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Por risco de câncer, Colômbia veta fumigação para erradicar coca

Governo freia pulverização aérea usando glifosato, prática patrocinada por anos pelos EUA

Fumigação aérea sobre cultivos de coca no sul de Colômbia.
Fumigação aérea sobre cultivos de coca no sul de Colômbia.EFE

A decisão da Colômbia de suspender as fumigações de plantações de coca com glifosato, um herbicida considerado pela Organização Mundial da Saúde como um possível causador de câncer, representa uma mudança profunda na luta contra as drogas na Colômbia, ainda mais pelo fato de os EUA considerarem que essa substância é segura. Washington, principal parceiro de Bogotá na luta contra o narcotráfico, apoiou com investimentos milionários o Plano Colômbia, que incluía essas pulverizações em sua estratégia. O Conselho Nacional de Entorpecentes da Colômbia (CNE), que comunicou sua decisão na quinta-feira, acolhendo a sugestão do presidente do país, Juan Manuel Santos, anunciou que criará um comitê que num prazo máximo de um mês terá de “ajustar a política contra as drogas à realidade decorrente da suspensão” das fumigações.

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Santos já havia apontado nessa direção no sábado, quando falou em eliminar a coca manualmente, algo que coincide com os acordos parciais a que o seu Governo chegou com a guerrilha das FARC, que se comprometeu, se firmada a paz, a romper todos os vínculos com o narcotráfico. Esse acordo parcial, quando definido, foi celebrado pelos Estados Unidos.

Isso significa que a Colômbia apostará numa guinada na luta contra as drogas, apesar da defesa que os EUA fazem do herbicida. O impacto dessa decisão começará a ser sentido quando a proibição for posta em prática, o que levará um par de meses enquanto são feitos os ajustes na regulamentação para proscrever as fumigações das plantações de coca com esse herbicida.

“Vai haver um novo foco na política para reduzir a oferta de drogas e atacar os elos da cadeia do narcotráfico que realmente são importantes”, explica Daniel Mejía, diretor do Centro de Estudos sobre Segurança e Drogas da Universidade dos Andes, que não acredita que isso vá provocar tensão na relação com os EUA. “Eles têm de entender que é uma decisão soberana. Não vão perder o principal aliado na região, já que a Colômbia apresenta evidências de que as pulverizações não funcionam e causam mais danos e custos para a saúde.”

Aumento dos cultivos

A pergunta que surge agora é qual método substituirá o herbicida, levando em conta que no último ano os cultivos ilícitos cresceram – segundo o Governo colombiano, 20%, para a Casa Branca, 39%. O embaixador dos EUA na Colômbia, Kevin Whitaker, saiu em defesa do uso da controversa substância, afirmando que a maior parte da redução nos cultivos da coca se deve ao programa de fumigação aérea. Ainda assim, esclareceu que seu país respeitará a decisão da Colômbia e continuará trabalhando para combater o narcotráfico e o crime transnacional. “Contamos com outras ferramentas, embora menos eficazes”, disse ele.

Para o embaixador Whitaker, o aumento das plantações se deve ao fato de o Governo ter suspendido no ano passado a pulverização em algumas zonas. Mas a Comissão Assessora da Política de Drogas, criada pelo presidente Santos, diverge dessa posição e qualifica a fumigação aérea como pouco eficaz porque há altas taxas de replantio e migração dos cultivos.

O ministro da Justiça, Yesid Reyes, explicou que suspender o uso do herbicida significa deixar para trás somente uma das ferramentas usadas na luta contra as drogas, mas que esse vazio tem de ser preenchido. “A ideia do Estado não é renunciar à luta contra as drogas nem diminuir a força com que ela vem sendo travada”, disse a órgãos da mídia local. Os métodos para combater a produção, um dos elos da cadeia do narcotráfico, podem incluir desde a utilização de novas substâncias herbicidas até a intensificação da erradicação das plantas manualmente.

No entanto, para o analista Mejía, a erradicação manual é muito difícil neste momento por causa dos problemas de segurança das pessoas que participarem da remoção das plantas, já que há minas deixadas nas zonas de cultivo. “Não podemos redigir uma política que seja ainda mais custosa do que a própria fumigação aérea. Há alternativas, como combater outros elos da cadeia do narcotráfico”, disse esse especialista.

O que haverá, para alguns peritos, é um caminho de incertezas. “Sabemos que a pulverização deixará de ser feita, mas não temos muita certeza de como será ajustada a política de drogas e o que definirá seu destino”, diz Juan Carlos Garzón, pesquisador colombiano do Woodrow Wilson Center, que avalia que o verdadeiro caminho será suspender a erradicação das plantações e concentrar a luta nos fatores que influíram para que em determinadas regiões do país, onde o Estado não está presente, a economia ilegal se tenha consolidado. “Agora virá uma etapa de teste da capacidade do Estado de responder nas zonas nas quais a única resposta era passar com uma avioneta e fumigar.”

Embora a decisão da CNE somente tenha recebido um voto contrário, esse anúncio não deixa de ser polêmico. O procurador Alejandro Ordóñez previu que “o país vai nadar em coca”. Para o ex-presidente Álvaro Uribe, o maior opositor político de Santos, a medida obedece a uma “exigência” da guerrilha na mesa de negociação.

O pacto sobre drogas com as FARC em Cuba

O acordo sobre drogas ilícitas firmado entre o Governo e as FARC no âmbito dos diálogos de paz, em maio de 2014, para buscar uma solução para o narcotráfico deixa sobre a mesa que, uma vez se chegue ao fim do conflito, o Estado se concentrará na substituição voluntária de plantações, deixando de lado as fumigações, mas ressalva que o Governo se reservará o direito de seu uso em zonas onde não houver cooperação.

Por isso a decisão de suspender as fumigações com glifosato –neste caso, fazendo uso do “princípio de precaução”, por causa do risco que pode representar à saúde– foi respaldada pela guerrilha. Assim deixou claro dias atrás seu negociador em Cuba, Carlos Antonio Lozada, que qualificou a decisão como um passo “para o bem de todo o país”.

Por isso também que os opositores do processo de paz, como o ex-presidente Uribe, têm criticado a medida como uma concessão às FARC, algo que o presidente Santos rechaça. “Nós dissemos mil vezes, está nos textos que pactuamos com as FARC, que nós não renunciávamos ao uso das fumigações e do glifosato. Isso não tem pé nem cabeça, que se diga já: isso não significa uma concessão às FARC”, disse Santos no início da semana.

Para o analista Daniel Mejía, esse tipo de crítica demonstra a enorme polarização política do país. Ele lembrou que a decisão levada adiante pelo presidente responde a um pedido da Corte Constitucional, que estipulou que o uso do glifosato deveria ser suspenso se fosse demonstrado que representava um risco para a saúde. Não são poucas as denúncias de moradores expostos a esse herbicida que o relacionam com problemas na pele e até com abortos.

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