Os ‘indignados’ da Espanha avaliam seu legado quatro anos depois
Os protestos de 2011 resultaram em novas opções políticas, como o partido Podemos
Madri pegou a política de surpresa. Quis chegar à praça Porta do Sol, e acabou conquistando-a. Quando o marketing eleitoral dos partidos monopolizava o discurso político, a cidade mobilizou-se na praça para levantar a voz. A campanha eleitoral foi interrompida diante de uma multidão de jovens que queriam debater e, sobretudo, protestar. O movimento dos indignados da Espanha sacudiu o espaço público para questionar as estruturas que, quatro anos depois, sentem o impacto. Nas ruas da capital e nas réplicas que sacudiram a Espanha e outros países, falava-se de conquistar a transversalidade, de superar a dicotomia esquerda-direita, de mudar o mundo... “Os jovens tomaram as ruas e de repente todos os partidos envelheceram”, disse o cartunista El Roto.
E assim aconteceu. Nesta sexta-feira, os espanhóis lembram os quatro anos do movimento 15-M (como lá ficou conhecido) em um país que, em tão pouco tempo, mudou. Como naquela época, a Espanha está prestes a realizar eleições regionais e gerais, mas dessa vez novas opções políticas se apresentam. O partido Podemos, consequência direta daquele período de protestos massivos, é o principal exemplo disso. "Nossas propostas estão em muitos dos programas políticos", diz um dos ativistas.
E tudo começou em 2011. Há quatro anos.
“Ali nasceram novas políticas”
O emprego de Chema Ruiz, de 41 anos, desapareceu à medida que o rosto desse ativista era reproduzido nos jornais e na televisão. A multinacional austríaca na qual trabalhava como agente comercial lhe deu um ultimato depois dele ter se tornado uma das caras do 15-M: “o trabalho” ou a rua. Ele escolheu a rua. Optou por continuar a luta social, para “poder olhar, dentro de alguns anos, sua filha nos olhos e dizer-lhe que estava tentando mudar a sociedade”. Apesar dessa escolha ter lhe condenado depois ao desemprego e a trabalhos precários. Mas não se arrepende. “Aquilo foi espetacular. Fizemos história. Demos um golpe e a cidadania despertou”, afirma quem passou por toda agitação como o porta-voz da Plataforma de Afetados pela Hipoteca (PAH) de Madri, que se uniu ao Escritório da Habitação do 15-M, e participou da criação da plataforma Democracia Real Já!
Ruiz chegou como muitos de seus companheiros: indignado “pela falta de transparência, pela partidocracia, pela corrupção”. Havia saído da política decepcionado, depois de ser vereador pela Esquerda Unida (IU) em sua cidade, Torres de la Alameda (Madri). E há anos havia se conformado. “Aqueles que vieram de outras lutas não pensavam que o movimento teria aquela força.” Mas teve. “O 15-M demonstrou que é possível mudar as coisas a partir de baixo. A PAH é o exemplo perfeito”, destaca o madrilenho, que afirma: “Ali nasceram novas opções políticas. E obrigou as forças tradicionais a fazer mudanças, a responder. Agora, nossas propostas estão em muitos dos programas políticos”. Por isso, Ruiz lembra aqueles dias com orgulho, apesar das broncas que levava de sua companheira por passar todo o dia fora. “Minha filha me defendia. Dizia a ela que eu não era tão ruim, que só queria mudar o mundo.”
“Permitiu a repolitização das pessoas”
Jon Aguirre Such acredita que seria preciso inventar uma nova palavra para definir o 15-M de forma precisa. “Foi um estado de espírito, um movimento, muito mais do que um acontecimento...”, lembra agora este urbanista, que tinha 26 anos e estudava arquitetura quando se abraçava com força e raiva em 17 de maio de 2011, depois de conseguir o inesperado, lotar a praça Sol. “Permitiu a repolitização das pessoas”, destaca ao lembrar desse “momento histórico” do qual surgiram “novas maneiras de articular a política”. Tomaram as ruas para gritar que a política não era monopólio dos partidos, mas que afeta a todos.”
