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Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

Brasil põe à prova sua democracia

O país tem recursos naturais e humanos para poder sair da crise econômica que o atormenta

Juan Arias

O Brasil não é a Venezuela nem tampouco a Grécia, embora haja analistas políticos que alertem para a fragilização da democracia do país. Não existem, de fato, democracias para sempre. Elas são conquistadas a cada dia.

Um dos pilares que ajudou o Brasil a crescer e que lhe outorgou respeito internacional foi a consolidação, passo a passo, de suas liberdades democráticas, depois da ditadura militar. Diante da imagem de muitas democracias frágeis dentro do continente e de tentações autoritárias na velha Europa, o Brasil sempre foi visto, apesar de seus desequilíbrios sociais e de seus altos índices de violência, como uma sociedade na qual os poderes do Estado têm funcionado sem sobressaltos e com liberdade.

Hoje é assim? Não é segredo que o país atravessa uma de suas mais graves crises, como destacam editoriais de importantes meios de comunicação nacionais e estrangeiros. Uma crise que não é só econômica, mas também e, talvez, sobretudo, política e ética.

O Brasil tem recursos naturais e humanos para poder sair da crise econômica que o atormenta e que parece agravar-se a cada semana com a multiplicação dos índices negativos de crescimento do PIB, inflação, juros, redução da atividade industrial e desemprego.

Da crise econômica é possível sair com um novo modelo de crescimento capaz de reparar os danos sofridos por políticas erradas e pecados de desperdício de recursos públicos ou de um excesso de nacionalismo. Basta querer.

Mais difícil parece ser superar o momento político que se apresenta cada dia mais emaranhado, azedado, imprevisível e até perigoso.

Um país com um governo tão frágil que nem sequer é apoiado por seu partido, o PT, nem pelo maior aliado, o PMDB. Um governo criticado duramente até pelo ex-presidente Lula, com uma presidenta como Dilma, com 9% de apoio popular -- de quem se pede a saída todos os dias na rua, nos palácios do poder econômico e nas redes sociais--, corre o perigo de ver sua democracia minada.

Até a mais sólida das democracias acaba degenerando em tirania quando a oposição é despojada do seu papel fundamental de vigiar 

Há quem se pergunte como um país da envergadura do Brasil pode continuar a legislatura inteira (iniciada há apenas seis meses) com essa espada de Dâmocles por cima exigindo uma mudança que não pode ocorrer a não ser pelas vias democráticas.

Jornais sérios, como o Valor Econômico, explicam as supostas manobras do PMDB, o partido mais importante da coalizão de Governo, para apear Dilma do poder. Personagens como Lula tacham o Governo de mudo, incapaz de reagir e afirmam que Dilma está politicamente morta.

Por sua vez, a presidenta afirma que não deixará a cadeira e desafia os que pretendem isso com um “venha tentar”.

Enquanto isso, a explosão do vulcão da corrupção na Petrobras ameaça chegar à praia do Palácio Presidencial com a possibilidade de que a mandatária, com seu padrinho Lula, possa ser denunciada por ilegalidades que a obrigariam juridicamente a perder o cargo. E é certo que em 16 de agosto os muitos e poucos cidadãos que sairão à rua convocados pelos movimentos de descontentes com o governo voltarão a gritar “Fora, Dilma!”.

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Tudo isso poderia entrar no jogo democrático e em muitas ocasiões essas crises servem até para fortalecer a democracia, como ocorreu com o caso Collor, em que triunfou o desejo democrático da sociedade.

O perigo de hoje no Brasil é que está sendo posto em discussão, talvez pela primeira vez, um papel indispensável para a solidez de uma democracia, que é o da oposição.

O Brasil tem, com efeito, pouca consciência de que, em uma democracia, tão importante ou mais que o papel do Governo é o da oposição, à qual se tenta, às vezes, ver como inimiga da democracia.

Até a mais sólida das democracias acaba degenerando em tirania quando a oposição é despojada do papel fundamental de vigiar, controlar e denunciar o governo quando considera que se desviou do mandato recebido nas urnas, ao mesmo tempo que o de organizar-se para chegar ao poder com programas alternativos que deverão ser julgados pela sociedade.

O fato, por exemplo, de que seja tachado de “golpe” a ação da oposição, que exige prestação de contas ao Legislativo, não é mais do que o desejo de deixá-la de mãos atadas e demonizá-la.

Até agora ninguém foi capaz de demonstrar, por exemplo, que o maior partido de oposição, o PSDB, que hoje venceria amplamente nas urnas até mesmo um candidato invencível como Lula, tenha planejado algum tipo de golpe inconstitucional. Quando muito se poderia dizer que, dada a grave crise global que vive a sociedade brasileira, a oposição está mais para tímida e até excessivamente respeitosa.

Sem dúvida, algo que o PT não deveria esquecer, já que ele e seu líder maior, Lula, com os sindicados e os movimentos sociais, exerceram uma oposição sem trégua ao governo democrático do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, e pedia nas ruas, dia sim, dia não, sua saída do Governo. E ninguém então o tachou de golpista, e ele conseguiu chegar ao poder.

O Governo tem que governar e à luz do sol. Quando fracassa, a culpa é só sua

O Brasil tem hoje a sorte de que a sociedade não exige nas ruas soluções extremistas ou revolucionárias para a crise. Não surgiram nem sequer partidos novos antipoder nem de extrema esquerda nem de extrema direita ou inimigos da democracia. Nem tampouco candidatos aventureiros.

Todas as soluções que se apresentam a partir da oposição não podem ser mais conservadoras, todas elas dentro do quadro das democracias tradicionais que preveem alternativas de poder como antídoto contra a corrupção de governos eternizados no poder.

Às vezes até parece que a crise de que o Brasil padece é culpa da oposição, como se tenta demonstrar a um eleitorado menos informado. Mas é culpa do PSDB que o Brasil acabe o ano em recessão e com uma inflação de 9% ou com as maiores taxas de juros do planeta ou com o fantasma do desemprego assombrando os trabalhadores?

É culpa da oposição a corrupção que tem sangrado a Petrobras, o enfraquecimento da indústria, a perda de confiança dos empresários no Governo ou a falta de investimentos? Ou que acabem não decolando os projetos de criação de infraestrutura, que morrem velhos sem ser concluídos?

Uma democracia de verdade tem suas regras fundamentais. O Governo tem que governar, e à luz do sol. Quando fracassa, a culpa é só sua, não da oposição, cuja função é desmascarar as artimanhas do poder quando beira a ilegalidade.

Não é golpe exercer até com dureza o papel de oposição. Golpe é, quando muito, o que fazem às vezes nas sombras os que têm a responsabilidade de prestar contas à sociedade sobre como se empregam seus impostos e que levam a cabo manobras pouco ortodoxas para se manter a qualquer custo no poder.

Quanto mais a crise se alongar e gangrenar, mais a democracia estará em perigo. É dever da oposição não deixar que a situação chegue a degringolar, seja por medo de exercer seu papel ou por não saber encontrar soluções alternativas que convençam uma sociedade desmoralizada e desiludida.

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