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Comissão Interamericana de Diretos Humanos fica sem dinheiro

Entidade alerta que poderá parar de funcionar se não receber pagamento dos países

Visita da CIDH a Iguala, México, em setembro de 2015.
Visita da CIDH a Iguala, México, em setembro de 2015.Daniel Cima/CIDH

O continente americano corre o risco de ficar sem a proteção do órgão que, durante décadas, tem monitorado e defendido os direitos humanos no Hemisfério Ocidental. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) alertou, nesta segunda-feira, que está totalmente sem recursos. Se os países membros não voltarem a fornecer fundos, terá de despedir quase a metade dos funcionários a partir de agosto e deixar de exercer posições-chave. Hipótese que, para especialistas, poderia ter consequências desastrosas.

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“Estamos preocupados que a crise financeira enfraqueça a capacidade do sistema interamericano para responder às vítimas de graves violações dos direitos humanos”, resume Viviana Krsticevic, diretora executiva do Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL).

A falta de recursos contrasta com o fato de que a Comissão “tem sido a que, quando há deterioração institucional que afeta os direitos humanos, é a primeira e, muitas vezes, a única no âmbito da OEA [Organização dos Estados Americanos] que chama a atenção para os direitos humanos”, lembra Ariel Dulitzky, diretor da Human Rights Clinic da Universidade do Texas e ex-secretário executivo da CIDH. Isso faz com que a crise enfrentada possa “afetar a qualidade dos direitos humanos e a qualidade democrática da região”, alerta.

Segundo adiantou ao EL PAÍS o presidente da Comissão, James Cavallaro, se a agência não receber fundos com urgência, a partir de agosto, terá de despedir 40% dos funcionários, ou 30 das 78 pessoas que emprega. Mas as implicações vão muito além. O perigo é reverter o progresso realizado pela Comissão por “30 anos”, lamenta o secretário executivo da CIDH, Emilio Álvarez Icaza.

Isso quer dizer que “a Comissão pode perder qualquer possibilidade de fazer seu trabalho, tais como a emissão de medidas cautelares ou de proteção quando uma pessoa está sendo ameaçada. E isso tem salvado vidas na América Latina”, diz Santiago Canton, secretário de Direitos Humanos da Província de Buenos Aires e que foi antecessor de Álvarez Icaza na CIDH.

A falta de fundos na CIDH também significa, diz, que pode não haver mais um projeto semelhante ao Grupo Interdisciplinar de Peritos Independentes (GIEI, na sigla em espanhol) que avaliou o caso Ayotzinapa e encontrou inúmeras falhas na investigação sobre os 43 estudantes desaparecidos em Iguala, no México. Ou que se perca, no caso das Américas, a única instância que pode realizar uma “observação independente” nos Estados. Porque a CIDH “é o único garantidor independente e imparcial que temos na região”, destacaram Canton e Dulitzky.

Um problema endêmico

Apesar de ser aclamada como a “joia da coroa” do sistema interamericano e um exemplo para muitas organizações de direitos humanos em todo mundo, a CIDH sempre caminhou à beira do abismo econômico. Os únicos fundos que tem garantidos são ínfimos, cerca de 6% do orçamento da OEA ou, como muitas vezes se observou ironicamente, menos do que este órgão gasta para manter seus edifícios. No orçamento de 2016, essa verba equivale a 4,8 milhões de dólares (cerca de 17 milhões de reais). Sua principal fonte de recursos tem sido sempre contribuições voluntárias, mas os fundos dos países membros também têm sido, geralmente, muito baixos.

Até agora, a Comissão conseguia sobreviver graças às contribuições, principalmente, de países europeus. Mas, com a crise de refugiados enfrentada pelo velho continente desde o ano passado, a torneira secou. A responsabilidade, de acordo com Álvarez Icaza, tem de ser assumida de uma vez por todas pelos Governos dos países que fazem parte do organismo.

“Os chefes de Estado da região têm uma narrativa muito forte sobre os direitos humanos, mas com um talão de cheques muito passivo. É hora de equilibrar o discurso. A Comissão deve fazer parte das prioridades dos países”, afirmou.

Os Estados não respondem

A resposta tem sido, por enquanto, escassa. Os únicos que deram fundos para a Comissão em 2016 foram Argentina, Estados Unidos, Peru e Uruguai. O total: 2,5 milhões de dólares (9 milhões de reais), dos quais os EUA responderam por mais de 90%.

A baixa contribuição para a CIDH não pode ser justificada, segundo observadores e funcionários da agência, com a falta de dinheiro. No final do ano passado, os países das Américas contribuíram com quase 20 milhões de dólares para o Tribunal Penal Internacional (TPI). Os mesmos países, em igual período, destinaram apenas 199.000 dólares para a Comissão em caráter voluntário.

Para Santiago Canton, trata-se de uma “vergonha histórica”, onde se esconde uma “perversidade insólita”: “Os países da região não gostam da CIDH, se sentem incomodados, porque ela aponta quando estão cometendo erros, e ninguém gosta disso”. Portanto, não fornecer os recursos necessários é uma maneira, diz o defensor dos direitos humanos, “de assegurar que a Comissão não faça o que eles não gostam”.

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