“Sob o calor do 15-M” nasceu depois um ecossistema de assembleias, de movimentos... “E outro resultado foi o surgimento de novos partidos que bebem da ideologia das formas de fazer política que existiam na [Porta do] Sol. Alguns, como as plataformas municipais que surgiram nestas eleições, têm mais conexão do que outros”, acrescenta o então porta-voz da Democracia Real Já! durante os protestos. Na época se esforçava em explicar que propunham um novo modelo: “O 15-M sugeria estruturas que iam além da política convencional”.
“A herança é uma cidadania desperta”
No acampamento do 15-M na praça Porta do Sol de Madri nem todos eram jovens em dificuldade ou recém-formados. Adultos também se indignaram, como Luis Echaves, que então tinha 50 anos e se uniu à organização do movimento. Ele decidiu participar quando viu o primeiro despejo do acampamento. Era agosto de 2011. Por sua experiência (tinha uma empresa de comunicação), entrou na coordenação de comunicação, cujo trabalho era quase impossível, segundo seu relato, porque no 15-M a ideia geral era a de que não era preciso comunicar nada. “Alguns perceberam depois que perdemos essa batalha.”
O 15-M tinha um caminho que com o tempo tinha que ser percorrido
Quatro anos depois, refletia sobre tudo o que havia acontecido. “O 15-M era um estado de opinião, um estado de espírito. Tinha um caminho que com o tempo tinha que ser percorrido”, opina. Luis trabalhou por um longo ano com eles. “Depois me desliguei, tinha que trabalhar, pagar as contas. Além disso, percebi que o mainstream (o poder popular) já não estava mais ali. Por um tempo senti que aquilo tinha estrutura, tinha fôlego. Mas um dia deixou de ter esse impulso. Pensei: Isso não vai a lugar nenhum, é uma gota no oceano.”
Dessa experiência mantém bons amigos com os quais fala de política. “O Podemos veio dali, estão tentando canalizar aquela indignação. Não são os herdeiros daquilo, mas não temos outra coisa melhor”, reflete. Para Luis, o 15-M conseguiu algo fundamental: “Que a cidadania esteja atenta à coisa pública. A herança do 15-M é a atitude vigilante em relação à política, uma cidadania desperta”, conclui.
“Quase todo o 15-M está agora no Podemos”
“Agora estou no Podemos, em um grupo de Madri. Praticamente todo o 15-M está no Podemos”, diz Asun Lasaosa, de 54 anos, editora, que agora recebe pensão por doença. “Há alguns que se consideram mais do 15-M que do Podemos e não aceitam uma estrutura vertical, com um líder”, relata outra adulta indignada, que não por ser menos jovem se livrou das piores consequências do 15-M: a repressão policial. E recorda o episódio com perfeição. “Um dia, a polícia me bateu muito. Foi na posse de Gallardón como prefeito de Madri. Sentamos em protesto em uma zona por onde o carro de Gallardón sairia do Palácio de Cibeles. Quando quiseram nos levantar do chão, um policial veio por trás e me deu dois chutes no rim. Também torceram meu tornozelo. Tive que andar um tempo em cadeira de rodas. Denunciei as lesões, mas, quando chegou a hora do julgamento, desisti porque não tinha ânimo”, recorda.
O ‘grito mudo’ é uma das coisas mais emocionantes que vi na vida.
