso Genro pode ser considerado um petista radical. No final de 2014 já defendia o rompimento com o PMDB e uma guinada à esquerda no segundo Governo da presidenta Dilma Rousseff. Não conseguiu emplacar nenhuma das duas teses dentro do PT, e o que se seguiu foi o que muitos chamam de 'golpe' peemedebista, seguido por uma curva à direita com a presidência interina de Michel Temer. Em entrevista por email, Genro, que é ex-ministro da Educação e da Justiça e foi governador do Rio Grande do Sul até 2014, quando foi derrotado em sua tentativa de se reeleger, critica a posição do presidente nacional do PT, Rui Falcão, defende autocrítica dentro do partido e se diz contra alianças com alas do PMDB nas próximas eleições.

S. Lima (Folhapress)
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Pergunta. O PT é frequentemente acusado de não fazer autocrítica. Isso é algo que deve mudar para que a legenda consiga se reerguer?

Resposta. Autocrítica não é autoflagelação nem confissão religiosa, para purgar pecados. Ela é uma análise racional dos erros, para extrair desta análise elementos para que, no futuro, estes erros, imperfeições graves, modelo de funcionamento institucional do Partido, condutas ilegais ou antiéticas, que são comuns a todos os partidos, não se repitam. Esta análise deve partir da verificação dos programas de Governo que adotamos para vermos que tipo de influência eles tiveram na nossa conduta política e nas transigências morais que foram realizadas para que pudéssemos governar dentro de uma ordem jurídica e política hostil a quaisquer mudanças de fundo na sociedade e no Estado. Assimilamos métodos dos nossos adversários? Caso positivo, por quê?

P. Existe um discurso muito forte contra o PT, que tem como base críticas ligadas ao combate contra a corrupção...

R. O cerco ao PT não é motivado pela luta contra a corrupção, pois quem venceu, até agora, neste cerco, foi precisamente a corrupção. É claro que condutas anti republicanas e ilegais de pessoas do PT ou aliadas do PT facilitaram esta chacina midiática e o cerco ao presidente Lula - sobre o qual até agora não se apresentou nenhuma prova conclusiva - é um complemento necessário para o cerco ao Partido. Mas o que está acontecendo no país visa somente estabilizar as necessidades do capital financeiro, cuja tranquilidade só é promovida com a garantia do pagamento da dívida pública com juros extorsivos, que são decididos pelos próprios credores. A montagem do Ministério do presidente em exercício e o novo líder do Governo na Câmara - um aliado incondicional de Eduardo Cunha, já réu em três ações penais no STF - mostra quem ganhou, até agora, a disputa política: foi o PMDB, foi Eduardo Cunha, foi a pior parte da política brasileira, a mais comprometida nos inquéritos e processos judiciais que tramitam hoje no país.

P. Pode-se esperar um PT mais à esquerda nestas eleições?

R. Na minha opinião se trata de buscar a formação de frentes políticas, pelo menos nas cidades mais importantes, que sejam mais consequentes com os ideários da esquerda, para inverter prioridades, aumentar os espaços de participação democrática da cidadania, atentar para as necessidades da juventude, criando uma cultura de paz e solidariedade. Acho que o Governo de Fernando Haddad é uma nova referência para nossas administrações de grandes cidades. Isso não se fará sem resgatar a identidade da esquerda, adequando-a aos novos tempos que vivemos e a um acordo permanente com os novos e novíssimos movimentos sociais. As cidades estão se tornando territórios sitiados pela anomia e pela violência, e as respostas para isso virão de mais democracia e não de menos democracia. Se a esquerda não tiver respostas para esta crise, não terá respostas para nada no âmbito das administrações municipais e fará apenas administrações mais "jeitosas", que não deixarão de ser tradicionais.

P. Que análise o senhor faz da conjuntura política do partido nessas eleições municipais? O PT deve perder prefeituras?

R. Não vamos sair tão mal como gostariam nossos adversários da direita, nem tão bem como pensam nossos companheiros mais otimistas.

Assimilamos [o PT] métodos dos nossos adversários? Caso positivo, por que?

P. A herança social deixada pelo Partido ainda pode conquistar eleitores após todos os escândalos?

R. Atualmente, a grande mídia só destaca os problemas e os erros do PT. Mas esta não será certamente a lembrança da maioria dos brasileiros daqui a seis ou oito anos, com relação aos Governos do PT, que melhoraram a vida de mais de 50 milhões de pessoas pobres ou miseráveis do nosso país. As classes dominantes não somente tem uma tradição e arrogância escravista, mas sobretudo se formaram e enriqueceram a partir de um rígido controle que sempre tiveram do Estado Nacional, com tênues espaços democráticos conquistados desde o Império. Entendo que a autocrítica do PT não pode ser somente um movimento 'internista', controlado pela burocracia partidária, mas deve ser um movimento conjunto com as demais formações de esquerda, integradas no espaço democrático, para a formação de uma nova cultura democrática e socialista, de caráter republicano, olhando para o futuro.

P. O senhor vislumbra a possibilidade de que haja um novo racha no partido com a criação de uma nova legenda com dissidentes, como já ocorreu antes?

R. Para pensar em novas formações políticas, primeiro temos que fazer uma reforma política no país, pois o nosso sistema político atual premia o oligarquismo regional, a mediocridade sem programa e a força das burocracia internas aos partidos. Não penso que se possa dizer, hoje, que o PT terminou seu prazo de validade, como ocorreu com os partidos comunistas tradicionais na Europa. Penso, aliás, que estas eleições municipais serão um teste importante, para verificarmos a capacidade de recuperação da nossa vitalidade à médio prazo. Exemplo bem concreto: se, em regra, repetirmos as políticas de aliança que desenvolvemos até agora, seguramente estaremos bem próximos do fim, pois estaremos apontando que nos tornamos mais um partido tradicional, que se rende ao pragmatismo eleitoral e ao imediatismo das "carreiras" políticas. Se o PT vai voltar a ser um partido de referência da utopia democrática e socialista, cujos contornos não são indefinidos somente aqui no Brasil, mas em todo o mundo, é sinceramente muito cedo para dizer.

P. O presidente nacional do PT, Rui Falcão, afirmou há algumas semanas que "não descarta" alianças com peemedebistas nas municipais, desde que eles não tenham apoiado o impeachment. Qual sua avaliação dessa estratégia?

R. A posição manifestada pelo presidente Rui me parece completamente equivocada, pois permite a interpretação que o PT pode manter o sistema de alianças atual, que nos levou ao desastre atual, embora não seja esta sua intenção. Na minha opinião a posição correta seria proibir alianças com todos os partidos golpistas ou que apoiaram o impeachment como regra geral permitindo exceções locais, para acordos com personalidades políticas de quaisquer partidos que se destacaram, neste processo, como defensoras do mandato legítimo da presidenta, que acordem conosco um programa para a as administrações locais, progressista e democrático, e que tenham uma conduta pública eticamente inatacável.

P. Existe uma ala do PMDB com o qual o PT ainda pode se aliar? Por que abrir exceções?

R. Por que esta exceção? Ora, é sabido que os partidos, no sistema político atual, em regra não agrupam identidades políticas, mas, predominantemente, interesses locais e regionais e que nem todas as pessoas dos diferentes partidos têm identidade com seu centro dirigente. Isso ocorre inclusive, embora com menor intensidade, também no PT, basta ver nossa conduta no Maranhão, em relação ao PC do B. Nosso sistema de alianças não pode ficar nem sob o juízo nem sob a dependência de relações com o PMDB só para ter maiores chances eleitorais.

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