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Vídeos de celular transformam o debate racial nos Estados Unidos

Gravações de testemunhas mostram abusos policiais

Manifestantes em McKinney, na segunda-feira, contra a “brutalidade policial”.
Manifestantes em McKinney, na segunda-feira, contra a “brutalidade policial”.MIKE STONE (REUTERS)

As cenas variam, mas em todas as vítimas são pessoas negras desarmadas e os agressores, policiais.

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Os acontecimentos em plena luz do dia dificilmente seriam conhecidos se um transeunte não tivesse gravado com seu celular. A sequência se repete nos últimos meses em todos os Estados Unidos: a difusão do vídeo se transforma em um fenômeno na Internet, a indignação se espalha e o vídeo serve como prova para que as autoridades investiguem.

O último caso aconteceu na sexta-feira em McKinney (Texas): um policial branco tirou seu revólver, imobilizou e repreendeu vários adolescentes negros que saíam de uma piscina em um bairro de maioria branca.

Uma adolescente gravou a cena e, desde que no domingo as imagens se tornaram públicas, foi reaberto o debate sobre os métodos policiais e a discriminação racial. O policial foi suspenso e nesta terça-feira apresentou seu pedido de demissão. Sua atuação está sendo investigada.

No final de abril, aconteceu em Baltimore (Maryland) com a prisão de Freddie Gray, de 25 anos, que foi arrastado por vários policiais até uma viatura. Uma semana depois morria por uma lesão cervical.

Um transeunte gravou de longe a cena, na qual se podia ouvir Gray gritando de dor. Sua morte desencadeou vários dias de protestos e distúrbios na cidade. Seis policiais estão processados.

Antes, no princípio de abril o lugar foi North Charleston (Carolina do Sul) e a vítima, Walter Scott, de 50 anos. Enquanto fugia correndo depois de ser parado por um policial branco por estar com uma lâmpada do carro quebrada, o policial disparou oito vezes pelas costas e o matou.

Foi capturado com seu celular por uma testemunha, que estava parado em perpendicular ao policial e que não conseguiu controlar seu nervosismo pelos disparos. O policial está processado.

E em julho, morreu Eric Garner, de 43 anos, vendedor ambulante de tabaco em uma rua de Staten Island (Nova York) depois que um policial branco aplicou uma chave de braço, procedimento proibido, enquanto ele gritava: “Não consigo respirar”. Um amigo de Garner, que estava perto dele, gravou de perto a cena.

O caso passou desapercebido até que no mês seguinte o afro-americano Michael Brown, de 18 anos, faleceu com pelo menos seis disparos de um policial branco em Ferguson (Missouri).

A morte de Brown levou a uma onda de protestos e um debate nacional sobre como a polícia trata a comunidade negra. Cada vez que um vídeo é divulgado, o debate reaparece. Que um negro desarmado morra por tiros de um policial não é algo insólito nos Estados Unidos. Acontece agora como acontecia há dez ou vinte anos.

Mas o caso de Ferguson se transformou em um símbolo e desde então o questionamento é maior. Os avanços tecnológicos influenciam – a expansão dos celulares e da possibilidade de compartilhar um vídeo no ato nas redes sociais – e o contexto atual: há um maior interesse de meios de comunicação, políticos e ativistas sobre a desconfiança dos negros em relação à polícia.

Ferguson forçou também que mais departamentos de polícia decidam colocar câmeras de vídeo nos uniformes de seus agentes. A família de Brown começou uma campanha para fomentar o uso de câmeras e a Casa Branca, um programa de ajudas para adquiri-las.

Uma gravação teria resolvido a dúvida de por que o agente atirou contra o jovem. A desinformação alimentou os protestos. O amigo que acompanhava Brown afirma que ele levantou os braços antes de receber os disparos mortais – esse gesto se transformou em um ícone –, mas uma investigação do Departamento de Justiça colocou essa versão em dúvida. Um júri se recusou a processar o policial ao considerar – através de testemunhas e provas – que ele atuou em defesa própria ao sentir-se ameaçado pelo jovem.

As câmeras policiais, no entanto, não são a panaceia. Muitos departamentos de polícia não possuem protocolos sobre como empregá-las nem o que fazer com esses dados. E a existência de um vídeo não tem porque ser determinante na investigação de um acontecimento. Um júri inocentou o agente que matou Garner em Staten Island apesar da eloquência do vídeo em que se podia ver como ele morria asfixiado.

O certo é que os vídeos concedem poder aos dois lados. Ampliam a capacidade de denúncia dos cidadãos e de defesa dos policiais. Saber que está sendo gravado faz com que, teoricamente, um policial evite excessos. O mesmo acontece do outro lado. Em Ferguson, em novembro, nos protestos depois da não imputação do policial que matou Brown, os manifestantes gravavam com seus celulares a fileira de agentes que os vigiavam enquanto os agentes faziam o mesmo com os manifestantes.

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