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A dengue explode em São Paulo enquanto no Rio quase desaparece

A capital paulista monta tendas para atender doentes, enquanto que o sucesso carioca é atribuído a boas práticas de prevenção e histórico local da doença

Felipe Betim
Tenda de atendimento em Jaraguá, na zona norte de São Paulo.
Tenda de atendimento em Jaraguá, na zona norte de São Paulo.c. de souza (agência estado)

A cidade de São Paulo consegue juntar o melhor de um país desenvolvido com cenários típicos de uma nação miserável: seca e falta de água, chuvas e inundações, e uma epidemia de dengue, doença que pode ser prevenida com medidas básicas. Para completar este panorama, o município ganhou nas últimas semanas grandes tendas para o atendimento de milhares de pacientes com os sintomas desta doença. Em uma delas, instalada ao lado da Unidade Básica de Saúde de Vila Palmeiras, dezenas de pessoas já esperavam às oito e meia da manhã desta quinta-feira para ser atendidas. Rostos abatidos. Olhos semiabertos. Cansaço. Aguardavam sentados em cadeiras de plástico dentro desta estrutura metálica, coberta por um lona branca. Outros, seja por falta de lugar ou pelo frio do ar-condicionado, preferiam esperar do lado de fora. “Durante toda a semana estive com muita febre e dor de cabeça. Até que ontem não conseguia levantar”, conta Leori, de 32 anos.

Este cenário não é exclusivo de São Paulo, uma vez que todo o Brasil tem vivido uma nova epidemia de dengue neste ano, sem que os especialistas no assunto saibam os motivos concretos. Mas um detalhe chama a atenção com relação as duas maiores cidades do país: São Paulo (11,3 milhões de habitantes) segue a tendência nacional e já contabilizou 31.980 casos entre janeiro e abril (até agora, 8.063 deles foram confirmados autóctones, ou seja, contraídos no município) e quatro mortes pela doença, em contraste com os 7.861 casos no mesmo período do ano anterior; já o Rio de Janeiro (6,3 milhões de habitantes) registrou 1.080 casos.

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Os especialistas apontam para vários fatores, mas dois deles podem ter sido determinantes: o próprio ciclo da doença nesses territórios, cuja incidência sofre grandes variações em determinados anos, e os trabalhos de prevenção que vêm sendo realizados pelas prefeituras e os próprios cidadãos. Dessa forma, a cidade maravilhosa caminha para mais um ano de baixa incidência, depois de dois anos seguidos de queda: 130.412 casos 2012, 66.278 em 2013, e 2.649 em 2014, segundo a Prefeitura.

Enquanto isso, a cidade de São Paulo vem mostrando ser a face mais visível da epidemia nacional (460.500 casos confirmados até o dia 28 de março no Brasil, 227,1 por cada 100.000 habitantes, um aumento de 240% com relação ao mesmo período do ano passado). Na capital, a prefeitura teve que instalar nas últimas semanas quatro tendas de apoio na zona norte, onde se concentra até 38% dos casos, para atender os pacientes, já que o sistema público de saúde transbordou. Para as próximas semanas, promete instalar outras quatro tendas, além de convocar 50 soldados do Exército (desarmados) para entrar em residências junto com agentes sanitários para combater focos da dengue, segundo anunciou nesta quinta-feira o prefeito Fernando Haddad (PT). “Queremos usar esses profissionais mais qualitativamente. Porque, em alguns bairros, sobretudo onde há muita violência, a pessoa às vezes se recusa a abrir as portas para a Vigilância Sanitária”, disse.

Nestas tendas, que podem chegar a atender a mais de 500 pessoas por dia, a paciência tem que ser infinita. Mas poucos reclamam. “Sentia muito frio de noite, chegava a tremer, e tinha ânsia de vomito. Tive que esperar bastante, mas me atenderam muito bem e já fui medicado”, comenta o mecânico Rosildo, de 56 anos, depois de sair da estrutura montada em Vila Palmeiras. Já a auxiliar administrativa Joana, de 53, diz que, depois de chegar as "quatro da manhã para conseguir uma das primeiras senhas", foi "bem examinada", realizou um exame de sangue e que, em poucos minutos, já teria em suas mãos o resultado.

Eles só irão saber se realmente tiveram dengue em alguns dias, mas todos fizeram este exame para que, em alguns minutos, fosse identificado o nível de plaqueta —quanto mais baixo, mais provável que tenha contraído a dengue. Uma vez identificados os sintomas, todos saíram medicados e, principalmente, com um copo de água na mão. “Uma das principais medidas é a hidratação, que tem que ser realizada de acordo com o peso do paciente”, indica Ana Freitas, médica do Instituto de Infectologia Emilio Ribas.

