O Brasil é bárbaro!
O desamparo a que estamos sujeitos, que nos expõe à trágica violência cotidiana, não tem ideologia, mas tem idade, sexo e cor
O secretário de Segurança Pública do Rio Grande do Sul, Wantuir Jacini, está recomendando que a própria população, diante da escalada de violência no estado, tome a iniciativa de prender os criminosos. “Concordo que a sociedade não tem esse preparo, no entanto a lei permite que qualquer cidadão prenda em flagrante quem estiver cometendo crimes”, ele declarou, contrariando todas as orientações de que nunca devemos resistir à ação de bandidos, pois para isso existe a polícia. Com seu comentário, Jacini não só admite a incapacidade do Estado de garantir o bem-estar dos habitantes, como incita a massa a fazer justiça com as próprias mãos.
Que é, aliás, o que vêm fazendo lutadores de artes marciais da zona sul do Rio de Janeiro. Autodenominados “justiceiros”, incentivados por moradores e frequentadores das praias, eles saem à caça de “moleques de chinelo, com cara de quem não tem um real no bolso” –ou seja, os pobres em geral–, que chegam de ônibus dos subúrbios ou a pé pelas ruas que descem das comunidades. Esses “justiceiros”, escoltados com complacência pela polícia, se sentem à vontade para atuar de maneira ilegal, discriminatória e autoritária em nome da população descrente do papel do Estado, sob a alegação de “legítima defesa”.
Mesmo argumento usado pela polícia da Bahia que em fevereiro fuzilou 12 jovens, entre 15 e 23 anos, todos negros e pobres, no bairro da Cabula, em Salvador. Em julho, os policiais envolvidos naquilo que a Anistia Internacional classificou como “execução sumária” foram absolvidos pela juíza Marinalva Almeida Moutinho. A defesa mais veemente, e mais patética, da ação dos policiais veio do governador Rui Costa, que comparou-a ao momento em que o jogador de futebol encontra-se diante do gol, quando “ele tem que ter a frieza e a calma necessárias para tomar a decisão certa”...
Se na Bahia os policiais, identificados, tornaram-se réus de um processo, em São Paulo até hoje, passados 50 dias, não se sabe nem sequer quem foram os autores do que ficou conhecido como chacina de Osasco. Na noite de 13 de agosto, 19 pessoas foram assassinadas em diversos locais num raio de 10 quilômetros na Grande São Paulo e, embora a principal linha de investigação aponte para a participação de policiais militares, apenas um soldado está preso. A hipótese, sempre descartada pelo governador Geraldo Alckmin, é da existência de grupos de extermínio nas periferias, formados por policiais e civis insatisfeitos com a condução da segurança pública, que decidem fazer justiça com as próprias mãos, como sugere o secretário de Segurança Pública do Rio Grande do Sul.
O desamparo a que estamos sujeitos, que nos expõe à trágica violência cotidiana, não tem ideologia –atinge estados governados por tucanos como Geraldo Alckmin (SP), petistas como Rui Costa (BA), peemedistas como Luiz Fernando Pezão (RJ) ou José Ivo Sartori (RS)–, mas tem idade, sexo e cor. Pesquisa da Unesco cataloga 42.416 mortes por armas de fogo no país em 2012, sendo 95% vítimas de homicídio. Deste total, 59% são pessoas de 15 e 29 anos, em sua quase totalidade homens (94%) e dois terços do total, negros. Ao invés de trabalhar para que o Estado cumpra sua função, que é a de garantir nosso direito elementar de ir e vir, políticos pregam que cidadãos assumam a função de polícia, fazem vista grossa à ação de milícias e patrulhas, acobertam assassinos uniformizados.
Ou, pior, acreditam que a solução para a violência é armar ainda mais a população. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), denunciado no STF por participação no esquema de corrupção da Petrobras, tem em sua mesa um projeto de lei, apoiado pela bancada BBB (Bíblia, Bala, Boi), que revoga o Estatuto do Desarmamento, o qual, segundo cálculos do Mapa da Violência, poupou 160.000 vidas desde sua sanção, em 2003. A proposta do deputado deputado Rogério Peninha Mendonça (PMDB-SC) permite o porte de arma para qualquer cidadão acima de 21 anos, diminui os requisitos, barateia as taxas de registro e licença, e aumenta a quantidade de armamento e munição que cada um pode ter em seu poder.
Ao invés de lutarmos por um Brasil mais justo e menos corrupto, que ofereça educação, saúde e transporte público de qualidade, previdência social digna, lazer para todos e uma polícia a serviço da cidadania, preferimos trilhar o caminho aparentemente mais fácil do cada um por si. Só que a história ensina que essa estrada dá em nada, ou melhor, dá sim, mas o resultado nunca é coisa boa...
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