Manifestantes anti-impeachment: um voto de confiança no sistema político
Maioria dos que foram às ruas defender a permanência de Dilma no Governo acreditam nos partidos e nos políticos
No protesto contra o impeachment de 31 de março, na Praça da Sé, em São Paulo, aplicamos questionário a 508 manifestantes. A abordagem foi aleatória, distribuída em toda a extensão da praça, entre as 17 e as 22 horas. A margem de erro máxima, com 95% de confiança, é de 4,3%.
Nossa investigação dá sequência a duas outras conduzidas por dois dos autores em abril e agosto de 2015, que mostraram que os manifestantes que protestavam contra o governo Dilma não eram simplesmente antipetistas, mas tinham uma descrença generalizada no sistema político e defendiam direitos sociais, em desacordo com a liderança liberal dos protestos. Já neste novo levantamento, é possível perceber que quem esteve na praça da Sé no último dia 31 para defender a permanência de Dilma Rousseff na presidência tem confiança nos políticos e nos partidos, sobretudo nos de esquerda. A pesquisa completa pode ser conferida aqui.
Caracterização da amostra
Como pesquisas do Datafolha e da Fundação Perseu Abramo já tinham demonstrado, as mobilizações contra o impeachment têm tido um perfil demográfico não muito diferente das manifestações anti-Dilma. Constatamos o mesmo padrão na manifestação do dia 31 de março. No tocante a escolaridade, 77% dos manifestantes tinham formação no ensino superior (completa ou incompleta). No entanto, no quesito renda, o padrão foi um pouco inferior das manifestações anti-Dilma, com 54,5% dos manifestantes com renda familiar entre 3 e 10 salários mínimos e, no tocante a cor, 34,9% se declararam pretos ou pardos.
Mobilização e satisfação com o governo
Do total, 88% dos manifestantes foram espontaneamente à manifestação e não por meio da convocação direta de associados de sindicatos ou movimentos. Esse índice pode ter sido excepcionalmente baixo, já que, no dia, foi feito um grande esforço de mobilização para levar manifestantes a Brasília para pressionar o Congresso. No tocante a satisfação com o Governo Dilma, as respostas foram razoavelmente distribuídas, com uma tendência para a satisfação: 37,2% se consideraram muito satisfeitos com o Governo, 50,8% pouco satisfeito e 10,6% nada satisfeito.
Confiança no sistema político
O resultado mais surpreendente desta pesquisa é o grau de confiança dos manifestantes contrários ao impeachment no sistema de representação política, sobretudo nos partidos de esquerda e nas suas lideranças. Embora a confiança dos manifestantes nos partidos em geral seja razoavelmente baixa (37% não confiam nos partidos), quando perguntados sobre os partidos de esquerda e seus líderes, a confiança é alta: 43%, por exemplo, confiam muito no PT e 74% confiam muito no prefeito de São Paulo Fernando Haddad. O resultado contrasta bastante com os manifestantes do protesto anti-Dilma de 12 de abril de 2015, quando 73,2% não confiavam nada nos partidos em geral e, para os quais, mesmo o partido mais popular (PSDB) só tem muita confiança de 11% dos manifestantes. Todos os gráficos seguem o padrão azul e vermelho: azul para os protestos anti-Dilma e vermelho para o protesto contra o impeachment.
Desconfiança na imprensa
Outro forte contraste entre os dois grupos é o grau de confiança na imprensa. Enquanto 83,2% dos manifestantes contrários ao impeachment não confiam na imprensa, esse índice é de apenas 20,8% entre os anti-Dilma de 12 de abril (embora 57,8% deles confiem pouco). Isso já tinha sido verificado também noutro estudo, conduzido por dois dos autores, sobre o perfil digital dos manifestantes, que mostrou que a imprensa escrita é muito mais consumida por quem protesta contra a presidenta Dilma do que pelos contrários ao impeachment (que preferem portais de internet e comentaristas de opinião).
Soluções políticas para a crise
A literatura aponta que em momentos de crise de legitimidade do sistema político, duas reações normalmente aparecem: tentativas de resgatar a legitimidade democrática da política, por meio de consultas como plebiscitos e da participação direta de organizações comunitárias como movimentos sociais ou soluções extrapolíticas e autoritárias, recorrendo a atores de fora do jogo político, como juízes ou militares. Na manifestação anti-Dilma de 15 de agosto de 2015, investigamos a opinião dos manifestantes sobre os dois tipos de saídas e as posições estavam relativamente distribuídas entre as soluções de aprofundamento democrático e as soluções extrapolíticas. Já na manifestação contrária ao impeachment, as soluções de aprofundamento democrático sobressaíram de maneira notável.
Seletividade na percepção de corrupção
Outra hipótese investigada na pesquisa foi a seletividade da percepção sobre casos de corrupção. A polarização política sugeria que haveria uma percepção enviesada, segundo a qual cada grupo veria como mais grave os casos de corrupção envolvendo os adversários. Os dados, porém, não comprovaram a hipótese de uma maneira forte. De forma geral todos os escândalos de corrupção verificados – Operação Lava Jato, Operação Zelotes, corrupção no Metrô/ CPTM e os mensalões petista e tucano – foram considerados graves pela maior parte dos entrevistados dos dois grupos, embora pequenas variações de ênfase demonstrem alguma seletividade.
Difusão de boatos
Um dos resultados mais surpreendentes da pesquisa realizada na manifestação anti-Dilma de 15 de agosto de 2015 foi a forte adesão dos manifestantes a boatos políticos. Boatos flagrantemente inverídicos como o filho de Lula ser sócio da Friboi, ou Dilma ter trazido haitianos para votar na eleição, tiveram grande penetração entre os manifestantes. De maneira semelhante, testamos a concordância com três boatos junto aos manifestantes contrários ao impeachment: “O juiz Sérgio Moro é filiado ao PSDB”, “Os protestos de junho de 2013 foram orquestrados pela direita” e “Os protestos contra a corrupção são articulados pelos Estados Unidos para se apropriar do pré-sal”. Para nossa surpresa, o nível de aceitação desses boatos foi também muito grande, o que mostra o alcance da guerra de desinformação entre os dois grupos políticos.
Desqualificação dos adversários
Outra consequência da polarização é que a posição dos adversários não é respeitada como uma divergência política democrática, mas é desqualificada. Por isso, testamos também a aderência dos manifestantes contrários ao impeachment a duas afirmações sobre a natureza dos protestos anti-Dilma: “Os manifestantes pró-impeachment não querem o fim da corrupção, querem apenas retirar a presidenta Dilma do poder” e “Quem protesta contra a corrupção é apenas a classe média que não quer que os mais pobres melhorem de vida”. Novamente, a alta adesão a essas afirmações mostra o alcance da polarização.
Esther Solano é professora de Relações Internacionais da UNIFESP
Márcio Moretto Ribeiro é professor de Sistemas de Informação na USP
Pablo Ortellado é professor do curso de Gestão de Políticas Públicas da EACH-USP
Tu suscripción se está usando en otro dispositivo
¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?
Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.
FlechaTu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.
Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.
En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.
Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.