Woody Allen: um zumbi em Cannes
Cineasta encara com humor sua 14ª. participação no festival com seu novo filme, ‘Café Society’
Com o Woody Allen nada muda. Não muda nem sua camisa, tão puída quanto as habituais calças cáquis, com um brilho suspeito nos joelhos. O pulôver está ostensivamente furado, mas ninguém tem tempo para a moda quando está com 80 anos e prepara o lançamento do seu próximo filme em Cannes, Café Society, sua volta à televisão com uma minissérie e a filmagem de um novo longa, dentro de poucos meses. “Eu sou só a desculpa para ir a Cannes. Quem aproveita é a minha mulher. Encontra os amigos, sai por aí e adora o sul da França. Saio do avião e fico dando entrevistas a todos os países do mundo, da manhã até à noite, sozinho, em grupo, e aí me levam pelo tapete vermelho feito um zumbi – 'Olhe para a direita, para a esquerda, dê a volta’ – até que me colocam num avião para casa”, conta ao EL PAÍS. É o que o espera essa quarta, quando o festival de cinema mais importante do mundo abre suas portas precisamente com a projeção de seu último filme.
Apesar das contínuas lamentações, ele não para. Café Society é o 12º. filme que Allen leva a Cannes, sem contar outros dois títulos nos quais atuou sem dirigir. Também é a terceira vez que abre essa prestigiosa vitrine internacional do cinema, depois de Dirigindo no Escuro (2002) e Meia-Noite em Paris (2011) – de modo que a experiência não deve ser tão ruim assim. “É verdade que eu adoro, mas não são férias. Não sobra tempo nem para respirar, nem para ver meus amigos ou ver qualquer coisa. Minha esposa é a que aproveita”, insiste, referindo-se a Soon-Yi. “Se fosse por ela estaríamos viajando pela Coreia, Japão, o Extremo Oriente. Mas eu me aborreço nos aviões. Eles me deixam nervoso. Além disso, não sou nada curioso. Para mim tanto faz o lugar. Por mim não sairia destes quatro quarteirões”, afirma, satisfeito com a sua Manhattan natal.
Entretanto, nos últimos anos a filmografia de Allen não para de viajar. Café Society também é uma viagem no tempo, à Hollywood dourada dos anos trinta, aonde chega um jovem neurótico em busca de uma oportunidade e um pouco de amor. Jesse Eisenberg é novamente o alter-ego de Allen, e entre as musas do seu desejo estão Kristen Stewart e Blake Lively.
“É uma história muito romântica, que também é uma trama familiar, muito de romance, porque isso é o que eu queria, escrever um livro”, comenta. Não dá mais explicações, e obviamente a única coisa que citou do seu 47º. filme foi o título. “Não quero ser eu a dizer que você vai gostar. Aliás, sempre fico descontente com tudo o que faço. E esta não será a exceção”, ameaça o diretor, que ficou tão insatisfeito com Manhattan que propôs aos seus produtores que não a estreassem. O resto foi história.
Como declarou recentemente à revista The Hollywood Reporter, só salvaria da queima A Rosa Púrpura do Cairo, Match Point, Maridos e Esposas e provavelmente Zelig e Meia-Noite em Paris. O que não o impede de continuar tentando num ritmo inusitado de uma estreia por ano nos últimos 35 anos – algo que a idade só parece acelerar, a julgar pela rodagem da minissérie de seis episódios de meia hora que acaba de preparar para a Amazon, do qual ainda não fala sobre título nem trama. A Amazon também foi a produtora de Café Society, luxuoso filme de época cujo orçamento pode ter superado os 100 milhões de reais, uma cifra elevada para um filme de Allen, e da qual a empresa de comércio eletrônico teria bancado mais da metade. Toda uma ironia para um homem que continua sem ter computador e renega as novas plataformas ao mesmo tempo em que trabalha para elas. “Não teria gostado delas nem quando jovem, pois a única coisa que eu queria era ir ao cinema”, acrescenta esse defensor do meio, agora bandeado para a concorrência.
Apesar dos seus comentários, Allen continua em estreito contato com a realidade que o cerca – e especialmente com a política. É um firme defensor de Hillary Clinton como futura presidenta dos Estados Unidos, embora diga que nunca a conheceu pessoalmente. Quem ele conhece é Donald Trump, o virtual candidato republicano. “Participou de um dos meus filmes, Celebridades. É um sujeito teatral, e fica natural”, afirma, com mais carinho que crítica. Como admite o cineasta, tem sentimentos ambíguos sobre a atual campanha eleitoral. “Não nego que me diverte, mas para mim tanto faz quem for o candidato republicano, este é o ano da Hillary”, afirma.
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