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Argentina ameaça importar carne para baixar preços e controlar inflação

A alta dos preços de alimentos preocupa o Governo Macri, que pode adotar medidas drásticas

Açougue em Buenos Aires exibe preços de antes e depois do aumento.
Açougue em Buenos Aires exibe preços de antes e depois do aumento.ricardo ceppi
Carlos E. Cué

O Governo do presidente argentino Mauricio Macri está inquieto com a inflação, que ele não só não consegue controlar como também viu subir desde que assumiu o poder. “É a nossa principal preocupação”, afirmou o ministro da Fazenda, Alfonso Prat Gay, em um recente encontro com correspondentes estrangeiros. O Executivo está pressionando empresários para que contenham a escalada de preços. E, para conter a escalada de um item básico como a carne, especialmente inflacionada neste verão, decidiu agir e ameaçar com a abertura de importações do produto do Uruguai para forçar uma queda nos preços.

A importação da carne foi encerrada com os Governos de Néstor e Cristina Kirchner, e por isso os empresários locais não enfrentam concorrência. Uma abertura seria uma declaração de guerra com os produtores locais, mas está quase decidida.

A vice-presidenta do país, Gabriela Michetti, fui muito clara em um encontro com os jornalistas estrangeiros no Senado, na última quarta-feira: “Estamos considerando seriamente a abertura da importação de carne, porque é um dos produtos cujos preços mais dispararam. Houve negociações com o setor, mas o problema continua. Há muita preocupação no Governo. Decidimos não fazer um ajuste neoliberal que caia sobre a população, como os que já foram feitos em outros momentos na Argentina. Vamos fazer um regime gradual, e por isso estamos muito próximos da decisão de abrir a importação no que se refere à carne. Havia um acordo de não aumentar os preços, mas este não está sendo cumprido”.

Retomada da importação de carne seria uma declaração de guerra com o setor produtivo argentino, mas está quase decidida pelo Governo

A carne subiu 13% em dezembro, segundo medições realizadas em Buenos Aires. Foi o pior mês em dois anos. Trata-se de um um alimento básico em qualquer casa argentina. Neste país imenso (o oitavo maior do planeta) e com milhares de quilômetros quadrados de pradarias cheias de vacas, é inconcebível não ter carne em casa para receber a família aos domingos para o tradicional asado (nome em espanhol ao tradicional item do prato dos argentinos). No entanto, a carne já se tornou praticamente um artigo de luxo no país. A inflação disparada, ao redor de 30%, que se descontrolou em novembro e dezembro, está modificando os hábitos dos argentinos. Se antes o dono da casa sempre pagava pelo asado, hoje, no fim da refeição, cada convidado pergunta o preço para dividir os custos. Uma pessoa não pode assumir sozinha o custo de uma carne que custa quase 200 pesos (pouco mais de 61 reais), por quilo. Um asado simples para seis pessoas pode superar os 800 pesos (245 reais), uma quantidade considerável em um país onde o salário médio de um trabalhador não chega a 10.000 pesos (pouco mais de 3.000 reais), enquanto o mínimo é de 6.060 pesos (1.855 reais).

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Alinhado com Michetti, que neste momento exerce o papel de presidente porque Mauricio Macri está no Fórum Mundial de Davos, o ministro da Agricultura, Ricardo Buryaile, afirmou: “Não vamos permitir que haja escassez. Se alguém pedir autorização para importar, vamos dar”. O Governo acredita que o aumento do preço da carne se deve a um movimento de especulação dos empresários e não se justifica. “Sempre há abusivos, sempre há vivos”, respondeu Macri em uma entrevista ao EL PAÍS, quando perguntado se estava decepcionado com os empresários que aumentam os preços.

Michetti, que representa a face mais social do macrismo e é bem avaliada pela população, também defendeu sua medida de maior impacto: a demissão de 2.000 funcionários do Senado por terem sido contratados no último ano sem atribuições claras. Ela é presidente do Senado. “Estamos avaliando o que ocorre em toda a administração, mas o que acontecia no Senado era super selvagem. Dobraram o quadro em um ano. Não há precedentes no mundo. Há centenas de milhares de pessoas que entraram em toda a administração no último ano. Eles não são todos aproveitadores, pessoas que não trabalham e só aparecem para receber o salário no dia 29. Muitos têm vontade de trabalhar, mas não há tarefas para eles ou eles não têm qualificação. Não é um problema deles. A questão é que o Estado cobriu o déficit de empregos do setor privado, que não foram criados porque não havia crescimento. E esse não é o papel do Estado”, afirma.

“Trata-se de um assunto grave na Argentina. Não podemos fazer o ajuste de empregos públicos repentinamente. Mas é uma questão que precisa ser resolvida porque o Estado não funciona quando 95% do Orçamento servem para pagar salários. Os kirchneristas encheram a boca para defender o Estado, mas na realidade eles os destruíram”, diz Michetti, que conduz uma situação preocupante não só na administração central como também nas províncias. É justamente a necessidade de apoio de muitas regiões argentinas o que facilitará a tarefa legislativa de Macri e Michetti, que estão em minoria no Congresso – sobretudo no Senado – e buscarão o apoio dos governadores peronistas, que controlam seus senadores, em troca de ajuda financeira.

A alta da inflação está longe de ser um problema de exclusividade da Argentina. Na Venezuela, por exemplo, o índice supera 200%. Já o Brasil encerrou o ano de 2015 com a maior inflação em treze anos, também impulsionada pela subida do preço dos alimentos.

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