Belas Artes, o patrimônio afetivo dos paulistanos
Templo do cinema em São Paulo, o Belas Artes comemora um ano de volta a uma programação de filmes de arte variada e ‘duradoura’

Tem coisas que só o Belas Artes faz por um cinéfilo paulistano. Até três anos atrás, quando o cinema mais emblemático de São Paulo fechou as portas — por um aumento proibitivo no preço do aluguel do imóvel —, era lá que os espectadores assistiam a Medos privados em lugares públicos e a outros hits do cinema de arte, tão alheio às salas de shopping com seus blockbusters. O filme de 2006, dirigido pelo francês Alain Resnais, ficou nada menos que três anos e meio em cartaz na esquina entre as avenidas Paulista e Consolação, e teve 80.000 espectadores.
Quando um dos mais queridos e resistentes cinemas de rua da cidade parou, pararam também muitos corações. A sociedade civil se organizou em prol de sua reabertura, uma parceria público-privada viabilizou um novo patrocínio e André Sturm, que administra a casa, pôde recuperar a prática de deixar um (bom) filme o maior tempo possível em cartaz. Hoje, um ano depois de sua retomada, o agora Caixa Belas Artes tem Relatos selvagens, do argentino Damián Szifrón, em suas telas há quase 40 semanas –e sem previsão de saída.
A comoção popular contra o fechamento do cinema de rua até aumentou seu público. Segundo uma pesquisa realizada pelo cinema em redes sociais, 41% dos frequentadores atuais conheceram o espaço depois das manifestações pela sua reabertura.
Outro trunfo do cinema, dizem seus fãs, é a permanente diversidade de filmes exibidos, que ajudam o público a formar repertório misturando novidades a clássicos e cults. “No Belas Artes, você tem a certeza de uma variedade de títulos brasileiros, europeus, asiáticos, latinos... Costumo pegar um dia da semana para assistir a três filmes de uma vez”, diz o ator Sérgio Mamberti, conhecido por seus papeis na TV e no cinema. “É uma referência que humaniza a cidade. Quanto mais diversificada, mais feliz ela é”, complementa o frequentador das salas da esquina paulistana desde antes de elas virarem o Belas Artes, em 1967.
Sturm confirma que “o desejo é dar aos filmes a chance de encontrar seu público, sempre em busca de diversidade e originalidade”. No último ano, o cinema exibiu 563 filmes de um total de 45 países. Desses, 120 deles são estreias, 37 delas de títulos nacionais, e outros tantos ajudaram a compor oito mostras especiais, 12 cineclubes e 11 edições do famoso e raro Noitão, em que o cinema funciona madrugada afora com uma programação festiva (acompanhada de música, comida e bebida) de três filmes em sequência.
Dia de festa
Neste domingo, 19 de julho, se celebra esse renascimento. Além de ações especiais já em curso em meio à programação do cinema, como um cineclube em homenagem a Ingmar Bergman, e de atrações infantis na parte da manhã, uma agenda especial foi organizada pela Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo e o Movimento Cine Belas Artes a partir das 18h.
Haverá ainda a exibição do inédito Que horas ela volta?, o filme mais recente da diretora paulistana Anna Muylaert – premiado nos festivais de Berlim e de Sundance em 2015.
Junto ao público em geral, o Movimento Cine Belas Artes respira aliviado. Criado em 2011 para lutar contra o fechamento, ele passa a atuar através de um conselho representativo para garantir que o cinema continue garantindo sua cota de diversidade e sociabilidade em São Paulo. E, em parceria com o secretário de Cultura da cidade, Nabil Bonduki, que foi um de seus fundadores, já angariou novas tarefas para si, como a criação de áreas de preservação cultural na cidade, pensando nesse e em outros patrimônios afetivos paulistanos.