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Lei brasileira pode dar anistia a donos de contas de offshores identificados no ‘Panama Papers’

Nova lei garante que dinheiro mantido fora irregularmente seja regularizado caso tenha origem lícita

Sede da Mossack Fonseca no Panamá.
Sede da Mossack Fonseca no Panamá.Alejandro Bolivar (EFE)
G. A.

A divulgação dos Panama Papers gerou um estardalhaço global com a revelação de que chefes de Estado, políticos e celebridades são beneficiários de offshores, que permitem driblar o fisco para ocultar recursos, sejam de origem legal ou ilegal. Em alguns países, o episódio, divulgado por um pool de jornalistas do mundo todo, tornou-se um escândalo nacional, como na Islândia, onde o primeiro ministro, Sigmundur Gunnlaugsson, renunciou por pressão popular quando veio a público a sua fortuna oculta.

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No Brasil, os Panama Papers vem à tona quando uma legislação entra em vigor para facilitar a regularização de dinheiro de brasileiros mantido no exterior, mas que não havia sido declarado à Receita Federal. No dia 5 de abril, começou a valer o prazo para que pessoas ou companhias que possuem bens não declarados fora do país regularizem sua situação.

Mediante o pagamento de uma multa equivalente a 30% da quantia a ser declarada, o fisco garante a anistia para essas contas que tenham origem lícita, ou seja, não sejam fruto de atividades ligadas ao terrorismo, tráfico de drogas, ou crime contra a administração pública. Caso não sejam regularizadas, seus usuários podem ser denunciados por crimes de evasão de divisas, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica, dentre outros. A lei, uma proposta debatida à exaustão no ano passado e aprovada em janeiro deste ano, nasceu da necessidade de equilibrar as contas públicas, num momento em que a arrecadação minguou. Mergulhado numa grave crise política e econômica, a expectativa do Governo é arrecadar 150 bilhões de reais com a nova lei, que vale até 31 de outubro. Seria uma janela para que recursos no exterior sejam regularizados, já que o Brasil é signatário de um acordo internacional que entrará em vigor no ano que vem e que endurece as leis contra sonegadores.

A dúvida é quem poderá se beneficiar da nova lei, incluindo os proprietários das offshores identificadas pelos Panama Papers, por exemplo. No domingo, dia 4, um dia antes da lei de repatriação entrar em vigor, veio a público o conjunto de documentos referentes a empresas offshore abertas pelo escritório panamenho Mossack Fonseca, com ao menos 57 brasileiros, entre eles rondam suspeitas sobre o  presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Se confirmado que é um dos beneficiários, o deputado do PMDB não poderia se amparar na lei pois pessoas que ocupam cargos públicos (eletivos ou não) e seus parentes de até segundo grau não poderão usufruir dos benefícios da nova lei de repatriação. Outros políticos brasileiros de sete partidos também aparecem na relação dos Panama Papers.

As contas de brasileiros ainda precisam ser analisadas pela Receita, para saber se foram declaradas ou não. Teoricamente, também estariam impedidos de obter as vantagens oferecidas pelo fisco quem obteve o dinheiro mantido no exterior de forma ilegal. O problema é que fica a critério da pessoa declarar qual a origem dos bens quando for preencher a declaração de renda. De acordo com a lei, é preciso fazer uma “declaração de que os bens ou direitos de qualquer natureza declarados têm origem em atividade econômica lícita e de que as informações fornecidas são verídicas”. No sistema da declaração on-line da Receita não é pedido que nenhum documento comprovando a origem dos recursos seja anexado: basta afirmar a quantia e dizer de onde ela veio. Abre-se neste ponto uma brecha para que dinheiro fruto de atividades criminosas possa voltar para o país limpo – e seus detentores livres de qualquer acusação.

Raquel Elita Alves Preto, presidente da Comissão de Estudos de Tributação e Finanças Públicas do Instituto dos Advogados de São Paulo, afirma que ao declarar o recurso no exterior é preciso que o contribuinte faça “uma narrativa da origem do dinheiro”, o que dificultaria a regularização de valores fruto de atividades ilegais. “A Receita pode, eventualmente, solicitar documentos e informações adicionais para comprovar que o recurso não tem origem ilícita”, diz, ressaltando que o controle do fisco costuma ser feito por amostragem, o que não garante 100% de eficácia nos controles. Ela avalia que “a lei é boa do ponto de vista acadêmico e técnico”, por usar parâmetros “contemporâneos e recomendados internacionalmente”.

Mas, a lei não agradou a todos. No final do ano passado o MPF divulgou um parecer técnico criticando o projeto por criar uma “janela de impunidade que poderá ser uma verdadeira blindagem a favor dos criminosos e investigados nas grandes operações contra a corrupção no Brasil". De acordo com a nota, a nova legislação pode fazer crer que “o crime compensa”, além de conduzir “a um lapso de impunidade". O documento cita ainda uma resolução da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico segundo a qual programas de regularização tributária não devem ser usados para oferecer “imunidade penal absoluta”. A aposta do MPF é aprofundar a colaboração entre o Brasil e os chamados paraísos fiscais como ferramenta para facilitar a repatriação dos recursos – como tem sido feito até então.

MPF pede documentos do Panamá

O MPF já começou as tratativas para que o Panamá forneça acesso às provas obtidas pelo Consórcio de Jornalistas envolvendo a Mossack Fonseca. Pela legislação brasileira, as provas de eventuais irregularidades nas offshores só têm valor jurídico caso sejam encaminhadas pelo Governo local. No caso dos Panama Papers o processo deve demorar, uma vez que provavelmente nem mesmo as autoridades panamenhas têm os documentos em mãos. Caso as autoridades do Panamá enviem o material para o Brasil, “os documentos serão encaminhados à PGR, à Curitiba [onde processos da Lava Jato tramitam na primeira instância] e aos investigadores de pessoas que já respondem algum inquérito”, afirmou o procurador Vladimir Aras, secretário de Cooperação Internacional da Procuradoria Geral da República, em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo. De acordo com Aras, novas apurações podem ser abertas nas cidades onde envolvidos em irregularidades tenham domicílio.

Parte dos documentos da empresa, no entanto, já está em poder da Justiça, uma vez que o escritório brasileiro da Mossack, em São Paulo, foi alvo de busca e apreensão durante a 22ª fase da Lava Jato, realizada no final de janeiro. Esta etapa da operação tinha relação com uma offshore aberta pela companhia panamenha que teria comprado uma unidade no edifício Solaris, no Guarujá, o mesmo onde o ex-presidente Lula tinha cotas.

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