Depois disso, ela demorou para voltar às manifestações —até o protesto que rodeou o Congresso em 25 de setembro, um ano depois. Asun acredita que os integrantes do Podemos que a chamaram para entrar no partido conseguiram seus dados porque ela participou dessa manifestação. “As pessoas recebiam em suas casas quem vinha de fora para participar do protesto. Era preciso preencher uma ficha com os dados pessoais, e acho que dessa forma eles pegaram meus dados e me convocaram à primeira reunião do Podemos.” Chegou assim, convocada, ao partido de Pablo Iglesias. “Um dia de fevereiro do ano passado, recebi um telefonema dizendo que tinha sido criado um movimento político surgido do 15-M. Fui lá sem saber muito bem o que era, mas gostei do que ouvi, e estou até hoje.”
“Nos fez entender que a crise não era um fenômeno natural”
“O 15-M foi o evento político mais importante deste país desde a Transição”, afirma sem rodeios Pablo Padilla, de 26 anos, um dos líderes do 15-M que faz parte da organização Juventude sem Futuro. “O 15-M impregnou toda a esfera política de nosso país. Modificou o senso comum de nossa sociedade, nos fez entender que a crise não era um fenômeno natural, mas algo provocado por determinadas políticas.” Também conseguiu, em sua opinião, “fortalecer e consolidar uma sociedade civil densa e o surgimento de novas ferramentas institucionais para cristalizá-la”. Entre elas, cita o Podemos e as candidaturas cidadãs, que não são exatamente o 15-M porque este era “apartidário”.
A Juventude sem Futuro, além disso, continuou funcionando: um ano depois do acampamento criaram o “escritório precário” no qual oferecem aconselhamento jurídico gratuito àqueles que se veem vulnerados em seus direitos trabalhistas. Também desenvolvem campanhas para “demonstrar os verdadeiros efeitos da reforma trabalhista” e fazem “escrachos precários” através das redes sociais, nos quais denunciam a fragilidade das leis trabalhistas. Pablo, sociólogo de profissão embora nunca tenha assinado um contrato que tivesse durado mais de três meses, é agora candidato do Podemos pelo governo regional de Madri. Está no quinto lugar da lista. “O 15-M se transformou. Abriu uma porta enorme à participação política. Agora há um caldeirão de atores políticos. O 15-M penetrou e mergulhou em tudo, é só você olhar as tentativas dos partidos tradicionais em promover uma regeneração política.”
Do 15-M ela guarda o “grito mudo” —quando a praça emudeceu à meia-noite para uma jornada de reflexão. “É uma das coisas mais emocionantes que vi na vida.”
“O 15-M evoluiu”
Eric Sanz de Bremond, de 31 anos, advogado, pertence a uma das poucas comissões do 15-M que permanecem ativas quatro anos depois. É a comissão jurídica, que nasceu para dar cobertura legal ao acampamento e que continua defendendo, nos tribunais e na Administração, todos os que foram repreendidos por participar em manifestações e protestos.
Segundo seus dados, só em Madri, 1.170 pessoas foram punidas desde 2011. A comissão na qual participa se encarregou da defesa de 491 casos de multas, que resultariam em 174.257 euros (590.000 reais). Desse total, conseguiram anular 210; 47 mediante sentenças e oito —sempre de acordo com seus dados— por vulnerar direitos fundamentais. As mais comuns eram por desobediência, perturbação da ordem pública e distúrbios graves. Mas o grupo não de dedicou apenas à defesa legal dos acusados, mas também denunciou abusos da polícia, como agentes da tropa de choque sem o distintivo visível ou policiais encapuzados no momento de interrogar os detidos durante os protestos.
“Restaram muitas coisas do 15-M, as comissões, as assembleias de bairro, os escritórios em apartamentos em Madri, o grupo 15MpaRato, as candidaturas municipais...”, destaca o jovem advogado. “Muitas iniciativas sociais e políticas são a evolução lógica do 15-M. O 15-M nunca foi um agente político, mas um clima social que foi evoluindo.” Quatro anos depois, Eric continua trabalhando no grupo jurídico dos indignados, onde encontrou o que buscava: “Um espaço que me permite aprender coletivamente no âmbito jurídico e lutar pelo o que acredito com minha profissão”.
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