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UE adverte que “risco político” na Espanha gera desconfiança

Bruxelas exigirá um doloroso ajuste fiscal adicional do próximo Governo espanhol

Jean-Claude Junker com o presidente Mariano Rajoy, em Madri em outubro de 2015. Uly MartínFoto: reuters_live
Claudi Pérez

Bruxelas exige “estabilidade” na Espanha desde a eleição de 20 de dezembro e vem mantendo uma excelente distância em relação ao complicado panorama político no país. O Poder Executivo da União Europeia já deixou claro que exigirá um doloroso ajuste fiscal adicional do próximo Governo, mas o dossiê Espanha-2016, a ser divulgado em fevereiro, analisando os graves desequilíbrios que ainda afetam a economia, é muito mais explícito e adverte sobre os “riscos políticos” no país. “As dificuldades para formar um Governo poderiam desacelerar a agenda de reformas e provocar uma perda de confiança e uma deterioração do sentimento do mercado”, diz, com excepcional contundência, o rascunho desse texto, ao qual o EL PAÍS teve acesso.

“Vulnerabilidade” é a palavra-chave do dossiê. Bruxelas constata que a economia se recupera e volta a gerar empregos, e que seus numerosos pontos frágeis melhoram paulatinamente. Mas salienta os “enormes desequilíbrios” que persistem, em particular os altos níveis de dívida – pública, privada e externa – e desemprego. “O país é vulnerável à volatilidade nos mercados”, resume o documento, cuja principal mensagem é que a economia espanhola começa a cicatrizar suas feridas depois do resgate de meados de 2012, mas ficaria exposta diante de uma nova crise. Esse novo episódio poderia decorrer do desgaste nos países emergentes e da periferia do euro, já que os bancos italianos estão em frangalhos e Portugal e Grécia enfrentam dificuldades – e ainda mais num ambiente de incerteza política na Espanha.

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O braço executivo da UE interfere pela primeira vez na política espanhola depois da inconclusiva eleição de dezembro. Bruxelas há um mês repete uma mensagem monocórdica: “A Espanha precisa de estabilidade política. Espero que esteja à altura”, disse dias atrás o presidente da Comissão, Jean-Claude Juncker. O relatório vai além, analisando os “riscos de queda” do crescimento em curto prazo: se cessarem os ventos favoráveis que empurram o PIB espanhol (as medidas do Banco Central Europeu, o desabamento do preço do petróleo), a Espanha ficaria “vulnerável” a um novo episódio de turbulências.

Dúvidas na Europa

A primeira fonte de vulnerabilidade é o legado da crise econômica, com um excesso de dívida que ainda não foi digerida e precisará ser refinanciada. Mas a fragilidade procede também dos “riscos políticos”: o dossiê expõe que as dificuldades para montar uma coalizão estável “podem provocar perda de confiança e uma deterioração do sentimento do mercado”.

As alusões aos mercados passaram meses desaparecidas em Bruxelas, desde que o BCE ativou seu bilionário programa de compra de ativos, há um ano, varrendo as últimas dúvidas dos investidores. Mas a Espanha não está a salvo se a confusão recomeçar: o Tesouro precisa emitir títulos num total de 400 bilhões de euros (1,78 trilhão de reais, quase 40% do PIB) ao longo de 2016.

Os cenários que se avizinham

C.P.

Antecipação eleitoral. O Governo do PP antecipou a apresentação dos Orçamentos por causa do calendário eleitoral na Espanha e recebeu outubro uma dura recriminação de Bruxelas. A Comissão vê "sérios riscos" de descumprir a meta de déficit em 2016 e exige "uma atualização" do projeto de contas públicas, a ser apresentado pelo próximo Executivo.

Que ajuste? O desvio do déficit de 2015 é de meio ponto percentual do PIB (um pouco mais de cinco bilhões de euros, ou 22,1 bilhão de reais), segundo Bruxelas, ou apenas três décimos, na opinião de Madri. A discrepância básica se centra no atual exercício: Bruxelas acredita que o buraco será de quase nove bilhões de euros, e por isso poderia pedir ajustes de meio ponto percentual do PIB.

O mico de Moscovici. O comissário (ministro) Pierre Moscovici antecipou em outubro a opinião negativa de Bruxelas, antes que esta fosse aprovada, e por isso foi admoestado por Juncker e sofreu críticas de Berlim.

Os riscos políticos que emanam das dificuldades para formar um novo Executivo “poderiam desacelerar a agenda de reformas”, acrescenta o estudo. A Comissão se mostra preocupada com a possibilidade de que os partidos de esquerda revertam a reforma trabalhista num momento em que o desemprego permanece acima de 20%, e a dualidade do mercado de trabalho apresenta cifras preocupantes. Essa mensagem coincide em linhas gerais com o que o Governo interino – e especialmente o ministro da Economia, Luis de Guindos – vem dizendo nos últimos dias.

