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DE MAR A MAR
Coluna
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O experimento Temer

Vice-presidente do Brasil terá de sanear as contas públicas sem que o descontentamento exploda

Carlos Pagni
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Na Argentina está se desenrolando um experimento misterioso. Mauricio Macri, em minoria parlamentar, tem de ordenar a economia com ajustes antipáticos. Frente a ele, o kirchnerismo destituído questiona sua legitimidade e se enrola na bandeira da justiça social. A peripécia pode ser um espelho que adianta o tempo. O ciclo que se inicia no Brasil tem com o da Argentina um ar familiar. Quando substituir Dilma Rousseff, o vice-presidente Michel Temer terá de superar uma crise econômica parado sobre uma plataforma de poder mais estreita ainda que a de Macri. E, como Cristina Kirchner, o PT não se vê na oposição. Vê-se na resistência. O fim da onda de bonança encontra os dois maiores países sul-americanos tentando um experimento semelhante. Vidas paralelas.

A equipe de Temer precisa satisfazer quatro condições: ganhar a confiança do mercado, evitar acusações de corrupção, facilitar a formação de uma maioria legislativa e prevenir uma tempestade social.

Temer vai despejando incógnitas. Tudo indica que Henrique Meirelles será seu ministro da Fazenda. E José Serra, seu chanceler.

Meirelles é aplaudido pelo sistema financeiro. Ganhou admiração, em um contexto muito distinto, florescente, como presidente do Banco Central com Luiz Inácio Lula da Silva, que para o mercado era Lúcifer. A nova designação seria uma piada da história. Meirelles era o economista que Lula aconselhou Dilma a nomear para o segundo mandato. Mas ela preferiu Joaquim Levy.

A oposição do PSDB, o partido de Fernando Henrique Cardoso, olha para Meirelles com apreensão. Teme que lidere um programa impopular demais. Quando começou a circular o nome do banqueiro, Cardoso afirmou: “Não tenho nada contra ele, mas o próximo ministro tem que ter uma visão”.

Meirelles escolheria o novo presidente do Banco Central. Quem provoca mais expectativa é Ilan Goldfajn, o economista-chefe do banco Itaú.

Serra é o melhor interlocutor de Temer no PSDB. Com ele, o Itamaraty, a chancelaria brasileira, terá um perfil comercialista. Serra, que nunca se apaixonou pelo Mercosul, será duro com a Argentina. É o pior momento para negociar: os dois países atravessam uma recessão. Em relação à Venezuela, por sua vez, haverá uma coincidência: o novo Governo brasileiro, seguindo o caminho do de Macri, condenará Nicolás Maduro. Com uma inflação que ameaça alcançar 700% no fim do ano, só resta uma saída para Maduro: aferrar-se à mão do papa Francisco, que lhe enviou uma misteriosa carta. A fórmula de Raúl Castro.

Meirelles e Serra compartilham uma expectativa. Ambos sonham com a presidência do Brasil. Talvez se inspirem em um antecedente conhecido: Cardoso chegou ao topo depois de ter sido o bem-sucedido chanceler e ministro da Fazenda de Itamar Franco, um presidente surgido do impeachment de Fernando Collor de Mello.

A perspectiva eleitoral de 2018 condiciona todo o jogo. Sobretudo no PSDB, a principal oposição a Dilma. Ali, Cardoso propõe, em combinação com Serra, integrar a equipe de Temer dando aval aos ministros do partido. Geraldo Alckmin, o governador de São Paulo, prefere manter a independência, limitando o apoio à tarefa legislativa. O PSDB é a terceira força em deputados, com 52 cadeiras. O PMDB de Temer tem o bloco mais numeroso, com 67. É seguido do PT, que, com 60, será a principal oposição.

Compor uma maioria requer 257 votos. Em consequência, Temer terá de repartir cargos entre diferentes partidos e, ao mesmo tempo, garantir a qualidade moral do Gabinete.

Rousseff pretende antecipar as eleições para este ano. Declara que o impeachment esconde um golpe para garantir a impunidade de muitos parlamentares envolvidos no escândalo da Petrobras. Personificou esse argumento em Eduardo Cunha, o presidente da Câmara, do PMDB, o partido de Temer. Cunha é investigado pelo Supremo Tribunal Federal, que poderia fazê-lo renunciar.

A exaltação moral que toma o Brasil pode encurralar o próximo Governo. Em outra escala, o fenômeno também ocorre na Argentina. O escândalo de corrupção que sacode Cristina Kirchner tem origem nas obras públicas, que são o negócio em que fizeram fortuna Franco Macri, o pai do presidente, e Nicolás Caputo, seu melhor amigo e antigo sócio.

O kirchnerismo argumenta que as investigações judiciais são o pretexto com que o poder econômico pretende se vingar de uma revolução igualitária. Dilma e o PT vão mais além: denunciam um golpe. Sobre essa acusação se organiza uma oposição implacável contra Temer, que começa desde já. Com o Tesouro sem recursos, a presidenta anunciou no domingo um aumento nos subsídios sociais. Segue os passos da senhora Kirchner, que antes de abandonar o poder inundou a Administração com novos empregados, transferiu recursos para as províncias e jogou dólares no mercado futuro, motivo pelo qual talvez seja processada.

Como Macri, Temer enfrentará um desafio delicado: sanar as contas públicas sem que o descontentamento social exploda. Como Macri, aposta em um programa de infraestrutura. Como Macri, terá de buscar o equilíbrio entre a credibilidade do mercado e a legitimidade da política.

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