A epidemia no Estado de São Paulo

O mosquito Aedes Aegyptib aterrissou em todo o Estado de São Paulo. O Governo do Estado confirmou 167.165 casos entre janeiro e abril, enquanto que o Ministério de Saúde, que conta tanto os casos confirmados quanto os notificados, calculou que 257.809 pessoas foram infectadas, o que significa uma taxa de incidência de 585,5 casos por 100.000 habitantes. Em 2014, ainda segundo o Ministério, foram 35.141 casos (79,8 por 100.000 habitantes).

Em números absolutos, é o Estado com mais infectados neste ano; em termos proporcionais, só perde para o Acre (882,5 casos por 100.000 habitantes). Em todos as unidades da federação a incidência aumentou.

Ainda que a dengue tenha explodido na cidade de São Paulo, é no interior que a situação está mais dramática. Segundo o Ministério de Saúde, dos dez municípios com maior incidência da doença em todo o país, oito estão em São Paulo:

  • Trabiju - 236 casos, 14.303 por 100.000 habitantes;
  • Paraguaçu Paulista - 6.121 casos, 13.738 por 100.000 habitantes;
  • Estrela d'Oeste - 974 casos, 11.513 por 100.000 habitantes;
  • Florínia - 255 casos, 9.039 por 100.000 habitantes;
  • Catanduva - 10.741 casos, 9.037 por 100.000 habitantes;
  • Mogi Guaçu - 3.413 casos, 2.335 por 100.000 habitantes;
  • Sumaré - 5.683 casos, 2.166 por 100.000 habitantes;
  • Sorocaba - 12.416 casos, 1.948 por 100.000 habitantes;

Ainda assim, o executivo do tucano Geraldo Alckmin insiste em que não existe epidemia no Estado, e que está restrita a 50% dele.

Além da crise hídrica, que fez com que várias pessoas armazenassem água em casa, muitas vezes sem os devidos cuidados, o professor Newton Madeira cita outro fato observado no interior do Estado: "Tivemos uma época muito seca, as plantas perderam muitas folhas, e muitas caíram em calhas ou canos de laje. Ficou entupido e, quando choveu, acumulou água. E não estávamos preparados para ver calhas ou lajes, então vários criadouros foram formados".

Dos 31.980 casos que a cidade de São Paulo notificou, até agora 8.063 foram confirmados autóctones (contraídos no município). Isso quer dizer que uma grande parte dos infectados na cidade contraíram a doença enquanto circulavam.

Em todo o país, o número de casos entre janeiro e abril subiu de 135.397 casos (66,8 por 100.000 habitantes) para 460.502 (227,1 por 100.000 habitantes).

Mas por que os cidadãos de São Paulo tem que conviver diariamente com a ameaça dessa doença enquanto que, no Rio, ela quase já não existe?

Não existe consenso nessa área. Vários especialistas coincidem em que o verão deste ano vem apresentando temperaturas mais altas que o do ano passado, o que contribui para uma maior procriação do mosquito. “Em temperaturas mais altas, o ciclo de vida de uma lava pode passar de dez dias a sete. O mosquito se multiplica mais rápido, assim como o vírus dentro dele. Então, você tem menos tempo para eliminar as lavas e mais mosquitos voando”, explica o biólogo Newton Goulart Madeira, professor do Instituto de Biociências da Unesp de Botucatu.

Além disso, muitos acreditam que a crise hídrica possa ter agravado a situação em todo o Estado de São Paulo, que já contabilizou 167.165 casos até abril deste ano (e, segundo um levantamento da Folha de São Paulo, 122 óbitos). Isso porque os cidadãos vem armazenado água em casa, muitas vezes sem os devidos cuidados. “Já aconteceu na Venezuela em um determinado ano. Não é algo novo, mas faltam mais pesquisas que comprovem o papel da crise hídrica nessa epidemia”, explica Madeira.

Mas a chave para entender a questão pode estar no próprio ciclo da doença. A dengue, que é causada por quatro tipos de vírus, é cíclica e sazonal: ocorre nos meses mais quentes e é normal que uma localidade assista a explosão da doença em um ano e, no outro, ela quase desapareça. Isso porque, uma vez infectada por um tipo do vírus, a pessoa fica imune a ele. “Então depende do vírus que está circulando no lugar e se a população é suscetível a ele. Se boa parte da população já foi infectada pelo que está circulando, a tendência é que haja menos casos”, explica Freitas.

