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Como o Governo Dilma Rousseff chegou ao quadro de paralisia

Primeiro mandato, campanha de reeleição e guerra aberta na Câmara explicam crise

Rodolfo Borges
Dilma no Congresso em 1º de janeiro de 2014, para seu discurso de posse.
Dilma no Congresso em 1º de janeiro de 2014, para seu discurso de posse.Nilson Bastian (Câmara dos Deputados)

Após um primeiro semestre de atritos e derrotas no Congresso Nacional, a presidenta Dilma Rousseff parece ter encontrado um refresco na aproximação com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB). Depois de Rousseff abraçar o controverso plano "Agenda Brasil", apresentado por Calheiros, o Senado conseguiu tomar da Câmara a prerrogativa de julgar as contas do Governo — essa votação vinha sendo interpretada como uma das armas mais poderosas do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), contra a presidenta, por servir de base para um pedido de impeachment. Com essas articulações, assumidas há semanas pelo vice-presidente Michel Temer, Rousseff tenta superar o que o cientista político Paulo Kramer define como "um presidencialismo sem força e um parlamentarismo sem legitimidade", que se estabeleceu no país neste ano. Como Brasília chegou a esse ponto?

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O Governo Dilma Rousseff perdeu o controle da pauta do Congresso Nacional desde que Eduardo Cunha assumiu a presidência da Câmara, em fevereiro. Após infligir uma série de derrotas ao Palácio do Planalto e ser mencionado por um dos delatores da Operação Lava Jato, Cunha decidiu romper de vez com o Governo e, apesar de dizer que não age por motivos pessoais de vingança, resolveu autorizar a abertura de duas CPIs que podem desgastar ainda mais a gestão Dilma.

Paulo Kramer destaca a falta de habilidade política da presidenta Dilma Rousseff na equação dessa paralisia do Governo. "A única experiência política de Dilma era a luta armada. Nunca concorreu a uma câmara de vereadores, a uma assembleia legislativa, ao Senado Federal. Sua [primeira] eleição foi fruto de um momento extremamente positivo, em que o país crescia a taxas de 7,5%", comenta o professor da Universidade de Brasília (UnB). Segundo o cientista político, foi essa falta de traquejo que fez a presidenta perder o que já havia sido considerado "a maior base do Ocidente".

Sem dar a atenção cobrada por sua base no Congresso durante o primeiro mandato, Dilma semeou insatisfação entre os parlamentares, o que preparou o terreno para a eleição de um presidente da Câmara que levantou a bandeira da independência do parlamento. Em um ambiente já hostil, o patrocínio do Palácio do Planalto à candidatura improvisada do deputado Arlindo Chinaglia (PT) contra Cunha seria o ápice na série de erros da articulação política do Governo — a recente saída de PTB e PDT da base ampliou o estrago feito em fevereiro. “Se já ficava claro que as promessas de campanha [à reeleição] não seriam cumpridas e se transformariam em um fator de enfraquecimento do Governo, ela não estava em condições mínimas de influenciar a resultado da eleição na Câmara”, diz Kramer. Por promessas de campanha, o cientista político se refere ao ajuste fiscal conduzido pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que, enquanto candidata à reeleição, Dilma assegurava que era desnecessário.

Economia

Não bastasse a crise com o Congresso, a equipe econômica do primeiro mandato da presidenta, comandada pelo ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, adotou uma política que agora está cobrando seu preço. Para manter os empregos, por exemplo, o Governo fez concessões a empresários quando mudou a forma de cobrança dos encargos da folha de pagamento, a chamada desoneração da folha, em 2011. A queda da receita com essa benesse começou a fazer falta com a economia em baixa. Nesta quarta, o Senado aprovou a volta da cobrança de tributos na folha, uma medida prevista no ajuste fiscal, para garantir o caixa do Governo.

Outra iniciativa polêmica do primeiro mandato foi o choque de queda de juros, iniciando um ciclo de baixa da taxa Selic que durou de outubro de 2011 até novembro de 2013. Dilma manteve a queda apesar das pesadas críticas de economistas sobre o risco dessa operação quando a economia ainda estava aquecida. O efeito colateral era a inflação, que no ano passado fechou no teto da meta de 6,5%, e este ano pode passar dos 9%, ou seja, vai estourar o limite estabelecido pelo Banco Central, algo que não acontecia desde 2003.

A presidenta ainda tentou incentivar empresas a investir ao reduzir a conta de energia, o que também beneficiava o consumidor. As três medidas não alteraram o nível de investimento, e serviram mais para manter empregos, que agora começam a ser cortados. A falta de chuvas reduziu a produção de energia hidrelétrica e o uso de termoelétricas aumentou o custo da conta de luz.

Popularidade

A quebra de expectativas da campanha, que veio acompanhada por aumentos na conta de luz e no preço do combustível após a reeleição, derrubou a aprovação popular da presidenta para menos de 10%. A situação da economia, aliás, também ajuda a explicar a atual crise política em Brasília, já que, na hora de aprovar os ajustes necessários, a base aliada já não parece disposta a colaborar com o Governo. Enquanto o Planalto aponta a situação internacional como explicação para a alta da inflação e a consequente elevação dos juros, seus críticos miram a "nova matriz econômica".

Afora os problemas políticos e econômicos, as investigações e prisões da Operação Lava Jato contribuíram para esquentar ainda mais o clima em Brasília. Além de acertar figuras do PT, como o ex-ministro José Dirceu e o ex-tesoureiro do partido João Vaccari Neto, ambos presos, a Lava Jato acirrou os ânimos de Eduardo Cunha. Após denúncia de que recebeu 5 milhões de dólares de Júlio Camargo, um dos delatores da operação, Cunha resolveu radicalizar e anunciou seu rompimento com o Governo.

O rompimento abriu a fase mais dramática da crise, com o acirramento na condução da "pauta-bomba" na Câmara, com propostas para aumentar o gasto público, e o travamento de medidas do ajuste. A tensão com a base levou o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, a ensaiar um afago ao arqui-inimigo PSDB, propondo inclusive um acordo suprapartidário. O ex-presidente Lula também teria ventilado interesse de conversar com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Mas o gesto de conciliação chegou tarde, segundo FHC. “Tardiamente, círculos petistas se lembraram de que talvez fosse oportuno conversar com os tucanos…", escreveu o tucano em artigo publicado pelo El PAÍS.

Segundo FHC, a disposição para o diálogo dos petistas com a oposição "parece a história do abraço do afogado". “Para dialogar, não adianta se vestir em pele de cordeiro. Fica a impressão de que o lobo quer apenas salvar a própria pele”, disse o ex-presidente, lembrando que, quando dividiu avião com Dilma e Lula para ir ao enterro de Nelson Mandela, em dezembro de 2013, suas propostas por reformas foram recebidas ora com "descaso", ora com "reiteração do confronto". FHC finaliza dizendo que "cabe aos donos do poder o mea culpa de haver suposto sempre serem a única voz legítima a defender o interesse do povo". Dias depois, cobraria a renúncia de Rousseff.

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