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‘Plata o plomo’ de Plabo Escobar, o dia a dia de um prefeito mexicano

Políticos como a prefeita de Temixco, assassinada no sábado, têm duas relações possíveis com o narcotráfico: sócios ou inimigos

David Marcial Pérez

Cada vez que entoa alto os versos “Y llevas en tu alma /la virginal pureza”, ele aperta forte com os dedos o terceiro botão da sua camisa negra, e as veias do seu pescoço se inflam como duas mangueiras. Mauricio Vargas Mota e sua banda do estilo sinaloense estão cantando o velho bolero mexicano Perfume de Gardenias, enquanto do outro lado de um montinho de areia os coveiros enterram a prima dele. Um grupo de encapuzados invadiu a casa dela no dia 2, sábado, e, na frente da sua família, a assassinaram com quatro tiros na cabeça. Gisela Mota Ocampo, de 33 anos, era a nova prefeita de Temixco. Passou apenas um dia no cargo.

Funeral da prefeita assassinada no México, neste domingo.
Funeral da prefeita assassinada no México, neste domingo.SAÚL RUIZ

“O ano não começou bem”, diz um morador que leva um crucifixo de prata no pescoço e sapatos manchados pelo pó do cemitério deste pequeno município – 98.000 habitantes – do Estado de Morelos, no centro do país. No ano novo, a cidade já amanhecera com duas macabras premonições. Um cadáver em uma vala no campo, e outro corpo esquartejado em uma estrada.

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A investigação do assassinato da prefeita, enterrada neste domingo entre vivas dos seus concidadãos, traça um triângulo entre essas mortes recentes. A promotoria de Morelos já deteve três pessoas, supostamente integrantes do cartel Los Rojos, um dos grupos mafiosos mais violentos na sua tentativa de impor a lei da plata o plomo (dinheiro ou bala) nesta região. As autoridades apontam esse grupo oriundo do vizinho Estado de Guerrero como responsável pelo homicídio da jovem prefeita do PRD (a esquerda mexicana), que em seu discurso de posse lançou uma mensagem veemente contra as extorsões e sequestros, dois dos principais cânceres de Temixco e de todo o Estado. “Ela era muito boa. Estava tão limpa que não queria nem guarda-costas. Dizia que não queria que outros morressem por ela”, acrescenta o homem do crucifixo, que prefere não dar seu nome porque “aqui todos murmuram”.

Por ficar perto da capital mexicana e ter um bom clima, Morelos – 1,7 milhão de habitantes – é considerado uma zona residencial para as classes acomodadas do Distrito Federal. Mas sua proximidade com pontos quentes como Guerrero, Estado do México e Michoacán provocou nos últimos anos a chegada das grandes quadrilhas. Em 2009, a Marinha abateu a tiros o então dirigente máximo do cartel de Sinaloa, Arturo Beltrán Leyva, numa mansão de Cuernavaca, a capital estadual. Em 2013, Morelos registrou a maior taxa de sequestros do México, 8,5 casos a cada 100.000 habitantes. As cifras vêm caindo, mas no ano passado o Estado ainda ocupava o segundo lugar tanto em sequestros como em extorsões, ao que se soma a violência de gênero, motivo de um alerta lançado em agosto.

Perante a explosão da criminalidade em seu território, o governador Graco Ramírez, também do PRD, decidiu em 2014 adotar o chamado Comando Único, que consiste em colocar todas as forças policiais sob o mesmo guarda-chuva estatal, numa tentativa de neutralizar a penetração das máfias nas instituições locais, as mais vulneráveis ao poder corrosivo do narcotráfico.

A operação policial de sábado à tarde, que além de resultar em três prisões terminou com dois suspeitos mortos, está sendo chefiada pelo secretário estadual de Segurança Pública, Alberto Capella. Chefe de polícia em Tijuana durante os piores anos da guerra contra o tráfico na fronteira com os Estados Unidos, ele é agora o encarregado de aglutinar sob o seu poder as 33 polícias municipais de Morelos e de vencer as resistências dos prefeitos que não querem perder o poder que ter uma polícia própria significa.

“Em Morelos há uma crise política mais do que de delinquência. Alguns prefeitos querem debilitar o Comando Único, e isso está permitindo que o tráfico faça política outra vez. Ele está retornando ao controle municipal. Mas em Temixco estamos avançando em uma linha de investigação muito sólida, que nos vai permitir solucionar não um, e sim vários dos últimos homicídios”, diz por telefone o xerife Capella. A prefeita de Temixco, que era partidária de ceder as competências policiais ao Estado, teria sido vítima dessa crise. Não quis colaborar e a mataram. Dinheiro ou morte.

A casa de Mota Ocampo está na parte alta da cidade, passando os famosos balneários frequentados sobretudo por turistas do interior do México. Em uma rua de terra, com muros em abundância, a única luz que atinge a entrada é um néon branco sobre o portão de madeira. Por volta de 7h de sábado (3h em Brasília), sete indivíduos encapuzados e armados saltaram os muros e invadiram o domicílio onde a prefeita morava com seus pais, sua irmã, seu cunhado e dois sobrinhos. Um dos rapazes, que também prefere não dar seu nome, recorda que os agressores tiraram todos da cama e os obrigaram a se deitar de bruços na sala. “À minha tia, disseram que fosse engatinhando até a porta. Acreditávamos que fossem sequestrá-la. Mas ela se virou para nos olhar, e então atiraram quatro vezes no pescoço dela”.

Na última década, 71 prefeitos foram assassinados no país, segundo dados da Associação de Autoridades Locais do México. Enquanto isso, muitos outros acabaram se fundindo às redes do narcotráfico, como foi o caso do prefeito de Iguala, onde 43 estudantes desapareceram. Muitos analistas consideram Morelos, um dos poucos Estados onde vigora o Comando Único, e ainda assim não de maneira total, como o laboratório da nova política de segurança que o Governo de Enrique Peña Nieto aspira a implantar.

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