A vida dos socorristas, testemunhas da repressão policial em São Paulo
Acompanhamos um ato com os socorristas do Grupo de Apoio ao Protesto Popular
A manifestação do Movimento Passe Livre corria para o fim e tudo indicava que terminaria pacífica, sem ocorrências além de uma chuva que acompanhou a marcha desde o princípio. “Com a chuva é melhor, porque o gás lacrimogêneo que a polícia joga baixa mais rápido”, alertava Alexandre Morgado, um dos fundadores do Grupo de Apoio ao Protesto Popular (GAPP) no início do ato. A marcha era a primeira depois da terça-feira em que a Polícia Militar sufocara os manifestantes na avenida Paulista, impedindo-os de sair. Por isso, as expectativas não eram das mais otimistas.
Porém, o ato correu bem. O único atendimento que os socorristas do GAPP haviam realizado até então era um pé torcido, devido a um escorregão na chuva, na avenida Paulista. Tudo parecia terminar em paz, quando parte dos manifestantes decidiu tentar pular as catracas no metrô Consolação. A polícia foi acionada. Fecharam as entradas, vidros foram quebrados e bombas foram jogadas dentro da estação. Do lado de fora, os socorristas tentavam entrar após serem informados por jornalistas que conseguiram sair da estação que havia feridos lá embaixo. Mas foram impedidos pela PM.
Em meio à discussão entre socorristas e policiais - que não discutiam, apenas bloqueavam a entrada do metrô, um grito ecoou da rua Augusta. “GAPP! Tem gente ferida aqui em baixo”. Os socorristas correram. Um garoto com a cabeça ensanguentada esperava ajuda. O trabalho começava. Primeiro, acalmar a vítima. Na sequência, prestar os primeiros socorros: limpar a região ferida, enfaixar a cabeça, medir a pressão. “Aconselho você ir até o hospital para tirar um raio-X e verificar se está tudo bem”, disse Alexandre Morgado ao rapaz ferido por um estilhaço de bomba. Aquele foi o único atendimento do GAPP naquela noite. Mas nem todas as noites são iguais.
O Grupo de Apoio ao Protesto Popular foi criado em 2013, no auge das manifestações em São Paulo. “Eu nunca tinha pisado em uma manifestação antes”, conta Morgado. “Trabalhava na Paulista e desci para ver o que estava acontecendo. Tinha uma senhora ferida na perna por estilhaço de bomba esperando pela ambulância, que demorou mais de 50 minutos pra chegar”, diz. “Percebemos que o Estado estava ferindo as pessoas”. Naquele momento surgia a ideia de fazer algo por essas pessoas feridas.
O GAPP nasceu com seis socorristas. Hoje são 13, mas apenas dois são da formação original. Desde 2013, já atenderam 140 vítimas sérias, aquelas que são encaminhadas ao hospital após os primeiros socorros na rua. Nessa conta, entram os próprios socorristas: seis deles já foram hospitalizados. “Uma das socorristas teve o braço quebrado pela Tropa de Choque”, conta Morgado. “Outro, levou 12 pontos na cabeça”. Alguns desistiram porque ficaram realmente assustados com a violência da polícia.
Já os casos de vítimas mais leves, que não chegam a ir ao hospital, são incontáveis. Normalmente estão intoxicadas pelo gás lacrimogêneo ou spray de pimenta. Ou levaram golpes de cassetetes. Quanto maior é a repressão da polícia, mais o GAPP terá trabalho nas ruas. Morgado lembra do dia mais violento de atuação do grupo, durante as manifestações contra a Copa do Mundo de 2014. "Foi no dia 12 de junho de 2014, a abertura da Copa", diz. “Naquele dia, foram 37 atendimentos graves”.
A maioria dos ferimentos, segundo o GAPP, são causados por estilhaços de bombas e cassetetes. “A polícia joga a bomba já sabendo que vai estilhaçar”, diz Morgado. Com a experiência nos protestos de rua, ele diz que dá para perceber alguns sinais que a polícia emite instantes antes da repressão começar. “Sempre tem uma movimentação da PM que vai além de apenas acompanhar o ato”, diz. “A presença da cavalaria e do Batalhão de Choque, que começa a dar batidas secas no escudo [um sinal usado desde as repressões durante a ditadura militar] são notáveis. O ar fica meio abafado, porque a polícia envelopa o ato”, diz, se referindo aos cordões de policiais formados dos dois lados e nas pontas da marcha, cercando os manifestantes.
Onde os socorristas atuam
No GAPP, todos são voluntários. Os materiais de primeiros socorros, que incluem talas, gaze, faixas, luva cirúrgica e medidor de pressão são bancados pelos próprios socorristas. Fora do voluntariado, metade do grupo trabalha na área da saúde. A outra metade tem as mais diferentes profissões. Por serem voluntários, acabam tendo que escolher a quais protestos irão. "Temos uma carga limitada de atuações e por isso priorizamos as manifestações que a gente acredita", diz Morgado. "Hoje não enxergamos isso nos movimentos de direita, por exemplo. E por definição, não vamos aos protestos que pedem a volta da ditadura ou a intervenção militar"
Dos atos organizados no ano passado pelos movimentos pró-impeachment, o GAPP só esteve no primeiro, dia 15 de março. “Fomos à primeira manifestação do impeachment e panfletamos um material bem legal – o Guia do impeachment. Foi super bem aceito e compartilhado”, diz Morgado. “Mas não sentimos necessidade de estar naquele ato até porque a PM não vai reprimir”.
Pequeno manual do manifestante
Algumas dicas do GAPP para quem quer ir às manifestações:
1. Antes do ato: se alimentar e se hidratar bem. O esforço da caminhada pode gerar episódios de hipoglicemia em pessoas não alimentadas. Sugerimos também levar uma garrafinha de água.
2. Como vestir-se: calça comprida (tecido resistente como jeans é preferência) e sapato fechado.
3. Caso queira proteção extra: óculos de proteção e máscaras de gás (modelo contra vapores ácidos) são facilmente encontrados em lojas de equipamentos de proteção individual. Capacetes sugeridos são de esportes como skate e patins, que cobrem também lateral e nuca.
4. Como a PM ataca varia muito, mas há sinais para observar e se preparar. Observe se o Choque ou a "Tropa do Braço" estão entrando em formação, se empunharam escudos e cassetete de forma ordenada.
5. Rotas de fuga: observe o entorno, há uma rua, praça ou local protegido que seriam bons lugares para procurar abrigo?
6. Evite correr. A fuga desordenada é motivo de quedas e ferimentos. Ande rapidamente, de preferência rente à parede e longe do meio da rua, onde as bombas costumam ser jogadas.
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