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“O Estado argentino foi tomado de assalto nos últimos tempos”

Para Jorge Triaca, país precisa de "postos de trabalho com economia sadia, não artificial e subsidiada"

O ministro argentino do Trabalho, Jorge Triaca, em seu escritório durante a entrevista.
O ministro argentino do Trabalho, Jorge Triaca, em seu escritório durante a entrevista.Ricardo Ceppi

Jorge Triaca (Buenos Aires, 1974) é o rosto amável do Governo de Mauricio Macri, eleito presidente da Argentina em novembro do ano passado. Filho e neto de sindicalistas, seu pai chegou a ser, como ele, ministro do Trabalho, na época de Carlos Menem. Triaca, por esse contato histórico com o mundo sindical, tem a função de suavizar as posições e negociar para conseguir o mais difícil: baixar a inflação e conseguir uma contenção salarial sem que isso cause um problema social.

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Pergunta. Como vive com manifestantes e bombas todos os dias na porta de seu ministério?

Resposta: Essa é a cultura da Argentina. Nós precisamos nos acostumar de que antes do protesto deve vir o diálogo. Somos de uma Argentina onde isso não existia, havia amigos e inimigos, em quase todos os setores. Nós queremos reconstruir a possibilidade de trabalhar acordos. É uma forte mudança cultural. A mudança vai sendo notada especialmente em alguns setores que estão perdendo privilégios.

P. A Administração, segundo comentários, realizou pelo menos 10.000 demissões nas primeiras semanas. O desemprego vai aumentar com Macri?

R. Não temos esses dados. Cada ministério está realizando suas avaliações. Detectamos que nos últimos tempos o Estado foi tomado de assalto, pessoas foram colocadas em diversos cargos sem uma função específica, às vezes com recursos ilimitados, sem levar os orçamentos em consideração. Estamos revisando tudo.

P. Existem denúncias de que o perfil no Facebook dos funcionários é verificado para saber se são kirchneristas. Como se sabe se alguém é um funcionário fantasma [só aparece para receber, mas não trabalha]?

R. As funções designadas são verificadas, o tempo que se leva para realizá-las, a suposta tarefa é revista...

P. As demissões também estão ocorrendo no setor privado. Algumas empresas resistiram até a mudança de Governo e aproveitam agora para demitir?

R. A Argentina está pouco a pouco se transformando em um país de muita oportunidade. Isso que você disse acontece em alguns setores que estavam em outro tipo de economia, subsidiada pelo Estado, superdimensionada.

P. Agora na porta estão os manifestantes de um grupo de veículos de comunicação, o 23, de Sergio Szpolski [ligado ao kirchnerismo]...

R. Outro setor em que vemos claramente essa realidade dos subsídios é o da comunicação. Devolver a pauta publicitária a um sistema normal, que respeite a proporcionalidade da difusão, com regras de jogo claras, faz com que muitas empresas que encontravam benefícios por sua proximidade ao Governo os percam.

P. Tudo isso não irá provocar um aumento do desemprego nos primeiros meses de Macri?

R. Não, acreditamos que a mudança de expectativas econômicas irá causar o aumento do emprego privado. Existem alguns setores que já começaram a trabalhar nisso, como o agroindustrial. Mas existem outros setores com problemas, como o petrolífero. Estamos trabalhando para evitar demissões, é uma indústria estratégica, mas claro, é muito diferente produzir a 100 dólares (410,20 reais) o barril do que a 26 dólares (106,65 reais) como está agora. A realidade impõe algumas coisas. Obviamente não é bom saber que alguém foi demitido de seu trabalho, mas precisamos ficar muito mais contentes com a criação de postos de trabalho e de investimento produtivo para criar trabalho genuíno. Aí está nosso foco. Só vamos resolver os problemas da economia e da pobreza se gerarmos uma enorme quantidade de postos de trabalho com economia sadia, não artificial e subsidiada.

P. O kirchnerismo exibiu a redução do desemprego como grande conquista. Ocorrerá um aumento?

R. Não, acreditamos que ao acabar com as medidas restritivas do mercado cambiário colocamos em marcha energias muito positivas, especialmente no setor agroindustrial, sobretudo os exportadores, que são um motor muito forte. Esses setores movimentam muito as economias regionais. Quando a indústria vinícola avança, o tabaco, a fruta, a madeira, tudo começa a andar nessas regiões.

P. Teme que os sindicatos peronistas tentem derrubar Macri como fizeram com Alfonsín e De La Rúa?

R. Não, de maneira nenhuma. O Governo de Macri tem uma agenda política e social que vai resolver muitos dos problemas colocados pelos sindicatos nos últimos anos, como por exemplo a questão dos ganhos [o imposto pago pelos trabalhadores que ganham mais do que 15.000 pesos (4.460 reais) e que Macri prometeu reduzir muito] e a inflação. Nem tudo se resolve ao mesmo tempo, não existe uma fórmula mágica, e a transição gera conflitos, mas eu vejo uma maturidade da maioria dos dirigentes sindicais. E também do Governo. Optamos por escutá-los.

P. A inflação disparada não complica muito a negociação? Alguns estão pedindo aumentos de 35%.

R. Para nós não está disparada. Não vemos esses números. Ela acelerou em novembro-dezembro, mas em janeiro está em queda, da mesma forma que em setembro. Primeiro precisamos reordenar um sistema estatístico que gere confiança. Vai levar algum tempo.

P. Os salários argentinos estão altos?

R. Acredito que a Argentina tem muitas vantagens comparativas na preparação de seus recursos humanos. E alguns déficits, como o alto nível de conflito, o pouco cuidado da segurança jurídica. Precisamos resolver essa parte. O salário não é o principal problema argentino. É fazer com que a Argentina a cresça, e com mais produtividade o salário será maior.

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