A história por trás das atrizes pornô sem maquiagem
Melissa Murphy havia conseguido se consagrar como uma das maquiadoras mais solicitadas da indústria pornográfica
Durou muito pouco a alegria da maquiadora Melissa Murphy quando as fotos do “antes e depois” de suas clientes mais famosas, todas elas atrizes pornô, viralizaram nas redes sociais. “Foi como se tivessem arrancado a minha vida pela raiz”, descreve Murphy ao narrar o dia em que um usuário da rede Imgur publicou as fotos nas quais descrevia como, numa sessão de duas horas de maquiagem, ela transformava garotas com acne, manchas e outras imperfeições em protagonistas das fantasias sexuais de milhões de consumidores de pornografia no mundo inteiro.
“No começo foi algo muito excitante, achei maravilhoso”, conta a maquiadora radicada em Los Angeles. “Literalmente fui para a cama naquela noite, acordei na manhã seguinte e minha vida inteira tinha mudado. Tudo explodiu na Internet. Eu estava em todas as partes”, relembra. Essa sensação boa durou umas 24 horas. Assim que as fotos começaram a se espalhar, as atrizes em questão passaram a ligar para ela acusando-a de ter vendido fotos “pessoais” para tabloides sensacionalistas, de mostrar suas imperfeições para desacreditá-las e de conspirar para destruir a indústria pornô. Começou a circular a hashtag #MakeupArtistNoList (“não à lista da maquiadora”) junto com a conta de Murphy no Twitter e no Instagram.
Murphy, que em oito anos de carreira havia conseguido se consagrar como uma das maquiadoras mais solicitadas na poderosa indústria pornográfica, viu seu mundo desmoronar em março de 2013. Uma década antes, movida pela persistência e por um pouco de astúcia, essa garota de raízes católicas do Estado de Massachusetts (nordeste dos EUA) se mudara para o famoso Vale de San Fernando, a capital da pornografia na Califórnia, ao norte de Los Angeles.
“Venho de uma família muito pobre e sou independente desde os 17 anos”, conta Murphy, hoje com 38. Sem diploma universitário, conseguira uma vaga em Boston como vendedora em uma empresa de telecomunicações. Quando a companhia lhe ofereceu um trabalho em Los Angeles, ela achou que o sonho californiano se cumpriria para ela. Mas foi demitida oito meses depois de chegar lá, e então, graças à sua experiência em vendas, conseguiu emprego numa agência de caça-talentos em Hollywood. Para complementar o salário de principiante, passou a fazer bico como vendedora no balcão de maquiagem de um shopping. Apesar de não ter formação anterior, começou a maquiar as clientes. “Só estava tentando ganhar dinheiro para sobreviver”, afirma.
Foi tão bem que deixou o trabalho na agência e foi promovida a gerente e supervisora das cinco garotas que trabalhavam no quiosque. Uma dessas garotas, de quem ficou amiga, foi sua conexão com o mundo do pornô. Essa moça havia ido trabalhar com um diretor de cinema erótico, que um dia precisou contratar alguém para cuidar dos seus cachorros enquanto ele viajava a Las Vegas. A contratada foi Murphy, que ao devolver os cães perguntou ao diretor se ele não precisaria de uma maquiadora. “Não tinha nem ideia do que estava fazendo”, recorda. “Tinha olho suficiente para poder deixar uma pessoa bonita no shopping, mas fazer isso para a câmera é algo completamente diferente.”
Quando lhe pagaram 125 dólares (415 reais, pelo câmbio atual) por uma sessão de duas horas de maquiagem e penteado, ela sabia que tinha encontrado seu ganha-pão. “No quiosque eu ganhava 500 dólares por semana, e precisava me matar”, diz. “Era questão de sobrevivência… não me importava se era pornô ou se era circo, era uma grande oportunidade.” Pouco a pouco, foi aprendendo os truques do ofício, lendo livros e aprendendo com os seus colegas. Rapidamente, pôde deixar o trabalho no shopping para se dedicar completamente a maquiar atrizes pornôs. Era 2005, o setor estava no seu melhor momento, e Murphy tinha trabalho sete dias por semana.
