Quebrar a cara várias vezes ensinou empreendedores a superar erros
Conheça Peter Paiva e Vagner Lefort, que perderam tudo antes vencer em suas apostas
Quatro anos depois de abrir sua primeira empresa, uma loja de artigos de decoração, o artista plástico e arquiteto Peter Paiva, na época com 22 anos, se viu cheio de dívidas, com o nome sujo na praça e sem receita de vendas suficiente para cobrir os custos básicos do negócio. Manter o empreendimento aberto já não era mais uma opção. “Achei que para ter uma empresa de sucesso bastava ter uma ideia bacana e paixão pelo seu produto. Na época eu não tinha habilidades de gestão e achava que a minha vontade de trabalhar com decoração seria suficiente”, reconhece.
Decidiu passar o ponto de sua loja, Além da Imaginação, por 4,5 mil reais. Na expectativa de quitar as dívidas e limpar seu nome, recorreu a um agiota, repassando os quatro cheques que havia recebido da nova proprietária. Mas, para sua surpresa, os cheques voltaram. “Consegui piorar ainda mais a minha situação, quando isso parecia impossível. Tive de me virar para conseguir pagar o que devia e, ao mesmo tempo, ganhar o suficiente para sobreviver”, afirma.
Para resolver o problema, começou a dar aulas com os restos de materiais que tinha da loja. Alugou uma sala comercial de 28 m² no Morumbi – para trabalhar e morar – e desenvolveu cursos de mosaico, desenho e sabonete artesanal. Com 60 alunos por semana, tudo o que conseguia arrecadar ia direto para o agiota. “Paguei toda a dívida em seis meses com muito sacrifício. Mas percebi que o modelo de cursos estava dando certo e decidi continuar”, explica.
A falta de habilidade em administrar dinheiro, motivo que considera primordial para explicar a falência de sua loja, continuou perseguindo o empresário em outras investidas. Após quitar suas dívidas, Paiva aproveitou o clima de renovação do réveillon e foi para a Itália em janeiro de 2002, com o objetivo de fazer um curso de design para aprimorar suas técnicas de artesanato. Em três semanas, contudo, seu dinheiro acabou. Não restou alternativa além de trabalhar com faxina em prédios comerciais para terminar o curso, que tinha duração de dois meses, em Milão.
Saber os principais motivos do fracasso pode ajudar a evitar um
Levantamento do Sebrae aponta que 27% das empresas que são abertas no Brasil não sobrevivem ao primeiro ano de operações. Confira os principais motivos:
1. Conhecimento do mercado: 46% dos empreendimentos que faliram não sabiam quantos eram seus potenciais clientes; 39% não sabiam qual era o capital de giro necessário para abrir o negócio; 38% não conheciam seus concorrentes; 55% não tinham plano de negócios; 50% não determinaram margem de lucro pretendida.
2. Gestão empresarial: 63% não investiram em capacitação; 54% não faziam acompanhamento de despesas; 75% não investiram em propaganda; 14% não tinham nenhuma estratégia para atrair clientes, como promoções.
3. Comportamento empreendedor: 55% não planejaram cada etapa do negócio; 53% não tinham o hábito de procurar informações do mercado; 40% não estabeleceram objetivos e metas; 76% não fizeram nenhum curso voltado para aprimoramento de gestão ou dos negócios.
A pesquisa, realizada com 1830 empreendedores do país, revela ainda que 69% deles resolveram abrir uma empresa porque perceberam um nicho de mercado potencial. Apenas 31% foram abertas por necessidade, como desemprego ou complementação de renda.
“Voltei para o escritório em São Paulo com uma ideia fixa de focar a produção de sabonetes artesanais. Não queria mais depender de revenda, só de coisas que eu mesmo poderia produzir. Na Europa, as pessoas ficavam impressionadas com os meus sabonetes e pensei que seria possível investir neles no Brasil”, afirma. No final de 2002, mudou seu ateliê para uma casa em Indianópolis, com mais três funcionários.
Três anos depois, Peter Paiva se tornaria uma marca de insumos para sabonetes artesanais, como bases glicerinadas, corantes, moldes e essências. A empresa hoje fatura cerca de R$ 400 mil por mês e emprega 60 funcionários. “Aprendi a administrar melhor o dinheiro, só investindo o que eu tinha poupado e a conta-gotas, ajustando estoques de acordo com a necessidade. Também aprendi a delegar. No começo eu tinha de fazer tudo, mas com o crescimento da empresa eu precisava confiar mais nos meus gestores e deixar novas ideias evoluírem o negócio”, destaca.
