_
_
_
_

Morte por arma de fogo cresce entre negros e cai entre brancos no Brasil

O Mapa da Violência 2015 mostra que negros tem 2,5 mais chance de serem mortos

Gil Alessi
Débora com a foto do filho Rogério, morto em 2006.
Débora com a foto do filho Rogério, morto em 2006.Divulgação

Rogério Silva dos Santos, de 29 anos, havia acabado de fazer uma cirurgia para tirar o dente do ciso. No almoço de Dia das Mães, arriscou comer um pedaço de carne, mas rompeu os pontos e se irritou com a dor na gengiva. Era dia 15 de maio de 2006, ele deu um beijo na mãe e resolveu ir embora. Durante a noite, quando a dor se tornou insuportável, ele saiu para buscar um remédio, mas não voltou. Foi baleado, em circunstâncias até hoje não totalmente esclarecidas, na periferia de Santos, no litoral de São Paulo.

Rogério foi um dos 320.000 negros vítimas de armas de fogo entre 2003 e 2012. Faz parte das estatísticas que comprovam que  os homicídios cometidos à bala no país tem cor, idade e sexo. Se, por um lado, o número de pessoas brancas mortas por arma de fogo caiu 23% entre 2003 e 2012 (de 14,5 mortes por 100.000 habitantes para 11,8), a quantidade de vítimas negras aumentou 14,1% no mesmo período: de 24,9 para 28,5. Apenas em 2012 morreram 2,5 mais negros do que brancos. Os dados são do novo Mapa da Violência 2015, coordenado pelo sociólogo Julio Jacobo, que será lançado nesta quinta-feira.

“Esse acréscimo de mortes entre os negros é lamentável, mas não surpreende”, afirma Martim Sampaio, coordenador da comissão de Direitos Humanos da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil). “As vítimas preferenciais da violência, chacinas e violações cometidas por agentes da lei são as populações pobres, negras e periféricas”, diz. Para o advogado, existe um “genocídio” contra essa parcela da sociedade.

Mais informações
“Nos últimos 20 anos, homicídios no Brasil superam os da guerra no Vietnã”
PM de São Paulo mata duas pessoas ao dia
As armações da polícia que mata
Relatório mostra que a tortura ainda é um método de investigação no Brasil
Promotoria: os 12 do Cabula, na Bahia, foram executados por policiais

Segundo Martins, esses dados desmentem o “mito da democracia racial” no Brasil. “Essa população [negra], apesar de numerosa, é invisível. Se fossem jovens brancos, essas taxas de homicídio provocariam reações fortíssimas”.

Segundo o Mapa da Violência a razão para a disparidade entre os números de mortos brancos e negros tem razões econômicas. “Em teoria, os setores e áreas mais abastadas, geralmente brancas, têm uma dupla segurança: a pública e a privada”, diz o texto. Por outro lado, os “menos abastados, que vivem nas periferias e são preferencialmente negros” precisam se contentar com “o mínimo de segurança que o Estado oferece”. O Mapa da Violência 2015 aponta que as ações de segurança pública distribuem-se de forma “extremamente desigual nas diversas áreas geográficas”, priorizando locais de acordo com o status social das vítimas.

“O Brasil mata na educação, na falta da moradia digna, na saúde, que é uma máquina de matar gente, e na segurança”, afirma Débora Maria da Silva, a mãe de Rogério. Ela é uma das fundadoras do grupo Mães de Maio, formado após as mortes ocorridas em 2006 – muitas das quais com suspeita de envolvimento de policiais. “Não mudou nada desde que meu filho foi morto pela polícia”, diz.

O Mapa da Violência 2015 também aponta qual a idade mais vulnerável às mortes por arma de fogo: do total de 42.416 óbitos por disparo em 2012, 24.882 foram de jovens entre 15 a 29 anos. O número equivale a 59% do total, sendo que pessoas nesta faixa etária são apenas 27% da população brasileira. Enquanto que a taxa de mortalidade de uma pessoa com 30 anos de idade é de 38,7 por 100.000 habitantes, um adolescente com 19 anos tem quase o dobro de chances de ser morto: 62,9. Entre 1980 e a população brasileira cresceu quase 61%, mas as mortes por arma de fogo cresceram 387%. Entre os jovens esse aumento foi ainda maior: 460%. E por fim, o sexo: 94,2% das vítimas de homicídio no país em 2012 eram homens.

Brasil é 11º país do mundo onde mais se mata

Nem o Iraque, que ainda vive a ressaca de um prolongado conflito armado e agora enfrenta a ameaça jihadista, tampouco o México, que sofre com uma guerra entre cartéis rivais de tráfico de drogas conseguiram superar o Brasil no triste ranking da violência. O país ocupa a 11a posição no ranking das maiores taxas de homicídio do mundo: aqui, em 2012, foram 20,7 mortos a cada 100.000 pessoas. No Iraque a taxa está em 6,3, e no México 13,6.

Os dados são do Mapa da Violência 2015 que utilizou como base um levantamento feito pela Organização Mundial de Saúde – os anos analisados varia entre 2008 e 2012. Os últimos colocados do ranking, com taxa de zero homicídios por 100.000 habitantes são o Japão – que registrou 11 homicídios em um ano –, Hong Kong, Marrocos e a Coreia do Sul.

O país mais violento do mundo é a Venezuela, com taxa de 55,4 homicídios por 100.000 habitantes, seguido pelas Ilhas Virgens, com 49,7, e El Salvador, com 45,6. Os dez recordistas de homicídios no mundo estão nas Américas.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_