_
_
_
_
_
Coluna
Artigos de opinião escritos ao estilo de seu autor. Estes textos se devem basear em fatos verificados e devem ser respeitosos para com as pessoas, embora suas ações se possam criticar. Todos os artigos de opinião escritos por indivíduos exteriores à equipe do EL PAÍS devem apresentar, junto com o nome do autor (independentemente do seu maior ou menor reconhecimento), um rodapé indicando o seu cargo, título académico, filiação política (caso exista) e ocupação principal, ou a ocupação relacionada com o tópico em questão

Nunca se noivou tanto no Brasil

Seria uma reação romântica aos tempos do 'amor líquido' e da clandestinidade amorosa?

Noivou em pleno 2015? Como assim?

Nunca se noivou tanto no Brasil, céticos de plantão. Óbvio que não tenho estatística alguma para lastrear esta crônica de costumes e levar ao orgasmo os idiotas da objetividade, como dizia o tio Nelson. Basta a história de A., 30, paulista moderna -moderninha, vai-, tradutora, que acaba de noivar na Bahia. Fui convidado para a festa.

Não trato de noivado de status de araque do Facebook. Noivado-noivado mesmo, como nas antigas, com anel de compromisso, pedido nervoso da mão da moça, aviso às famílias, transição oficial para o altar, caderninho de despesas do planejamento do casório etc. Imaginava tal ritual de passagem extinto. Qual o quê, meu camarada, vivíssimo. Estou por fora. A propósito, pergunta de lesado leigo: quanto tempo deve durar o período do noivado?

O caso de A. me trouxe mesmo o formigamento da curiosidade. Em duas, três consultas com amigos, batata: nunca se noivou tanto no país. Noiva-se adoidado. Noiva-se e durma-se com o tilintar das alianças. Noiva o casal conservador e noiva também o casal indie. Noiva o pombinho bossa-nova e noiva o pombinho do rock. Tem noiva que bate panela em protesto contra a presidenta Dilma; tem noiva que berra “golpista” da outra janela. Viva os noivos, ora.

Há uma inevitável tara diante da simples menção da palavra noiva. Ah, a noivinha...

Eis as nupciais criaturas. Gente que não se encaixa, como a menina A., no perfil das mais caretas ou pudicas. Sequer podem se enquadrar na categoria das mais terríveis sonsas, as irresistíveis e enigmáticas sonsas do Catete, para sentar praça na minha geografia carioca de outrora.

A iniciativa para os noivados têm partido, aliás, mais dos rapazes do que das raparigas. Pelo menos na minha investigação de Sherlock do amor e do sexo.

Seria uma reação romântica aos tempos do “amor líquido” e da clandestinidade amorosa? Seria a busca por laços mais firmes depois de encontrar pelo caminho tantos relacionamentos fugazes, Lolas desapegadas ou homens de Ossanha, aqueles que ameaçam mas não cumprem as promessas? Sim, colegas, como na canção de Vinícius e Baden Powell, aqui na agulha:

“ O homem que diz "dou" não dá

Porque quem dá mesmo não diz

O homem que diz "vou" não vai

Porque quando foi já não quis

O homem que diz "sou" não é...”

Reflita comigo, mesmo depois da sua primeira cerveja da sexta-feira. Tudo certo, OK, o número de casamentos formais tem crescido um pouquinho, mas daí ressuscitar a prática do noivado são outros quinhentos mil-réis. Como dizia aquele filosófico macaco do programa Planeta dos Homens (humorístico de Jô Soares dos anos 1980), “tudo bem, não precisa explicar, eu só queria entender”.

Mais informações
O que é ser uma mulher mal comida?
A crise do Brasil em um botequim de Copacabana
Macho, pansexual e feminista, vai encarar?
“Hoje para cada jornalista tem pelo menos 1000 ombudsmen na porta”
Xico Sá é o novo colunista do EL PAÍS

O que não se explica e o que não se entende também é a força perversa e obsessiva que essa confissão -“estou noiva”, “sou noiva”- provoca nos homens. Há uma inevitável tara diante da simples menção da palavra noiva. Ah, a noivinha... Para tal tresloucada tese, tenho sim estatísticas. Segundo o confiável instituto Databotequim, 80% dos machos brasileiros comungam de tal fetiche -os outros 20% dos bons bebedores da taverna estavam sem condições cognitivas de compreender a questão em mesa posta.

Antes de passar a régua, garçom, você que tanto compreende as minhas dores do mundo, presta atenção, faz favor: não se pode negar o tremendo machismo nesse tipo de tara, evidentemente. Talvez esteja baseado naquela premissa escrotinha do homem que separa “mulher para casar” e “mulher para se divertir”. É só um chute da minha psicanálise selvagem pós-rodriguiana, mas talvez faça algum sentido.

Sempre preferi o contrário: casar com as ditas “vadias” e me divertir com as fêmeas supostamente “sérias”. Sempre foi mais jogo, confesso. Agora com licença que vou ali dá mais uma noivadinha gostosa em Copacabana.

O cheiro do ralo

Tirem as noivas da sala. O que é pornografia? Pornografia é o erotismo dos outros. Nada cai tão bem ao ódio e histeria das redes sociais quanto esta resposta do escritor e pensador francês Georges Bataille (1897-1962).

O escândalo do partido ou do político adversário é sempre mais imoral e condenável. O meu escândalo ou dos meus aliados, bem, é moralmente defensável ou, para ser mais realista, pode ser devidamente escondido. Mesmo que feda como a burguesia na letra da música do Cazuza.

Xico Sá, escritor e jornalista, é autor de “Modos de macho & modinhas de fêmea” (ed.Record), “O livro das mulheres extraordinárias (Três Estrelas) e “Big Jato” (Companhia das Letras), entre outros livros.

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_