Marina Silva vai conseguir conquistar a confiança de todos os brasileiros?
O Brasil precisa de um punhado de sonhos para que os velhos lobos, que ameaçam qualquer tentativa de renovação, não lhe roubem a esperança
Não é estranho que, na atual conjuntura de crise que vive a classe política do Brasil, dominada pela crônica judicial e pela dor da horrorosa tragédia ecológica de Mariana, os ventos da renovação pareçam soprar a favor de Marina Silva. Ela sempre defendeu uma forma diferente de fazer política e é internacionalmente conhecida e premiada por seu empenho na defesa do planeta. Ela estaria certa?
Apesar de ter permanecido quase em silêncio nesses momentos de tensão política e econômica, seu nome está em ascensão nas pesquisas. Se houvesse eleições presidenciais hoje, de acordo com o Datafolha, Marina derrotaria, por exemplo, o carismático Lula com uma vantagem de 20 pontos.
A ambientalista pode agradar ou não, mas os olhares daqueles que procuram algo diferente e menos corrupto parecem se dirigir a ela na hora de tentar a renovação do poder e a solução da crise econômica. O historiador Marco Antonio Vila escreveu em sua coluna em O Globo: “Só sairemos da crise econômica quando tivermos resolvido a crise ética e política, uma tarefa de sobrevivência nacional”.
Marina é sem dúvida uma personalidade forte e intransigente que destoa dos cânones clássicos da política de acordos escusos, interesses pessoais e de grupo em que estão aninhadas até as escolas do crime, como estão denunciando os tribunais.
Ela destoa da definição clássica de política como “arte do compromisso”, pois é acusada de ser excessivamente centralizadora e intransigente, sonhadora, de linguagem difícil. Mas justamente neste momento a opinião pública também expressou uma rejeição da “velha política” e tacha seus oficiantes da falta de entusiasmo e de usar uma linguagem vazia e demagógica.
Marina é acusada de não ser uma defensora do aborto, de ser uma mulher de fé, pertencente à Igreja Evangélica, o que a tornaria suspeita na hora de defender certas liberdades laicas. Seu partido, entretanto, foi o primeiro a pedir a condenação do evangélico Eduardo Cunha no Conselho de Ética, enquanto era defendido nos bastidores pelo PT e pelo Governo.
O curioso é que, por exemplo, a legislação a favor do direito das mulheres de disporem de seu próprio corpo, ou o casamento homossexual, tampouco foram defendidos nos 13 anos de governos progressistas do PT por medo, justamente, de se indisporem com o poder religioso.
Marina poderá ou não conseguir um dia a confiança dos brasileiros para governar o país. E se isso se tornar realidade, sua tarefa não seria fácil. Teria, com efeito, de lidar com os sacerdotes da velha política que os textos bíblicos que Marina conhece tão bem acusam de ter convertido o lugar santo do Templo em “um covil de ladrões”.
A candidata Marina, criticada por gregos e troianos, derrotada na última eleição, cruelmente acusada de querer tirar o pão da mesa dos pobres, continuou em silêncio construindo seu novo partido político e defendendo suas bandeiras, até ontem vistas como utópicas, mas que hoje se tornaram atuais e modernas: a defesa do nosso planeta, que está agonizando, e a luta para renovar as estruturas e os fundamentos de uma política envelhecida.
Marina é acusada de não ser uma defensora do aborto, por ser evangélica. Seu partido, entretanto, foi o primeiro a pedir a condenação do evangélico Eduardo Cunha
Marina, gostemos ou não dela como pessoa, sempre rejeitou o que a sociedade está condenando: o uso da política para fins inconfessáveis.
Algumas pessoas escreveram na página do Facebook deste jornal que os políticos “estão nos roubando até a esperança”. Mas a esperança em algo melhor não é inseparável de certa dose de sonhos e de coragem, sonhos que os defensores do pragmatismo sem ilusões fazem de tudo para condená-los como impossíveis?
É nas cloacas da corrupção onde é impossível encontrar sonhos e profecias. Nelas se amontoam apenas os cadáveres que a falta de esperança e de escrúpulos éticos vão acumulando.
Cadáveres que os tachados de sonhadores, depois de terem aprendido a esperar sem pressa, vêm desfilar, sentados nas margens das águas do rio.
Do que poucos duvidam é que hoje o Brasil também está precisando de um punhado de sonhos e de coragem para que os velhos lobos, que ameaçam qualquer tentativa de renovação, não consigam roubar-lhe a esperança.
O papa Francisco, acossado pelos lobos da corrupção do Vaticano, foi o único papa que dedicou sua primeira encíclica, para horror dos teólogos conservadores, não à defesa de dogmas, mas ao planeta ameaçado de extinção. Defende que a Igreja é formada por todos os cristãos da base e não apenas pelos bispos e cardeais.
Um Francisco sonhador como Marina? Talvez, mas o mundo – até entre os que não têm religião– parece amá-lo e ouvi-lo mais do que os velhos papas da burocracia, mais competentes do que ele em saber conviver com os lobos.
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