A volta ao mundo dos abusos policiais contra as manifestações
Em meio a discussão sobre violência da PM, entenda como outros países enfrentam o mesmo problema
O Movimento Passe Livre (MPL) convocou um novo ato em São Paulo nesta quinta-feira, para às 17h, para protestar contra o aumento da tarifa do transporte público da cidade de 3,50 reais para 3,80. O clima é tenso antes mesmo da manifestação começar. Na última terça, a marcha nem chegou a sair quando a polícia iniciou o arremesso de bombas de gás lacrimogêneo na avenida Paulista em direção aos manifestantes. O argumento para a repressão policial foi o de que MPL não havia informado previamente o itinerário a seguir, algo que o grupo fez esta tarde — a polícia diz não ter recebido oficialmente.
Brasil, uma polícia herdada da ditadura
A reação dos agentes da Polícia Militar, as regras estabelecidas e as estratégias adotadas dependem, no Brasil, dos objetivos políticos dos Governos dos Estados. "A PM leva a culpa pela truculência, mas existe uma cadeia de comando. E o governador é o comandante-chefe", diz Martim Sampaio, coordenador de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Assim, há dois tipos de reações da PM, corpo militarizado já criticado por ter herdado práticas consideradas abusivas da ditadura, nos últimos tempos. Em atos dos garis no Rio de Janeiro, de cidadãos pró ou anti-impeachment em São Paulo, ou até de pequenos grupos que pedem a volta da ditadura militar, a PM foi flexível em suas exigências e apenas acompanhou os protestos, cercou as ruas para diminuir os transtornos no trânsito e garantiu a liberdade de manifestação. Já outros atos, como o dos professores no Paraná, dos estudantes secundarista em São Paulo ou contra o aumento do preço das passagens de ônibus (nenhuma delas avisadas previamente às autoridades), se chocaram diretamente contra interesses políticos. Nessas ocasiões, a resposta da PM veio através de uma chuva de bombas de gás e balas de borracha, agressões com cassetetes e uma série de detenções.
E pouco importa se o manifestante faz parte do pequeno grupo que de fato busca o confronto com os policiais, como os black blocs, adeptos da violência e da destruição de patrimônio, ou se faz parte da grande massa pacífica. Todos são afetados pela violência policial. "A prioridade deve ser garantir o direito ao protesto pacífico. Não devemos abrir mão do direito à manifestação e do valor da não-violência", explica Atila Roque, diretor da ONG Anistia Internacional no Brasil. "Mas ao invés de usar força gradativa, proporcional e inteligente [contra grupos minoritários que buscam o confronto], o Estado acaba ele próprio estimulando a violência. É como jogar álcool no fogo".
Nos últimos dias, com os atos organizados pelo Movimento Passe Livre, a Secretaria de Segurança Pública vem se baseando na Constituição Federal para justificar a crescente repressão, evocando o artigo que fala sobre a necessidade de avisar previamente sobre o protesto e exigindo que o itinerário seja apresentando previamente. Esta interpretação da Carta vem gerando divergência entre vários especialistas. "Isso pode estar na mesa de negociação, mas não pode ser uma exigência. O principio fundamental é o direito a livre manifestação", opina Roque, da Anistia. Já o jurista Ives Gandra Martins tem uma opinião distinta: "Em países como Inglaterra e Estados Unidos, os manifestantes dizem onde vai ser, a polícia dá garantias para o ato, e os cidadãos que têm que ir para sua casa não são prejudicados", afirmou a Folha de S. Paulo.
Alemanha, o berço dos black blocs
Luis Doncel | Berlim
A habitualmente pacata cidade de Frankfurt revelou em março do ano passado a virulência com que manifestantes e policiais podem se enfrentar na Alemanha. A inauguração da nova sede do Banco Central Europeu na capital financeira do país terminou com mais de 350 detidos e 35 feridos (14 policiais e 21 ativistas). O protesto que reuniu milhares de ativistas do movimento Blockocupy acabou em violência por parte de uma minoria que atirou pedras, instalou barricadas e bloqueou ruas com caçambas de lixo e carros em chamas. Entre os violentos havia encapuzados do grupo black blocs, um movimento que nasceu na Alemanha no final dos anos setenta, em meio às manifestações de ecologistas e pacifistas.
Os incidentes de Frankfurt são a amostra mais recente das tensões que às vezes surgem entre o direito de manifestação, protegido pela Constituição alemã, e a atuação policial. Naquela ocasião, alguns ativistas recriminaram os agentes por terem recebido manifestantes pacíficos com bombas de gás lacrimogêneo. Mas as forças de segurança também recebem às vezes a acusação de ser omissa. É o que ocorreu no último Réveillon em Colônia, quando cerca de 1.000 homens, a maioria de aparência árabe e norte-africana, agrediu ou roubou centenas de mulheres.
