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Os bombeiros do zika vírus

Quinze especialistas da OPS trabalham para enfrentar a expansão do vírus nas Américas

Silvia Ayuso
Agente de saúde fumiga na última terça-feira um cemitério dos arredores de Lima para evitar a propagação da dengue, do Chikungunya e do zika.
Agente de saúde fumiga na última terça-feira um cemitério dos arredores de Lima para evitar a propagação da dengue, do Chikungunya e do zika.Martín Mejía (AP)

Ver rostos cansados e tensos é algo que se tornou normal nos últimos dias na sede da Organização Pan-americana de Saúde (OPS), em Washington, onde o zika vírus disparou todos os alarmes e concentra grande parte dos esforços de seus especialistas. Faz duas semanas que a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou estado de emergência global devido ao aumento dos casos de microcefalia e outros distúrbios neurológicos possivelmente associados ao zika. Mas a OPS, seu braço norte-americano, já vem há nove meses monitorando a situação na região, que é a mais afetada por esse vírus, que ainda apresenta muitas incógnitas. O centro nevrálgico da reação do organismo à nova ameaça epidemiológica é o Centro de Operações de Emergência, o COE, uma espécie de gabinete de crise instalado no coração da sede da OPS. Ali, quinze especialistas coordenam a informação e a resposta a ser dada diante da nova situação emergencial na saúde.

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“Somos como bombeiros”, explica Sylvain Aldighieri. O epidemiologista foi nomeado em novembro chefe da equipe de especialistas, embora prefira ser chamado apenas de “comandante”, como ele diz, brincando, com um sorriso cansado. Afinal, faz 15 dias que esse especialista praticamente não sai da sala instalada no simbólico edifício cilíndrico da OPS, uma joia arquitetônica dos anos sessenta que se destaca em meio aos edifícios da vizinhança.

O COE baseia sua atuação no Sistema de Comando de Ocorrências criado nos anos setenta pelos bombeiros da Califórnia para coordenar uma resposta rápida diante dos incêndios gigantescos com diversos focos simultâneos que costumam ocorrer naquele Estado. Sob esse Sistema, quinze responsáveis de diferentes áreas — de epidemiologistas a médicos clínicos, passando por especialistas em logística, saúde pública e controle de vetores — coordenam e articulam as atividades da reação emergencial. São eles que decidem quanto ao envio de especialistas a outros países e se asseguram de que se disponha dos recursos necessários. Colaboram, também, na coordenação das tarefas locais de prevenção e na preparação de atendimento de emergências médicas que possam aparecer, desde a microcefalia até a síndrome de Guillain-Barré.

“Somos os gerentes de uma resposta intensa em nível nacional”, resume Aldighieri. Por trás dessa explicação simplificada se esconde uma tarefa bastante complicada. O “comandante” conversa com sua equipe quase todos os dias. A reunião do grupo de ocorrências pode durar horas. Não se trata da primeira emergência enfrentada por esse centro especializado. O gabinete de crise já foi ativado para enfrentar a crise do Ebola, e a região tem experiência em emergências como a do H1N1 e o cólera no Haiti.

Há, no entanto, uma diferença fundamental entre essas crises e a atual: o pouco conhecimento que se tem do zika e de suas consequências, ou da relação de causalidade, como dizem os cientistas, entre esse vírus e a microcefalia. “O zika é novo, e doenças novas podem causar medo, sobretudo quando atingem os mais vulneráveis”, admitiu na semana passada o diretor do Centro de Controle de Enfermidades (CDC), Tom Frieden.

“Falar de crianças com cabecinhas pequenas é uma coisa muito trágica. Existe esse componente emocional muito forte e de percepção do público, e isso tem de ser levado em conta. É muito difícil justificar qualquer ausência de preocupação em relação a isso”, concorda Marcos Espinal, diretor do Departamento de Doenças Transmissíveis da OPS. Mas a organização internacional de saúde, comenta ele, “não reagiu por se tratar de uma coisa emocional, mas sim porque existem entre 3.000 e 4.000 casos de microcefalia registrados no Brasil. A instituição reagiu para se antecipar à curva e voltar as atenções para ela”, afirma. A declaração de emergência, diz ele, “ajuda muito para o fluxo de dinheiro, para a cooperação internacional, para compartilhar amostras e informações”.

Vários estudos novos têm surgido, parecendo confirmar a relação entre a microcefalia e o zika. Mas ainda faltam provas contundentes. E obtê-las não é nada fácil, pois a região onde ele se expande sofre também de muitas outras epidemias — os quatro tipos de dengue e o chikungunya, também transmitidos pelo mosquito aedes aegypti, o agente transmissor do zika — que acabam se mesclando umas às outras, confundindo, ao menos até agora, os dados.

“O vírus coloca para nós um grande desafio, pois temos lacunas em termos de conhecimento e de diagnóstico”, lamenta Aldighieri. “Nosso desafio é saber o que aconteceu no começo da gravidez. Por isso, uma das prioridades é desenvolver técnicas confiáveis para se dizer o que aconteceu e diferenciar os vírus de uma mesma família”.

Se a confirmação absoluta da existência de uma relação entre o zika e a microcefalia ainda pode levar meses para acontecer, a obtenção de uma vacina contra o vírus demorará ainda mais. A OPS manterá o seu gabinete de crise atuando em tempo integral no mínimo por mais três meses. Depois disso, será feita uma avaliação para se definir se ele se manterá ou se a etapa de apoio aos diversos países para que estejam aptos a enfrentar o mosquito e a reagir às dificuldades de saúde já estará cumprida. Até então, Aldighieri e sua equipe permanecerão o tempo todo muito próximos do gabinete de crise.

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