_
_
_
_
DE MAR A MAR
Coluna
Artigos de opinião escritos ao estilo de seu autor. Estes textos se devem basear em fatos verificados e devem ser respeitosos para com as pessoas, embora suas ações se possam criticar. Todos os artigos de opinião escritos por indivíduos exteriores à equipe do EL PAÍS devem apresentar, junto com o nome do autor (independentemente do seu maior ou menor reconhecimento), um rodapé indicando o seu cargo, título académico, filiação política (caso exista) e ocupação principal, ou a ocupação relacionada com o tópico em questão

O experimento Temer

Vice-presidente do Brasil terá de sanear as contas públicas sem que o descontentamento exploda

Carlos Pagni
Mais informações
“Desafio econômico será mais difícil para Temer do que foi para Itamar”
Por que Henrique Meirelles é o favorito do mercado financeiro para o Brasil da crise
Dilma Rousseff anuncia reajuste do Bolsa Família e mira resistência a Temer
Sindicatos argentinos mostram seu poder com grande manifestação contra Macri
Macri anuncia medidas sociais para conter protestos contra o ajuste

Na Argentina está se desenrolando um experimento misterioso. Mauricio Macri, em minoria parlamentar, tem de ordenar a economia com ajustes antipáticos. Frente a ele, o kirchnerismo destituído questiona sua legitimidade e se enrola na bandeira da justiça social. A peripécia pode ser um espelho que adianta o tempo. O ciclo que se inicia no Brasil tem com o da Argentina um ar familiar. Quando substituir Dilma Rousseff, o vice-presidente Michel Temer terá de superar uma crise econômica parado sobre uma plataforma de poder mais estreita ainda que a de Macri. E, como Cristina Kirchner, o PT não se vê na oposição. Vê-se na resistência. O fim da onda de bonança encontra os dois maiores países sul-americanos tentando um experimento semelhante. Vidas paralelas.

A equipe de Temer precisa satisfazer quatro condições: ganhar a confiança do mercado, evitar acusações de corrupção, facilitar a formação de uma maioria legislativa e prevenir uma tempestade social.

Temer vai despejando incógnitas. Tudo indica que Henrique Meirelles será seu ministro da Fazenda. E José Serra, seu chanceler.

Meirelles é aplaudido pelo sistema financeiro. Ganhou admiração, em um contexto muito distinto, florescente, como presidente do Banco Central com Luiz Inácio Lula da Silva, que para o mercado era Lúcifer. A nova designação seria uma piada da história. Meirelles era o economista que Lula aconselhou Dilma a nomear para o segundo mandato. Mas ela preferiu Joaquim Levy.

A oposição do PSDB, o partido de Fernando Henrique Cardoso, olha para Meirelles com apreensão. Teme que lidere um programa impopular demais. Quando começou a circular o nome do banqueiro, Cardoso afirmou: “Não tenho nada contra ele, mas o próximo ministro tem que ter uma visão”.

Meirelles escolheria o novo presidente do Banco Central. Quem provoca mais expectativa é Ilan Goldfajn, o economista-chefe do banco Itaú.

Serra é o melhor interlocutor de Temer no PSDB. Com ele, o Itamaraty, a chancelaria brasileira, terá um perfil comercialista. Serra, que nunca se apaixonou pelo Mercosul, será duro com a Argentina. É o pior momento para negociar: os dois países atravessam uma recessão. Em relação à Venezuela, por sua vez, haverá uma coincidência: o novo Governo brasileiro, seguindo o caminho do de Macri, condenará Nicolás Maduro. Com uma inflação que ameaça alcançar 700% no fim do ano, só resta uma saída para Maduro: aferrar-se à mão do papa Francisco, que lhe enviou uma misteriosa carta. A fórmula de Raúl Castro.

Meirelles e Serra compartilham uma expectativa. Ambos sonham com a presidência do Brasil. Talvez se inspirem em um antecedente conhecido: Cardoso chegou ao topo depois de ter sido o bem-sucedido chanceler e ministro da Fazenda de Itamar Franco, um presidente surgido do impeachment de Fernando Collor de Mello.

A perspectiva eleitoral de 2018 condiciona todo o jogo. Sobretudo no PSDB, a principal oposição a Dilma. Ali, Cardoso propõe, em combinação com Serra, integrar a equipe de Temer dando aval aos ministros do partido. Geraldo Alckmin, o governador de São Paulo, prefere manter a independência, limitando o apoio à tarefa legislativa. O PSDB é a terceira força em deputados, com 52 cadeiras. O PMDB de Temer tem o bloco mais numeroso, com 67. É seguido do PT, que, com 60, será a principal oposição.

Compor uma maioria requer 257 votos. Em consequência, Temer terá de repartir cargos entre diferentes partidos e, ao mesmo tempo, garantir a qualidade moral do Gabinete.

Rousseff pretende antecipar as eleições para este ano. Declara que o impeachment esconde um golpe para garantir a impunidade de muitos parlamentares envolvidos no escândalo da Petrobras. Personificou esse argumento em Eduardo Cunha, o presidente da Câmara, do PMDB, o partido de Temer. Cunha é investigado pelo Supremo Tribunal Federal, que poderia fazê-lo renunciar.

A exaltação moral que toma o Brasil pode encurralar o próximo Governo. Em outra escala, o fenômeno também ocorre na Argentina. O escândalo de corrupção que sacode Cristina Kirchner tem origem nas obras públicas, que são o negócio em que fizeram fortuna Franco Macri, o pai do presidente, e Nicolás Caputo, seu melhor amigo e antigo sócio.

O kirchnerismo argumenta que as investigações judiciais são o pretexto com que o poder econômico pretende se vingar de uma revolução igualitária. Dilma e o PT vão mais além: denunciam um golpe. Sobre essa acusação se organiza uma oposição implacável contra Temer, que começa desde já. Com o Tesouro sem recursos, a presidenta anunciou no domingo um aumento nos subsídios sociais. Segue os passos da senhora Kirchner, que antes de abandonar o poder inundou a Administração com novos empregados, transferiu recursos para as províncias e jogou dólares no mercado futuro, motivo pelo qual talvez seja processada.

Como Macri, Temer enfrentará um desafio delicado: sanar as contas públicas sem que o descontentamento social exploda. Como Macri, aposta em um programa de infraestrutura. Como Macri, terá de buscar o equilíbrio entre a credibilidade do mercado e a legitimidade da política.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_