Protesto pacífico e liberdade de expressão, mantras nos EUA
Joan Faus | Washington
O direito ao protesto pacífico e à liberdade de expressão são um mantra nos Estado Unidos e estão garantidos pela Constituição. Aqui, não é ilegal — e isso ocorre — que grupos neonazistas se manifestem em frente ao Capitólio em Washington. Ao mesmo tempo, há universidades que limitam todo ativismo a uma zona específica do campus. As manifestações em massa não são habituais, mas ocorrem diversos pequenos protestos: por exemplo, a cada dia há algum ativista em frente à Casa Branca.
Assim como as manifestações em massa não são habituais nos EUA nos dias de hoje, também não é usual que essas sejam repelidas com brutalidade pela polícia. Quando isso ocorre é insólito, e propícia debates no país todo. O exemplo mais recente de repressão policial a manifestações são os protestos de agosto de 2014 em Ferguson, St. Louis, pela morte de um jovem negro desarmado por disparos da polícia. Os agentes locais utilizaram bombas de gás lacrimogêneo e equipamento militar para controlar os manifestantes, em uma exibição que recebeu duras críticas, forçando o Governo de Barack Obama a limitar a entrega de material militar à polícia local.
México: a sombra da repressão ao movimento estudantil de 1968
Luis Pablo Beauregard | Cidade do México
As manifestações no México ocorrem ainda hoje à sombra da brutal repressão ao protesto estudantil de 1968 no bairro de Tlatelolco, na zona norte da Cidade do México. Naquela ocasião, o Governo mobilizou um batalhão militar à paisana para se infiltrar em uma manifestação pacífica do Conselho Geral de Greve. A polícia e o Exército entenderam que os estudantes eram os agressores e começaram a disparar, deixando dezenas de mortos e mais de 1.000 detidos. Não foi a última repressão violenta por parte do Estado mexicano, mas o fantasma de Tlatelolco marca desde então os movimentos civis que saem à rua para protestar.
O medo de que uma matança se repita tornou as autoridades mais tolerantes. O Exército já não sai mais às ruas para vigiar manifestações. A polícia reage quando os manifestantes buscam confronto, algo cada vez mais frequente. Os piores casos se deram no interior do país, onde os governadores locais costumam ter menos contrapesos e exercem seu poder com mais violência. Assim ocorreu em 2006 em manifestações em Oaxaca (oeste) e Estado do México (centro). O então governador do Estado do México, Enrique Peña Nieto, hoje presidente do país, mobilizou a polícia para reprimir um grupo de manifestantes que se opunha à construção de um aeroporto. Houve mais de 200 detidos. A Comissão Nacional de Direitos Humanos apontou graves violações de direitos humanos nessa operação.
Na Argentina, a virada de Macri à repressão
A repressão é um tema bastante sensível na Argentina. Em dezembro de 2001, as imagens de milhares de pessoas atacando bancos e se aproximando da Casa Rosada, enquanto a polícia atirava sobre elas, marcaram toda uma época. Morreram 28 pessoas, e o presidente Fernando de La Rúa fugiu de helicóptero. Os Kirchner, que chegaram ao poder em 2003, prometeram que nunca mais haveria repressão. Desde então, ela desapareceu. Em Buenos Aires, um grupo pequeno de pessoas pode interromper o tráfego, pois a polícia tem — ou tinha, até o momento — ordem estritas de não usar violência.
O Governo Mauricio Macri deu uma virada nessa orientação, embora com muita cautela. Na semana passada, ocorreu pela primeira vez em 15 anos uma repressão violenta com balas de borracha contra um grupo de 200 trabalhadores demitidos da prefeitura de La Plata, capital da província de Buenos Aires, agora sob controle macrista. Houve 12 feridos, entre eles uma mulher atingida por 9 balas de borracha nas costas, que sangravam, e que foi capa do jornal Página 12, próximo do kirchnerismo.
As imagens tiveram um forte impacto. Os apoiadores de Macri afirmaram que será feita uma investigação e que não houve nenhuma determinação para a polícia agir dessa maneira. Macri quer distância desse tipo de problemas, mas fontes do Governo admitem ser provável que nos próximos meses venham a ocorrer situações delicadas.
O novo Executivo será muito mais duro com aqueles que forem às ruas. Mesmo assim, as imagens que se veem todos os dias no Brasil, de policiais a cavalo reprimindo as pessoas, ainda têm um custo político alto demais na Argentina, marcada fortemente, em todos os sentidos, pela crise de 2001.