Paiva ainda dá cursos de sabonetes artesanais e abriu até um canal no YouTube de passo a passo. “Dessa forma, consigo fidelizar clientes. Eles aprendem a gerar renda com sabonetes e acabam comprando as matérias-primas que eu produzo, em conjunto com indústrias parceiras”, explica.
Surfando conforme a onda
Empreender por necessidade, e não tanto por prazer, é um dos principais motivos que levam os brasileiros a abrir o próprio negócio. Esse foi o caso de Vagner Lefort, engenheiro por formação que se viu desempregado após um grande corte na multinacional onde trabalhava, em Santo André. Era 1983, “um ano muito difícil para se conseguir emprego, pois a economia estava péssima. Era época da hiperinflação”, lembra. “O Brasil sempre foi um país de grandes mudanças. O lado bom é que você tem que aprender a se virar para sobreviver”, complementa.
Antes de conseguir suceder em um empreendimento próprio, que se mantém de pé e em crescimento há 16 anos, Lefort tentou embarcar em quase cinquenta negócios diferentes. Começou com revenda de carros, que comprava com o dinheiro da rescisão e consertava. “Minha primeira venda me rendeu duas vezes meu salário antigo. Por conta disso comecei a investir em bens de segunda mão”, afirma. Outro negócio paralelo era o de venda de imóveis que reformava. Desta vez, com o lucro da revendedora de carros. “Não era fácil gerir uma empresa na hiperinflação. Eu tinha de atualizar preços diariamente e, com eles, a demanda oscilava demais”, conta. Nesse ambiente desfavorável para os negócios, Lefort destaca que “surfava de acordo com a onda”. “Quando aparecia uma oportunidade de empreender com menos esforço ou risco, eu investia”, complementa.
Foi assim que entrou para o ramo de importações. Comprava quase de tudo da China, de aparelhos de karaokê e fitness a itens de utilidade doméstica, como talheres e louças. O que mais deu dinheiro, contudo, foram os bichos de pelúcia. “O segredo foi passar a vender em grande escala. Consegui contratos com grandes redes de brinquedos, como a Ri Happy, e virei um licenciado Disney”, afirma. Na época, a Long Jump, fundada por ele em 1997, era só uma distribuidora. Em 2006, nasceu a fábrica de mesmo nome, em Barueri.
Acostumado com os altos e baixos da economia brasileira, Lefort desenvolveu uma característica imprescindível para qualquer empreendedor que almeja o sucesso: a resiliência. “A alta do dólar, em vez de acabar com o meu negócio, me trouxe uma oportunidade de produzir aquilo que eu vendia. E de exportar para outros países da América Latina, embarcando na reaproximação do Brasil com os colegas de Mercosul”, afirma o empresário.
Hoje, 50% do que vende tem origem na própria fábrica. A outra metade é importada. As exportações ainda não passam de 5% do negócio, mas Lefort acredita que é possível elevar um pouco essa participação agora que o dólar beira a R$ 4. A Long Jump emprega 230 funcionários – número que crescerá para 250 este ano – e vende de 50 a 60 mil bichos de pelúcia por mês. “Enquanto está todo mundo demitindo, estou contratando”, ironiza.
Por conta de um câncer em 2000, Lefort aprendeu outra valiosa lição para o mundo empresarial: confiar em sua equipe. “Tive de aprender a delegar e a manter perto de mim, na gestão, pessoas que compartilhavam do mesmo interesse, da mesma paixão que eu”, diz.
O executivo, que completou 56 anos este mês, não se vê aposentado tão cedo. “Empreendedorismo sem sacrifício não existe. É preciso dedicar a vida ao negócio. Num mundo de acirrada concorrência, devemos nos tornar especialistas naquilo que fazemos e buscar estar sempre atualizados com as tendências do mercado, com as demandas dos clientes. É um trabalho sem fim”, afirma. Ele destaca que o mundo dos negócios não aceita aventureiros. “Abrir uma empresa só porque gosta de determinado setor não dá certo. É importante gostar, claro, mas não limite a sua empresa a uma satisfação pessoal”, alerta.
Pensando na longevidade de seu negócio, Lefort já vem inserindo o filho, de 26 anos, na gestão da fábrica. “Mas gosto de estar no dia a dia da empresa, presidindo e participando de cada decisão”, pondera.
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