Ditadura militar: quem pede a volta sabe o que é?
Mesmo que não fossem a maioria que saiu às ruas no 15 de março é necessário refletir sobre este fenômeno
Pedro tem 27 anos. Ao contrário da maioria, ele foi ao ato na Avenida Paulista do domingo 15 de março, não para protestar, mas entender. E ficou preocupado com o que viu.
Já no início da manifestação, dois dos quatro carros de som pediam “intervenção militar já”, com o slogan “SOS Forças Armadas”. Estavam cercados de manifestantes, “não era pouca gente”, repete ele, abismado.
Nesta quarta, no aniversário do Golpe de 1964, talvez seja o momento de nos questionarmos como chegamos até aqui e o que fazer em seguida. Como algo impensável em vizinhos como Argentina, Chile ou Uruguai, aqui é dito sem constrangimento, de forma quase corriqueira, como quem diz preferir entre o candidato A, B ou C. Mesmo que não fosse a maioria de quem saiu na rua no 15 de março, é necessário refletir sobre este fenômeno.
Talvez a chave seja o conhecimento. Ou a falta dele, que gera distorções e abre a porta para todo tipo de manipulação. Por isso, neste momento, é mais fundamental que nunca saber o que aconteceu, como, onde, por que e ao mando de quem.
Em dezembro de 2014 a Comissão Nacional da Verdade (CNV) publicou seu relatório final. Em suas conclusões o documento afirma que “as graves violações de direitos humanos perpetradas durante o período investigado pela CNV, especialmente nos 21 anos do regime ditatorial instaurado em 1964, foram o resultado de uma ação generalizada e sistemática do Estado brasileiro”.
“Na ditadura militar, a repressão e a eliminação de opositores políticos se converteram em política Estado, concebida e implementada a partir de decisões emanadas da presidência da República e dos ministérios militares.”
E a CNV acrescentou “ao examinar as graves violações de direitos humanos da ditadura militar brasileira, a CNV refuta integralmente, portanto, a explicação que até hoje tem sido adotada pelas Forças Armadas, de que as graves violações de direitos humanos se constituíram em alguns poucos atos isolados ou excessos, gerados pelo voluntarismo de alguns poucos militares”.
Como fazer do relatório um elemento público que ajude as novas gerações a entender a dimensão da quebra institucional e de violações aos direitos humanos que Brasil viveu a partir de 1964?
Talvez seja necessário testar várias estratégias ao mesmo tempo. Dias atrás, junto com outras organizações da região, nós da Conectas cobramos o governo brasileiro na Comissão Interamericana de Direitos Humanos a falta de avanços na implementação das recomendações do relatório da CNV. A resposta do Estado foi insatisfatória, especialmente no que diz respeito a criação de um órgão permanente para implementação das recomendações.
É necessário ainda mais. É tarefa de todos os dias transmitir o que ocorreu no Brasil a partir de 1964, denunciar as consequências que ainda vivemos na nossa democracia e exigir as mudanças necessárias para reverter legados autoritários que ainda permeiam as instituições.
Juana Kweitel é diretora de programas da Conectas Direitos Humanos
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