_
_
_
_
_

Na TV, Dilma pede paciência com a crise e ouve panelaços pelo país

População reage com panelaços em São Paulo enquanto a presidenta discursava na TV

Carla Jiménez
A presidenta Dilma Rousseff, em pronunciamento no dia da Mulher.
A presidenta Dilma Rousseff, em pronunciamento no dia da Mulher. Reprodução

Já se sabia que qualquer palavra dita pela presidenta Dilma Rousseff neste momento delicado do país corria o risco de cair no vazio. Mas, o som de batidas nas panelas que se ouviu em diversos bairros de São Paulo --e em outras cidades do país, como Rio de Janeiro, Brasília e de Belo Horizonte-- durante o anunciado pronunciamento em cadeia nacional pelo Dia Internacional da Mulher, na noite deste domingo, revelou o tamanho do mau humor de parte da população da cidade mais rica do país com a mandatária. Dilma apareceu em rádio e televisão exatamente para defender que o país está passando por “problemas temporários”, para alcançar “soluções permanentes”.

Em seu discurso, a presidenta defendeu que o Brasil passa por um momento diferente, “do que vivemos nos últimos anos. Mas nem de longe vivemos uma crise nas dimensões que dizem alguns. Passamos por problemas conjunturais, mas nossos fundamentos continuam sólidos”, afirmou.

Você tem todo o direito de se irritar, e de se preocupar. Mas lhe peço paciência.

Segundo Dilma, esta seria a segunda etapa de combate à mais grave crise internacional desde a de 1929. E nesta segunda etapa, é necessário usar armas diferentes e mais duras das que foram usadas no primeiro momento. “O mundo mudou e as circunstâncias mudaram, tivemos de mudar a forma de enfrentar os problemas”, disse. Isso porque alguns dos percalços se agravaram no mundo e no Brasil. “A seca, por exemplo, está exigindo aumentos temporários no custo da energia”, disse a presidenta, reforçando que se tratava de um aumento “passageiro”. “Você tem todo o direito de se irritar, e de se preocupar. Mas lhe peço paciência”, argumentou, apelando para um pedido de união e confiança na condução deste processo.

A presidenta voltou a focar sua fala com para a classe trabalhadora, a classe média e “os mais vulneráveis”. E que irá cumprir os compromissos já assumidos. Dilma colocou grandes economias que estão “severamente” enfrentando problemas como exemplo do que o Brasil está passando. “Os Estados Unidos, a União Europeia, o Japão e a até mesmo a China que reduziu seu crescimento à metade de suas médias históricas”.

Mais informações
Dilma pode ter o mandato impugnado?
Dilma corre contra o tempo para costurar ajuste fiscal
PMDB ensaia voo solo para se blindar de desgastes do ajuste fiscal
Procurador pede para arquivar investigações contra Dilma e Aécio
Ainda desunida, oposição quer se aproveitar da fragilidade de Dilma
“O PMDB sente o fim do ciclo do PT e por isso migra para a oposição”

O Brasil, segundo ela, teria reagido bem num primeiro momento às turbulências globais, e está agora implementando as bases para um novo salto de desenvolvimento. “Nos seis primeiros anos da crise, crescemos 19,9%, enquanto a economia da zona do Euro caiu 1,7%”, comparou. Dilma procurou trazer à memória dos telespectadores e ouvintes as conquistas sociais dos Governos petistas, como o aumento do emprego e da renda, e a ausência de “quebras financeiras ou cambiais”. Parecia uma maneira sutil de comparar novamente ciclo do PT com o de governos anteriores, como o de Fernando Henrique Cardoso, que foi contaminado por crises internacionais, quando o país ainda estava frágil e sem reservas internacionais, pois batalhava ainda sua estabilidade da moeda.

Dilma reafirmou que estava mudando a estratégia de atuação. “Decidimos, corajosamente, mudar de método, e buscar soluções mais adequadas ao atual momento, mesmo que isso signifique algum sacrifício temporário”, disse.

O novo método, segundo o Governo Dilma, consiste em “distribuir esforços”, ou os tais sacrifícios temporários, descritos por ela, com a população. “O Governo absorveu até o ano passado todos os efeitos da crise. Usou o seu Orçamento, para proteger integralmente o crescimento do emprego e da renda das pessoas”. Isso explicaria por que foram reduzidos impostos para estimular a economia no seu primeiro mandato, e por que agora essas benesses estão sendo suspensas. Seriam correções e ajustes similares aos que foram implementados em 2003, o primeiro ano do Governo Lula, que ajudou o país a se preparar para o crescimento que veio em seguida.

Decidimos, corajosamente, mudar de método, e buscar soluções mais adequadas ao atual momento, mesmo que isso signifique algum sacrifício temporário.

Dilma procurou apelar para a dona de casa e o homem de família, ao dizer que “às vezes temos de controlar nossos gastos para que o nosso orçamento não saia do controle. Isso faz parte da vida das famílias e das empresas”. Por isso, explicou, o governo está cortando gastos, embora mantenha investimentos em áreas prioritárias, sem mexer nos programas sociais, revisando “certas distorções em alguns benefícios, preservando os direitos sagrados dos trabalhadores”, afirmou. O recado tenta ganhar o apoio da população para as mudanças que estão sendo feitas pelo Governo em benefícios como o seguro desemprego, cuja concessão se torna mais difícil, e a pensão em caso de morte do cônjuge. As duas medidas precisam ser aprovadas pelo Congresso, pois estão em vigor via Medida Provisória.

Para ela, o esforço fiscal não é um fim em si mesmo, mas apenas a “travessia para um tempo melhor, que chegará rápido e de forma duradoura”. Isso inclui investimentos, por exemplo, em novas concessões em infraestrutura que serão feitas este ano, com parcerias entre o setor público e privado.

Petrobras e Congresso

Dois dias depois da divulgação da lista de políticos que serão investigados pela operação Lava Jato, a presidenta dedicou não mais que 16 segundos dos 15 minutos do seu pronunciamento, para falar sobre a investigação da Petrobras. “Com coragem e até sofrimento, estamos aprendendo a praticar justiça social em favor dos mais pobres, como também a aplicar duramente a mão da justiça contra os corruptos. É o que esta acontecendo na apuração ampla, livre e rigorosa nos episódios lamentáveis contra a Petrobras”, completou ela.

Em outra passagem, Dilma afirmou ter certeza que contará com a participação decisiva do Congresso, “que sempre cumpriu com seu papel histórico nos momentos em que o Brasil precisou”. A frase fica descolada da realidade que está sendo vivida pela chefe da nação, uma verdadeira guerra estabelecida com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e o presidente do Senado, Renan Calheiros, ambos citados na lista da Lava Jato, e que têm atribuído ao Planalto a presença de seus nomes como implicados no processo da Lava Jato.

A julgar pelo panelaço que se ouviu em diversos bairros de São Paulo, a presidenta terá seu grande teste nos próximos dias, tanto no Parlamento, quando precisará do apoio real dos deputados e senadores, quanto nas ruas, diante de uma manifestação marcada para o dia 15, pedindo o seu impeachment.

Em meio ao barulho e ao pessimismo com as intenções da mandatária, a boa notícia de que Dilma vai sancionar a lei que transformará o feminicídio em crime hediondo, aplicando penas mais duras para crimes de gênero contra as mulheres, passou quase em brancas nuvens.

Leia aqui a íntegra do pronunciamento da presidenta Dilma.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_