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Trípoli, o feudo de três brigadas sitiado pelo Estado Islâmico

Sequestros e atentados assolam a cidade, capital de um Governo sem legitimidade

Uma rua na cidade velha de Trípoli.
Uma rua na cidade velha de Trípoli.Julián Rojas
Francisco Peregil (Enviado Especial)

Em Trípoli, mal se veem estrangeiros. Às 22h todo mundo procura estar em casa. “Há policiais por toda parte, mas não servem de nada”, queixa-se um recepcionista que há pouco mais de um ano, em 27 de janeiro de 2015, estava no hotel Corintia quando vários terroristas do Estado Islâmico (EI) mataram 10 pessoas, quase todas estrangeiras. Dias antes, um carro-bomba detonado perto do hotel havia deixado seis feridos.

À ameaça do EI é preciso acrescentar a dos sequestros, que há anos se transformaram em uma rentável atividade econômica, de maneira nenhuma restrita apenas a Trípoli. Há inclusive quem diga que atualmente há menos casos do que há dois anos. Mas, na semana passada, passou-se a um outro nível de truculência. Abdullah Dagnoush, de 12 anos, que havia sido sequestrado dois meses antes em frente à sua casa, no município de Wirshiffana, 30 quilômetros a oeste de Trípoli, apareceu pendurado em uma árvore. Seu pai não conseguiu juntar o resgate exigido, que era de 500.000 dinares (1,42 milhão de reais, pelo câmbio oficial). Os sequestradores torturaram o menino, mataram-no e o penduraram como aviso aos navegantes.

A espanhola Carmen López (nome fictício) chegou a Trípoli com 24 anos, e hoje tem 57. Trabalhava no setor turístico durante a ditadura de Muamar Gadafi e atualmente é professora de idiomas. “Tenho um aluno cujo primo foi sequestrado. O carro do meu marido foi roubado à mão armada, em plena rua, e ninguém fez nada para identificar os criminosos. Quanto ao Estado Islâmico, a pergunta que todos se fazem aqui é quem os trouxe e por que estas tropas que controlam a cidade não os combateram.”

Há em Trípoli três milícias que controlam a cidade: a de Haithem al Tajouri, na zona leste, a Ghinawa, na zona sul, e a Al Raddah. Esta última, que tem um chefe de comunicação, destaca-se sobretudo na região do aeroporto e na luta contra as drogas e o EI. Em questão de armas e homens, é possível que a brigada de Al Tajouri seja a mais poderosa. “Mas o poder de uma brigada é ter as pessoas ao seu lado”, diz o arquiteto Samer Lagha, de 28 anos. “E as pessoas estão com a Raddah”.

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A Raddah é a brigada mais bem organizada. E a cabeça do seu líder, o salafista Abdulrauf Kara, é a mais cobiçada pelo EI. O grupo islâmico já tentou matá-lo com um carro-bomba contra a sede da brigada nos arredores do aeroporto. A Raddah mantém uma prisão com detentos do Estado Islâmico, e esses jihadistas acusam a milícia de usar a tortura. A brigada de Kara de vez em quando publica vídeos nas redes sociais nos quais aparecerem invadindo casas do EI em Trípoli e prendendo seus membros.

“Se não fosse por Kara e sua brigada eu não poderia abrir a porta desta loja”, diz o comerciante Salah Ambaga, dono de um estabelecimento que compra e vende ouro na Cidade Velha de Trípoli. “Alguns dizem que eles são parte do EI, mas isso é falso. Em Trípoli é possível ver mulheres dirigindo e fumando”, afirma.

Ambaga e seu irmão mostram um cofre com um metro de altura, repleto de cédulas de dinheiro e com um lingote de ouro. “Aqui não há medo de que me assaltem. E aí ao lado, onde vendem dólares e euros, você pode ver os dinares em sacos pelas ruas. E ninguém rouba.” De fato, na parte antiga da capital líbia se veem até 30 homens negociando preços. Há dois anos, um dólar comprava 1,80 dinar, ao passo que agora custa 4 – mais que o dobro. Há todo um mercado negro de divisas, perfeitamente tolerado pelas autoridades. Alguns acreditam que os grandes beneficiados com essa atividade são algumas milícias e os políticos.

Ambaga e seu amigo Lagha, o arquiteto, argumentam que a segurança não é tão problemática quanto era há três anos. As maiores preocupações das pessoas hoje são a incerteza econômica, a inflação e a possível presença de partidários de Gadafi num Governo de unidade nacional.

Mas a insegurança física e econômica está minando a confiança dos líbios. “Muitos ricos foram embora do país”, diz um jornalista líbio que prefere manter o anonimato. “Não há sigilo bancário para ninguém. As tropas têm gente nos bancos para lhes passar informações sobre as contas das pessoas. Pagando um bancário você obtém qualquer informação disponível.”

“Na Cidade Velha, a situação permaneceu mais ou menos igual nos últimos cinco anos”, acrescenta Carmen López. “É uma área de passagem, e é do interesse de todas essas máfias das brigadas mantê-la tranquila. A classe comerciante, além disso, está com a Irmandade Muçulmana, que governa Trípoli. Mas a Líbia não é a Cidade Velha. Tem gente que vive nos subúrbios de Trípoli e não pode voltar para casa à noite. E ninguém mais se manifesta na praça Verde, que agora se chama praça dos Mártires. E não se manifestam porque sabem que suas vidas e a dos seus familiares correm riscos”.

“A liberdade de expressão que havia no primeiro e segundo ano da revolução desapareceu”, acrescenta a espanhola. “Agora há medo e uma sensação de fracasso. Com relação à saúde, faltam muitos remédios nos hospitais. Quanto às mulheres, em dois anos o Governo islâmico conseguiu implantar sua ideologia. Acredito que eu seja a única na Líbia que não usa lenço na cabeça. As crianças na escola ficam me olhando como se eu fosse um bicho raro”, continua.

Entretanto, é nesta cidade – repleta de policiais com fardas diferentes e ameaçada pelo EI – que cedo ou tarde um eventual Governo de unidade precisará se instalar. E, para isso, será necessário convencer, entre outros, as três grandes brigadas de Trípoli. “Uma só não bastaria”, especula Samer Lagha. “Nem sequer Abdulrauf Kara poderia garantir a segurança de um Governo de unidade se antes não houver uma negociação com as outras duas tropas.” Como em qualquer negociação, para que se instale um Governo de unidade alguém em Trípoli terá de ceder poderes, armas ou dinheiro. E, por enquanto, ninguém parece disposto a renunciar a nada.

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