O início de Murphy no pornô coincidiu com a chegada das redes sociais Twitter e Instagram, mas Murphy foi das últimas do seu círculo a aderir a esses sites. Quem criou a sua conta @XmelissamakeupX foi uma amiga dela. “Como sou um pouco tímida por natureza, não queria entrar nas redes sociais para contar que escovei os dentes ou fui à loja, como faziam as pessoas na época”, recorda. “Achei que tinha que ser criativa e combinei minha experiência em vendas com meu talento como maquiadora, e comecei a publicar fotos do meu trabalho.” No começo eram apenas fotos fashion que suas clientes usavam nos seus perfis. Murphy começou a imaginar truques para variar a oferta, mas alguns diretores começaram a se queixar de que estava fazendo a produção perder tempo. Quis buscar uma forma de agilizar as sessões de fotos, e um dia lhe ocorreu perguntar à atriz Kristina Rose se poderia fotografá-la sem maquiagem. Rose autorizou, e assim nasceu o “antes e depois”. “Publicamos as fotos, e foi uma loucura, as pessoas piraram”, relembra Murphy. “Aí eu disse: ‘Vou pedir autorização para todo mundo, para ver o que dizem’.”
Murphy já era bem conhecida no mundinho pornô, e várias atrizes eram amigas suas. Quase nenhuma se negou a fazer uma sessão de “antes e depois”. Dezenas dos rostos mais conhecidos do sexo em vídeo passaram diante da câmera do seu iPhone, mostrando o que poucos fãs podiam imaginar. Desde o começo, a reação às fotos foi variada, embora sempre tenham preponderado os comentários de que as atrizes eram mulheres feias e comuns, e que sua beleza dependia exclusivamente da maquiagem. Murphy diz que esses comentários se multiplicaram quando as fotos viralizaram, naquele março de 2013.
Foi então que as atrizes começaram o que Murphy descreve como uma campanha de “cyberbullying”. “Todas estas mulheres, que eu considerava minhas amigas, começaram a me atacar”, conta. Nenhuma atriz queria trabalhar com Murphy, e pouco a pouco os diretores deixaram de chamá-la. Decepcionada e desesperada, em 2013 a maquiadora deixou seu apartamento no Vale de San Fernando, vendeu seus pertences e aceitou uma oferta para trabalhar na Índia. O emprego em Bollywood afinal não era o que ela esperava. Murphy passou seis meses no país asiático sem ganhar o suficiente para retornar aos EUA. Mas lá se apaixonou pelo ator e modelo Adam Bedi. “É o mais romântico e maravilhoso que me aconteceu na vida, saindo de toda esta tragédia surgiu algo tão bonito assim”, diz agora. Em 2014, Murphy e Adam decidiram voltar juntos para a Califórnia, como um casal. Em novembro, no aniversário de Murphy, Adam lhe pediu em casamento.
Pouco a pouco, Murphy foi recuperando seu lugar no mundo do erotismo, graças ao fotógrafo Holly Randall, que se especializa em nus glamurosos, mas não pornográficos. Com Randall, Murphy trabalha quase exclusivamente com modelos para a Playboy on-line. Atua cada vez menos na indústria pornô, atualmente em crise devido a restrições do condado e da prefeitura de Los Angeles. Ela também voltou ao Instagram e às fotos de “antes e depois”, embora agora também inclua entre essas clientes mulheres alheias ao universo da pornografia. As fotos voltaram a chamar a atenção da mídia, que insiste em identificar suas modelos como atrizes pornôs. Em setembro, Murphy publicou uma mensagem nas suas redes sociais censurando os meios de comunicação por essa prática.
“Nem todas as modelos são atrizes pornôs”, escreveu. “Algumas são modelos e atrizes do mercado geral. Outras fazem nus glamurosos. Maquio homens e crianças. Sou apenas uma artista da maquiagem. Meus clientes são apenas pessoas. Parem de etiquetar a mim e ao meu trabalho. Parem de difamar as minhas clientes, eu imploro.” A maquiadora diz que o pior de ter viralizado foi não poder responder a todos os comentários negativos. “Senti que perdi minha voz, que não podia me defender.” Mas afirma que suas fotos virais acabaram tendo um efeito positivo. “Todo este tempo continuei recebendo cartas de fãs, emails, mensagens em redes sociais, muitas delas de mulheres que me diziam como as minhas fotos as tinham inspirado”, conta. “Sinto que minhas fotos ajudaram a humanizar o mundo da pornografia.”
Agora o sonho da artista é poder levar seus 10 anos de conhecimento na indústria pornô às não famosas. “Eu adoraria mostrar a elas que cada pessoa pode se ver bonita, se tiver alguém com a arte necessária para isso.” Algo novo que Murphy notou com essas fotos de “antes e depois” são comentários argumentando que as modelos são bonitas mesmo antes de serem maquiadas. “Não vejo como um insulto, vejo isso como algo bonito, um grande progresso, algo positivo para as mulheres”, afirma. “Ter fechado o círculo, mudar a mentalidade das pessoas, conseguir que digam que as mulheres são mais bonitas sem maquiagem... Isso é incrível.”
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