ESMAD, o terror dos protestos na Colômbia
Sally Palomino | Bogotá
Em 22 de setembro de 2005, Johnny Silva Aranguren, um estudante de Química de 21 anos, morreu com um tiro no meio de manifestações na Universidade del Valle, na região oeste da Colômbia. Três anos depois, a Promotoria apontou o Esquadrão Móvel Anti-distúrbios (ESMAD) como responsável pela sua morte. Embora as investigações ainda estejam em curso e não haja nenhum detido, o caso trouxe à tona a maneira como essa unidade da Polícia Nacional pode cometer excessos.
Essa não foi a primeira nem a última vez que se registraram queixas contra o uso abusivo da força pelo ESMAD. Já houve forte questionamento quanto ao excesso de poder que lhe é conferido pelo Código da Polícia, que prevê uma escala gradual para o uso da força, permite o uso das bombas de fumaça, gás de pimenta, mangueiras d’água e armas não letais. Além disso, tem a prerrogativa de usar dispositivos elétricos (Taser), que paralisam a pessoa por meio de um bloqueio no sistema nervoso a partir de descargas elétricas de até 400 volts. Ainda que a finalidade seja a segurança da população, em algumas ocasiões foi-se além dela.
Protestos na Grécia: força policial contra vândalos urbanos
María Antonia Sánchez-Vallejo
Durante mais de cinco anos, desde a adoção das primeiras medidas em 2010, os gregos saíram seguidamente às ruas em protestos contra os cortes do Governo. Essas manifestações não foram isentas de enfrentamentos e episódios violentos, de tal maneira que a presença das forças anti-distúrbios chegou a fazer parte da paisagem urbana no dia a dia. À medida que os ajustes econômicos se multiplicavam, proliferaram as manifestações e também as críticas às forças de segurança por causa de atuações arbitrárias, abuso de autoridade e, em alguns casos, maus tratos a presos, que chegaram a ser centenas por semana. Para complicar a situação, a atuação de grupos de mascarados, com métodos de guerrilha urbana, alimentou enormemente a intensidade da reação da polícia. No primeiro semestre de 2010, o ataque de alguns mascarados a uma agência bancária durante um dia de greve geral provocou a morte de três pessoas, sendo uma delas uma mulher grávida.
Todo esse panorama se alterou radicalmente em janeiro de 2015 com a chegada ao poder do partido de esquerda Syriza. Como primeira medida, foram retirados os tapumes que protegiam o edifício do Parlamento. Durante quase oito meses (até a assinatura do terceiro resgate financeiro), a presença policial praticamente desapareceu das concentrações; hoje em dia, pode-se notá-la, mas de forma bem menos intensa do que antes.
Indignação nos protestos da Espanha
Raquel Seco | São Paulo
Os protestos do Movimento 15M (Indignados) na Espanha começaram em maio de 2011 sem líderes, sem estrutura e com uma ampla gama de reivindicações: renovação política, luta contra a precariedade no trabalho e suspensão dos despejos provocados pelo fim da bolha imobiliária.
As mobilizações foram majoritariamente pacíficas, mas a ação da polícia foi muitas vezes dura e desproporcionada, especialmente para destruir os acampamentos que ocuparam praças durante semanas em Madri e Barcelona. Muitas vezes as marchas terminavam com dezenas de feridos, e a Anistia Internacional denunciou o “uso excessivo da força” por parte da polícia. Em Barcelona houve muita repercussão a brutal destruição do acampamento de manifestantes da Praça da Catalunha em 2011, que terminou com 121 feridos (37 deles policiais). O vídeo reacendeu os protestos no resto da Espanha e a cúpula da polícia teve de responder perante a justiça. Finalmente, apenas um subinspetor foi condenado a pagar 210 euros (cerca de 910 reais) por bater num manifestante.
A violência policial na Espanha voltou a causar escândalo em 2012 durante uma greve geral, em que uma mulher perdeu um olho ao ser atingida por uma bala de borracha disparada pela tropa de choque. Foi o décimo incidente desse tipo em cinco anos na Catalunha e a comunidade autônoma acabou proibindo esse tipo de munição.
A Lei de Segurança Pública entrou em vigor na Espanha em julho de 2015 com a intenção de “proteger as manifestações das pessoas violentas”, segundo o conservador Partido Popular, no Governo. A oposição e os movimentos sociais a chamam de “lei da mordaça” e advertem que cria um “estado policial”. A norma pune, entre outras coisas, os protestos pacíficos e os sit- ins, a suspensão dos despejos, os protestos diante da Câmara e do Senado e as fotografias ou gravações de policiais com multas de 100 a 600.000 euros. A lei dá mais instrumentos às forças de segurança para revistas e impor multas sem prévia intervenção judicial.
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