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Argentina admite déficit de 7%, o mais alto em 40 anos

“O lixo não foi produzido por nós, mas vamos limpá-lo”, diz ministro da Economia

Mauricio Macri, em Buenos Aires, na última terça-feira.
Mauricio Macri, em Buenos Aires, na última terça-feira.EFE
Carlos E. Cué

O Governo de Mauricio Macri tem como primeira tarefa, segundo insiste o presidente, elucidar todos os problemas deixados pelo kirchnerismo. A herança recebida pelos anos de gestão de Cristina Kirchner domina todos os discursos. A guerra com os fundos abutres é um dos desafios mais complexos. As negociações formais acabam de ter início em Nova York depois de dois anos de impasse total. Mas, antes disso, o Governo decidiu divulgar oficialmente os dados dessa herança, em especial o déficit público: 7%, “o maior dos últimos 40 anos”, segundo o ministro da Economia, Alfonso Prat Gay, que apresentou o número em detalhes nesta quarta-feira.

O déficit primário é, na verdade, de 5,8%, mas a equipe econômica de Macri somou a isso os compromissos assumidos nos últimos meses do Governo kirchnerista. Ao mesmo tempo, Macri está diminuindo os impostos, a um custo anual de 100 bilhões de pesos (cerca de 28 bilhões de reais), razão pela qual o ministro afirma que o objetivo de reduzir esse enorme déficit é de apenas um ponto percentual no primeiro ano do novo Governo (2016) e zerá-lo em quatro anos. Como se fará isso? O Governo insiste em afirmar que não haverá cortes em programas sociais, e anuncia que a fórmula inicial consistirá em eliminar os subsídios para eletricidade e gás “dos 30% mais ricos da sociedade”. Na Argentina, há subsídios globais para a energia, mas eliminá-los totalmente implicaria um disparo na inflação e uma queda no poder aquisitivo de uma parcela importante da sociedade.

Prat-Gay admite que o grande problema da Argentina é a inflação, que chegou até mesmo a aumentar com a chegada de Macri e já está em cerca de 30%. O Governo pressiona os empresários para que deixem de aumentar os preços e afirma que tem conseguido alguns avanços, embora haja um profundo mal-estar dentro do macrismo com o empresariado, que aplicou rapidamente grandes aumentos para garantir os seus resultados. Quem se aproxima de qualquer supermercado de Buenos Aires encontra preços até mais elevados do que na Europa no caso de produtos de baixa qualidade, já que ninguém parece conseguir conter essa escalada.

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É uma espécie de sina argentina, e Macri promete reduzi-la aos poucos até que chegue a 5% em 2019, algo que, neste momento, parece impensável. “Aquele que definir um preço acima da tabela que nós definimos para a inflação acaba se isolando, perde clientes, vende menos e pode ter menos empregados”, afirmou Prat-Gay, em um recado aos empresários e aos sindicatos, que agora terão de negociar os aumentos salariais deste ano.

O Governo definiu como meta para este ano uma inflação entre 20% e 25%. Trata-se de um sinal para que as negociações salariais considerem esse teto, mas já há sindicatos que estão falando em reajustas de 35% ou até 40%, algo impensável em outros países mas comum na Argentina nos últimos anos. O país acumula 8 anos com uma inflação acima de 20%, um caso quase único no mundo e que na América Latina só fica abaixo da Venezuela. No momento, o Governo de Macri atribui isso tudo –inclusive algumas demissões que estão em curso em empresas privadas– à herança recebida, mas esse combustível logo se esgotará.

Prat-Gay também comentou o início das negociações com os fundos abutres. O ministro explicou, com transparência, que este problema, que em princípio parecia pequeno –2,9 bilhões de dólares sobre uma dívida de 100 bilhões de dólares– e que o Governo dos Kirchner conseguiu renegociar, tornou-se um drama que bloqueia toda a economia argentina, já que ninguém se propõe a emprestar dinheiro para o país. “Isso faz parte da herança recebida. A Argentina está em default desde 2001. Esse problema precisa ser resolvido. O lixo não foi produzido por nós, mas não temos nenhum problema de limpá-lo. O fato de não se ter resolvido isso custou caro demais para a Argentina. Dos 2,9 bilhões, somando-se o me too (eu também), passamos a 9,8 bilhões. O fato de lavar as mãos nos custou 6 bilhões de dólares. Se somarmos a isso os fundos europeus, chegaremos a 10 bilhões de dólares. Vamos resolver tudo isso da forma mais rápida e justa possível”.

O problema, para Macri, é que qualquer acordo terá de passar pelo Congresso, onde ele não tem a maioria e onde há muita tensão em cima desse tema, que se tornou um dos eixos da política kirchnerista, que conseguiu desendividar a Argentina mas sem pagar os fundos abutres. Qualquer acordo será visto pelo kirchnerismo como uma cessão aos fundos abutres, embora Macri acredite que, nessas semanas, até que comecem as primeiras sessões parlamentares, em março, a oposição peronista se divida, como já tem acontecido, entre kirchneristas e peronistas mais moderados, com os quais talvez se possa contar para aprovar um acordo que ajude a solucionar o impasse.

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