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“Dinheiro chinês é chance única de integrar fisicamente América Latina”

Para especialista, Brics mantém dinamismo político, apesar de desaceleração econômica

Oliver Stuenkel é professor adjunto de Relações Internacionais na FGV.
Oliver Stuenkel é professor adjunto de Relações Internacionais na FGV.Divulgação

Nem tudo que o premiê chinês, Li Keqiang, prometeu no Brasil e nos outros países da região que visita essa semana sairá do papel. Mas isso não é necessariamente um problema para o especialista em países emergentes Oliver Stuenkel. "Mesmo se só a metade acontecer, isso é muito grande", diz ele. "Só a presença dessas promessas de investimento é uma chance única de integrar o continente sul-americano. A América do Sul é muito mal integrada em termos de infraestrutura."

Autor do livro "BRICS e o Futuro da Ordem Global", Stuenkel diz, em entrevista ao EL PAÍS, que o bloco — Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul — vive atualmente um dos momentos de maior dinamismo político, apesar da desaceleração das economias da maioria dos países dos BRICS. Ele acredita que mesmo com um patamar de crescimento mais baixo, a China se manterá como o maior parceiro comercial do Brasil e continuará sendo o protagonista do grupo que, em breve, verá concretizada uma de suas maiores conquistas: o lançamento do banco dos BRICS. 

Pergunta. O Brasil está preparado para esse novo modelo chinês de desaceleração?

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Resposta. Certamente não está preparado. O patamar chinês realmente é menor do que aquele que a gente teve nas últimas três décadas e hoje estamos vivendo o que os chineses chamam de "novo normal", que é um crescimento menor, mas mais sustentável. A China está passando por vários processos típicos de países em desenvolvimento que atingem um patamar per capita que é menos dependente de exportação e mais dependente de consumo interno. E o grande erro do Brasil foi não ter se preparado para anos mais difíceis, sobretudo durante o Governo Lula. Obviamente, o ponto crucial do crescimentos dos últimos anos foi essa demanda chinesa e, mesmo sabendo que isso iria acabar em algum momento, o Brasil não fez nada.

P. Mas como vai ficar o comércio entre os dois países?

R. Apesar do crescimento mais baixo, a China vai se manter como o grande parceiro comercial do país. O comércio com a China vai crescer em números absolutos e relativos se compararmos o total do comércio brasileiro com o resto do mundo, porém não vai mudar qualitativamente. Em termos absolutos ainda está ótimo, mas qualitativamente não está. Seguimos sendo um fornecedor de commodities, com todo o risco que isso implica. A questão é que o Brasil não tem alta produtividade de valor agregado.

P. E como o senhor avalia os investimentos chineses no Brasil?

R. A presença chinesa é importante para todos os projetos. Agora, sabemos que muitos desses projetos e esse investimento, que se fala em 53 bilhões de dólares, não vai acontecer desse jeito. Quando estudamos grandes propostas e olhamos o que aconteceu depois, vemos que muitas ações acabam não acontecendo, nem tem o mesmo tamanho. Mas mesmo se só a metade acontecer, isso é muito grande. Só a presença dessas promessas de investimento é uma chance única de integrar o continente sul-americano de um jeito que vai transformar a relação que nós temos com os nossos vizinhos. A América do Sul é muito mal integrada em termos de infraestrutura, é fisicamente pouco integrado.

P. Qual a importância do encontro de Dilma Rousseff com a o primeiro-ministro chinês Li Keqiang ?

R. É um encontro focado em questões econômicas. Ele está aqui, ele é a segunda pessoa mais influente da China, mas está aqui claramente como um emissário do presidente. Não é ele é quem vai tomar muitas decisões, é uma visita mais simbólica de aproximação. Ele quer mostrar que o peso econômico maior da China é bom para o continente. Do ponto de vista chinês, a América do Sul é apenas uma peça do esquema mundial para assegurar fornecimento de matéria prima e também de mercado que consumem produtos chineses de valor agregado.

P. Quais as perspectivas do futuro dos BRICS?

R. Acho que o grupo está passando por um momento de maior dinamismo, não no aspecto econômico dos países, mas vamos ver em breve o lançamento do Banco de Desenvolvimento do grupo. Isso será a primeira manifestação institucional. É um passo importante, pois desenvolver esse banco com outros países não é trivial, isso conecta esses países e gera uma ligação institucional de longa duração. Esse banco ligará os ministérios de fazenda, os bancos centrais, vamos ter um aumento de atividades intra BRICS. O que mostra que o grupo não depende mais de questões de crescimento econômico, é um grupo com viés cada vez mais político. Uma de suas grandes manifestações aconteceu, no ano passado, quando o grupo resolveu se recusar a se alinhar com os EUA e Europa sobre a questão da Crimeia. Os BRICS salvaram a Rússia de um isolamento político total. Realmente eu discordo desta leitura de que o grupo está encarando problemas por causa de um crescimento econômico mais baixo. Está tendo uma ampliação inédita de atividades do grupo. O custo é zero e os benefícios que esses países têm são grandes.

P. E como o Brasil está aproveitando essa ampliação?

R. Para o Brasil é realmente muito bom. É por meio dos BRICS que a presidenta do Brasil consegue se encontrar a sós com o presidente da China duas vezes ao ano. Uma vez no G20 e outro na cúpula. Apesar dos diplomatas não admitirem, o Brasil não teria essa possibilidade se não fosse pelo grupo BRICS. É um acesso, um canal direto importante. E esses encontros não acontecem apenas no nível presidencial. Temos encontros ministeriais em muitas áreas como saúde e educação. Quando você fala da cooperação do Brasil com os países do grupo há 10 anos, era impensável que chegasse ao nível de hoje. No caso da Rússia, as exportações brasileiras aumentaram muito. Tem uma visibilidade grande e passa essa visibilidade ao Brasil.

P. O que podemos esperar de novidade no próximo encontro dos BRICS em julho na Rússia?

R. Provavelmente será divulgada a data de lançamento do banco do grupo e quem serão os representantes na instituição. No Brasil, o representante deve ser provavelmente o Paulo Nogueira Batista Jr, do FMI. Vamos ter mais detalhes de como funcionará o fundo de reserva, e a grande questão será se o banco financiará projetos de outros países além dos membros dos BRICS. Acho que também será anunciada uma série de medidas para desburocratizar o comércio entre os países.

P. Além do Banco do BRICS o Brasil será membro do novo banco asiático de desenvolvimento...

R. Isso tudo faz parte de uma ordem paralela, não para substituir ou confrontar a ordem vigente, mas para reduzir o controle que os países possuem sobre a ordem atual. Os BRICS continuarão apoiando as instituições vigentes, mas esses bancos criarão um fundamento para que os países não sejam apenas dependentes do FMI e o Banco Mundial. Para o Brasil, isso significa que estamos caminhando para uma ordem multipolar, mas tudo depende da trajetória da China nos próximos anos.

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