O Rio de Janeiro Janeiro vivenciou diversas epidemias no passado e, segundo os especialistas, a cidade pode ter entrado em um outro ciclo da doença. O contrário ocorre em São Paulo. “Como temos o mesmo tipo de vírus ano a ano na cidade, provavelmente no ano que vem teremos uma diminuição no número de casos”, explica o biólogo Alessandro Giangola, coordenador das Ações de Combate ao Aedes Aegypti do município.

Ações de prevenção

Outro fator que pode ter sido decisivo é a forma em que vem sendo realizada as ações de prevenção pelos municípios. Ambos estão obrigados a adotar as medidas previstas pelo Ministério da Saúde. No caso de São Paulo, 2.500 agentes de saúde já começam, desde junho, a visitar residências, eliminar criadouros, e orientar a população. Também visitam mensalmente os chamados “imóveis especiais”, lugares de grande circulação pessoas, além dos chamados “pontos estratégicos”, como borracharias, pátios de veículos ou recicladoras, para eliminar possíveis criadouros. No verão, estes mesmos agentes atuam no combate ao mosquito que está voando.

O mosquito aedis aegypti, que causa a dengue.
O mosquito aedis aegypti, que causa a dengue.

“São ações de rotina, que todo o país faz. Mas além disso, intensificamos a limpeza de córregos, onde muitas pessoas descartam utensílios, e caminhões da subprefeitura retiram das residências materiais que possam servir de criadouro”, explica Giangola. “Mais de 90% dos criadouros estão nas casas das pessoas, em vasinhos de planta... Não estão tomando os devidos cuidados”.

O Rio de Janeiro realiza o mesmo trabalho, mas vem reorganizando toda a sua estrutura nos últimos três anos para facilitar o fluxo de informações. “A cidade possui know-how por causas das epidemias do passado, e foi se adaptando”, explica Marcus Vinícius, coordenador da Vigilância Ambiental em Saúde da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro.

A primeira medida do município foi fixar seus 2.512 agentes sanitários em pequenos “blocos”, de entre 800 e 1.200 imóveis. “Todos os dias, durante todo o ano, eles têm que sair para cuidar de seu território”, afirma. Além disso, a prefeitura dividiu toda a cidade em 250 “extratos”, com áreas geográficas e quantidade de pessoas parecidas, para facilitar comparações. “Cada extrato possui um responsável. Podemos, por exemplo, analisar uma ação que vem sendo aplicada com sucesso em um deles e tentar replicar em outro”.

Os agentes sanitários também realizam cinco visitas por ano em imóveis considerados de “pequena complexidade” e, nos de maior complexidade —lugares com grande fluxo de pessoas e que contam com uma equipe especial—, um relatório deve ser fechado a cada 15 dias. Enquanto isso, outra equipe se ocupa apenas dos portos, aeroportos e rodoviárias, que são os principais portões de entrada do vírus.

Além disso, o Rio vem conseguindo mobilizar a população, ao incentivar as denúncias de possíveis criadouros do mosquito. "Eles ligam para a central 1746 e temos até cinco dias para fazer a intervenção. Antes, podia demorar até um mês", explica. "Trabalhamos com a solução do problema, ou seja, com prevenção e informação".

Para o professor Madeira, "enquanto não houver uma vacina, é importante que tanto a população quanto o poder público estejam mobilizados. A principal medida é sempre a prevenção, eliminar possíveis criadouros. As pessoas têm que se ajudar".

Rio: pioneirismo e tecnologia

O Rio de Janeiro foi pioneiro no ano passado ao realizar um experimento: em um pequeno território, cruzou mosquitos Aedes Aegypti com outros geneticamente modificados para impedir o ciclo biológico da espécie. "Foi um teste e ainda não temos conclusões. O que sim fazemos é, todos os meses, instalar 3.450 armadilhas em toda a cidade, para que os mosquitos coloquem seus ovos. Levamos para o laboratório e analisamos a densidade vetorial, entre outras coisas", conta Marcus Vinícius, coordenador da Vigilância Ambiental em Saúde da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro

A cidade também vem fazendo melhor uso da tecnologia para, por exemplo, investigar possíveis focos do Aedes Aegypti. “Usamos a mesma metodologia do Ministério de Saúde, mas antes avaliávamos um quinto dos quarteirões da cidade. Aproximamos ainda mais a investigação e, agora, avaliamos todos os quarteirões, 1/20 de cada um. Existem menos espaços vazios”, explica.

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