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O brasileiro que faz a cabeça das cacheadas de Nova York

Denis da Silva fundou a marca Deva, que fatura cerca de 20 milhões de dólares por ano

Denis da Silva, dono do império Deva Curl, em NY
Denis da Silva, dono do império Deva Curl, em NYDivulgação

Aos 12 anos, Denis da Silva pegou em uma tesoura pela primeira vez. Foi no salão de sua mãe, em São Bernardo, que ele aprendeu as primeiras técnicas de corte, coloração e styling, aperfeiçoadas com o tempo e anos de estudo pela Europa. Desde muito cedo optou por seguir a profissão de cabeleireiro (assim como fizeram outros três irmãos) e logo ganhou fama como guru dos cachos à frente de salões Devachan em Nova York, inaugurados nos anos 90 em parceria com a ex-sócia, a britânica Lorraine Massey. Somente com os salões o empresário fatura mais de 10 milhões de dólares por ano. Mas a fama internacional veio com uma linha de produtos voltados exclusivamente para cachos, queridinha de celebridades americanas.

Há outros (poucos) salões no mercado que trabalham com esse nicho tão negligenciado pela indústria cultural, como a Ouidad, também em NY, e até a Beleza Natural, da carioca Heloísa Assis (Zica). Mas o que tornou a Deva um referencial para as cacheadas do mundo todo é, na verdade, um conceito criado e patenteado pelos empreendedores da marca: o No Poo e o Low Poo. São produtos livres de sulfato, silicones e derivados de petróleo, componentes que ressecam ou mascaram os danos dos fios, considerados hoje os vilões das cacheadas.

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A influência desse conceito cocriado por Denis da Silva se torna visível nas prateleiras das perfumarias. A princípio, só as gringas tinham acesso a produtos que utilizavam o conceito. Mais recentemente, as brasileiras, inspiradas em youtubers nacionais e internacionais, estão demandando e encontrando produtos especializados nesse tipo de tratamento. Nos últimos 12 meses, pelo menos 10 empresas lançaram no mercado brasileiro as suas versões de higienizadores sem sulfato. Esse foi o caso de marcas já consagradas no mercado nacional, como Unilever, Natura, Embelleze e Bioextratus. Também foi o caso de marcas jovens, como a Lola Cosmetics, que lançou no começo de 2015 um creme finalizador exclusivo para "cacheadas em transição", ou seja, meninas que estão deixando as madeixas crescerem, convivendo com duas texturas (cacheada e lisa) até o momento de se sentirem preparadas para a vitamina T – de tesoura. Vale lembrar que a própria Deva só passou a vender seus produtos no Brasil em meados de 2012.

Foi o irmão de Denis da Silva, o também cabeleireiro Almiro Nunes, quem ajudou a disseminar a marca no país. Em 2011, eles inauguraram o salão Clínica dos Cachos, na capital paulista, uma dissidência do Floreal Hair Salon, que pertence à mãe Ivone, de 70 anos, e onde trabalham os outros dois irmãos e colegas de profissão, Rodrigo e Orivaldo. Apenas o filho mais velho de Ivone não seguiu os passos da mãe, o engenheiro José Aparecido.

De uns anos para cá, tornou-se cada vez mais comum encontrar mulheres divorciadas da chapinha pelas ruas, passarelas e até pela televisão. Na opinião de Nunes, as pessoas estão aprendendo a cuidar melhor do cabelo e demandando produtos mais apropriados para elas. Isso tem feito a indústria de cosméticos a desenvolver linhas especiais para esse público, um filão que abrange 70% das cabeleiras brasileiras. É, portanto, um sistema que se retroalimenta o que justifica a adesão ao movimento em prol do cabelo natural.

Almiro Nunes, dono do salão Clínica dos Cachos
Almiro Nunes, dono do salão Clínica dos CachosDivulgação

Outro fator importante é a saúde. "A progressiva tornou muita gente rica no mundo todo, não só no Brasil. Mas depois de anos passando química de alisamento ou de relaxamento no cabelo, muitas mulheres tiveram o que chamamos de corte químico, ou seja, o cabelo quebrou e caiu", explica. "As pessoas começaram a perceber que, no longo prazo, tudo o que estavam fazendo para alisar o cabelo só estava deixando ele pior", complementa.

Por mês, passam pelas mãos (e tesouras) de Nunes, que tem 32 anos de experiência como cabeleireiro, 1.100 clientes. Desse total, 35% apareceram no salão pela primeira vez. "Não trabalhamos com nenhum tipo de escova e tratamos apenas de cabelos cacheados. Cortamos, hidratamos e ensinamos, com a linha Deva, como os clientes podem cuidar de seus cachos em casa", conta. Nunes destaca, ainda, que muitas das clientes tinham receio de pisar num salão. "Sempre que chegavam a um cabeleireiro, eram aconselhadas a alisar para domar os fios".

A empresa, que começou recebendo apenas 10 clientes por dia, conta hoje com 24 funcionários para atender toda a demanda, dentre eles quatro cabeleireiros e sete auxiliares. "Cada vez mais pessoas estão entendendo que não existe cabelo ruim. Só gente ruim", brinca. "Por causa do preconceito muitas mulheres alisavam os seus cabelos. Desde pequenas ouviam de seus familiares e amigos que o cabelo delas era feio e cresceram com esse problema de autoestima. Colocavam a saúde em risco em busca de um padrão de beleza", pondera. Mas, com o tempo, vão adquirindo informação e descobrindo uma indústria, recentemente desperta, voltada especialmente para os cachos, o que contribuiu para dissolver um pouco o preconceito em torno das madeixas crespas e cacheadas e, principalmente, para elevar a autoestima das brasileiras.

Salão Clínica dos Cachos, em São Paulo
Salão Clínica dos Cachos, em São PauloDivulgação

O cabeleireiro não acredita que os cabelos cacheados se tornaram uma "moda", que tende a se tornar obsoleta em alguns anos. "O boom dos cabelos cacheados não vai passar. Acredito que surgirão novos produtos especializados e de melhor qualidade. A brasileira sempre vai ter o cabelo que tem. O que ela não tinha antes era a confiança e o conhecimento necessários para cuidar adequadamente dos fios – nem produtos e salões especiais para atender as suas necessidades", afirma Nunes.

Império dos cachos

O primeiro dos quatro salões da marca Deva foi lançado em 1994, em Nova York, mas o conceito de no e low poo surgiu apenas alguns anos depois, quando os cofundadores Denis da Silva de Lorraine Massey investiram na produção de uma linha de tratamento da marca, voltada exclusivamente para cabelos cacheados. A técnica se popularizou com o lançamento, em 2002, do livro de Lorraine, o Curly girl method (Método da garota cacheada, sem edição em português). Na obra ela explica como cuidar dos cabelos cacheados e as técnicas de higienização livres de sulfato.

Também em 2002 foi lançado o primeiro produto da linha, o No Poo – um higienizador que não possui sulfatos, silicones e derivados de petróleo. Em 2007 nasceu o Deva Academy, uma escola de cabeleireiros que tem como objetivo treinar profissionais especializados em cachos e no método de tratamento Deva.

Atualmente a marca conta com salões em Nova York e na Califórnia, mas os produtos da linha são distribuídos pelos cinco continentes. A Deva conta com cinco fábricas, quatro nos Estados Unidos e uma no Brasil, responsáveis pela manufatura de 4 milhões de produtos por ano. Somente com os cosméticos, o faturamento anual da Deva passa de 18 milhões de dólares. Lorraine, a cacheada que por muitos anos foi a cara da marca, deixou a direção da empresa no final de 2013.

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