Madri argumenta que a UE tem outras preocupações muito maiores que a Espanha. Desde as eleições, Guindos manteve diversos contatos com o comissário (ministro europeu) Pierre Moscovici, com o vice-presidente da Comissão, Valdis Dombrovskis, e com o presidente do BCE, Mario Draghi. Juncker falou também com Rajoy imediatamente depois das eleições. A Comissão – uma espécie de coalizão de centro-direita e centro-esquerda, com maior peso do Partido Popular europeu – preferiu manter distância desde então: o relatório, entretanto, diz por escrito o que já era um segredo a vozes. Pelo lado fiscal, a Espanha necessita de um ajuste do déficit que implicará um desafio para o Governo que chegar, qualquer que seja a sua coloração política. Igualmente, Bruxelas teme a revogação da reforma trabalhista e a paralisação da agenda reformista, em ponto morto depois dos dois primeiros anos de Rajoy. A Comissão “quer unir, não quer inflamar” a classe política espanhola, segundo uma alta fonte europeia questionada sobre as referências do relatório aos efeitos da instabilidade política. “Mas é claro que o novo Executivo não pode vir com um Orçamento que vá contra o semestre europeu, que reverter as reformas é perigoso, e que a dificuldade de formar um Governo não é uma boa notícia”, segundo essa fonte, que não vê claras as possíveis coalizões.

O rascunho do relatório – 90 páginas sobre a evolução recente da economia espanhola – “está sujeito a mudanças de última hora e à inclusão dos últimos dados”, segundo as fontes ouvidas. “Está sendo revisado com lupa”, acrescentam. O estudo inclui uma análise aprofundada dos desequilíbrios econômicos identificados no mecanismo de alerta e uma avaliação das recomendações da Comissão. Mas Bruxelas, além da economia, lança uma advertência explícita: a instabilidade política é um mau sinal para a confiança dos mercados. Ela pode descarrilar a agenda de reformas. Atrasa o necessário ajuste fiscal que o novo Governo terá de fazer, e pode ser vista como parte da possível agitação que está fermentando na zona do euro, seja por causa dos problemas na China e nos emergentes, ou por uma reedição dos problemas na Grécia, que precisa negociar uma reforma previdenciária, em Portugal, que acaba de apresentar um orçamento a ser analisado por Bruxelas, e que não solucionou seus problemas bancários, e sobretudo na Itália, que dá os primeiros sintomas de nervosismo pela alta inadimplência (17%) de seu sistema financeiro e um potencial ajuste nos bancos que poderia ter efeitos sobre os mercados da dívida.

“Draghi torna tudo muito mais fácil”, resume uma fonte europeia, citando as medidas extraordinárias que varreram as referências às sobretaxas associadas ao risco. “Mas, num momento em que volta a incerteza, o problema é que os países mais vulneráveis não têm instrumentos para enfrentar outra crise”, disse a mesma fonte. A Grécia está sob o guarda-chuva do fundo de resgate europeu, mas a Itália, Portugal e a Espanha não têm esse colchão de segurança.

Portugal e seu Governo como indicadores para a Espanha

C.P.

Em Bruxelas, Portugal é visto como uma espécie de indicador antecipado do que poderá acontecer na Espanha. Lá, como no caso espanhol, a centro-direita venceu as eleições sem formar maioria, e o social-democrata António Costa acabou formando um Executivo com a participação dos comunistas. Costa enviou recentemente o Orçamento a Bruxelas, com alguns cortes além dos inicialmente esboçados. Bruxelas, no entanto, poderia exigir ajustes adicionais.

O que a Comissão fizer com esse Orçamento servirá de aviso aos navegantes com relação à obrigatória atualização das contas espanholas. A Espanha não cumpriu a meta de déficit em toda a legislatura passada, e em 2016 provavelmente irá reincidir – a Comissão prevê um déficit de 3,6% do PIB, frente a uma meta de 2,8%, o que obrigaria a cortar em torno de nove bilhões de euros (40 bilhões de reais). Pode ser que essa cifra seja um pouco inferior, mas em princípio a Comissão não quer renegociar o déficit, menos ainda se a reforma trabalhista for revogada.

Portugal tem graves problemas em seus bancos, e uma economia que mal cresce, apesar da overdose de reformas. A Espanha está melhor, exceto por dois detalhes: o desemprego e o déficit serão os mais elevados da Europa neste ano. A dívida privada cai, mas beira 180% do PIB. A dívida pública assumiu esse protagonismo e alcança 100% do PIB. A Espanha melhorou sua balança comercial, mas precisaria de superávits externos elevados e constantes (algo pouco provável) para ganhar musculatura, com uma dívida externa ainda muito elevada, “que deixa a Espanha vulnerável a choques externos”, e uma dívida pública que é também “uma fonte de vulnerabilidade, apesar da oferta dos custos de financiamento”. Vulnerabilidade, enfim, é a palavra-chave de 2016: aparece 12 vezes no relatório.

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