O Barça que treina em zona de guerra
Fundação Barcelona quer resgatar jovens de uma favela carioca onde os tiroteios são frequentes
Há dias em que Erick Tavares, de 12 anos, desperta com o ruído de vários disparos. É quando as escolas do bairro fecham as portas e as crianças, se for possível, voltam em fila indiana para suas casas. As mães que iam para o trabalho buscam desesperadas com quem deixar os filhos ou telefonam para avisar que, mais uma vez, vão faltar no serviço. Alheio ao alvoroço, tristemente natural para os cerca de 130.000 moradores do complexo carioca de favelas da Maré, Erick pega sua sacola e vai treinar. Não há tiroteio que o obrigue a ficar em casa nos dias de futebol.
A Fundação Barcelona decidiu instalar-se no problemático e pobre complexo de favelas da zona norte do Rio de Janeiro para que garotos como Erick tenham uma alternativa ao tráfico de drogas que ainda domina a comunidade. Os treinamentos não visam encontrar um novo Neymar, mas motivá-los com valores do clube, como o trabalho em equipe, o respeito e a humildade, a escapar dos bandos que os empurrariam para a função de soldados do tráfico. Ocupada pelo Exército nas vésperas da Copa do Mundo, a favela é uma das mais cobiçadas pelos narcotraficantes e à guerra entre facções rivais se somam agora as ofensivas da polícia. Nesse subúrbio abandonado historicamente pelas autoridades, sem saneamento básico e com falta de água, de instalações culturais e de lazer, e com escolas que funcionam em meio período, a vida de um menino comum se transforma na de um menino com uma arma na mão num abrir e fechar de olhos. “Aqui vemos coisas absurdas. Garotos de nove anos fumando maconha e com armas maiores do que eles. Temos medo que convidem nossos filhos a entrar nisso”, conta em um grupinho uma das mães dos alunos.
Os cerca de 500 meninos e meninas que se inscreveram no programa FutebolNet trocaram os paus pela bola, e suas mães aplaudem ao ver que o futebol endireitou os mais rebeldes, com os quais elas não sabiam como lidar. “Antes estava sempre agitado, qualquer coisa que caísse em suas mãos era para brincar de armas, dizia palavrões... Decidi inscrevê-lo no futebol e um dia desses a professora dele me disse que é um dos melhores da classe”, conta orgulhosa a vendedora Graziele Cristina, de 25 anos, mãe de Douglas, de sete. “É preciso mantê-los com a mente ocupada. Se não fosse o futebol, já estaria no meio desses meninos que não prestam”, enfatiza Graziele. Erick também era um desses filhos que desesperam as mães. Todos os dias sua orientadora o mandava para casa com uma nova queixa, e por três vezes ele trocou de escola. “Era muito nervoso, mas há quase um ano os professores não se queixam”, diz o menino.
No modesto gabinete da primeira Vila Olímpica de uma favela carioca, seu diretor, Amaro Domingues, conta como a chegada de uma instituição internacional injetou uma carga de autoestima nos moradores da favela. “Perguntaram-me como iria ser possível instaurar um projeto social em um lugar dividido por facções criminosas, mas deu certo e abriu um horizonte na comunidade”, relata o ancião. “O interessante é que é um trabalho social dirigido a meninos de seis a 17 anos, ou seja, prepara-os para a idade mais perigosa, que começa com a adolescência e a transição para a vida adulta”, diz Domingues.
A Fundação Barcelona, com o dinheiro da Fundação Mapfre, manterá esse projeto pelo menos até o final do ano. É um investimento social, mas também estratégico. O Brasil, como um dos países que concentra mais seguidores da equipe nas redes sociais, é lugar prioritário para o crescimento do clube em patrocínios e torcedores. “A Fundação tenta concentrar-se nesses territórios que de alguma forma são prioritários, seja de um ponto de vista comercial ou de um ponto de vista emocional pela quantidade de jogadores brasileiros que o Barça teve e tem, atualmente”, afirma um porta-voz. Além de nutrir-se dos recursos de suas associações com entidades privadas, a fundação do Barcelona recebe 0,7% das receitas do clube e 5% dos salários de seus jogadores e técnicos para instaurar projetos sociais.
Os meninos do Maré não sabiam muito sobre a equipe catalã. A chegada de Neymar despertou a curiosidade de alguns, mas, agora, depois dos treinamentos, há quem se atreva a analisar o jogo de sua nova equipe favorita. Não há consenso, com exceção da genialidade de Messi e as infinitas vezes que Neymar, apelidado no Brasil de cai-cai, acaba no chão.
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