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Dilma corre contra o tempo para costurar ajuste fiscal no Brasil

Governo reduz verbas dos ministérios enquanto Orçamento não é aprovado pelo Congresso

Dilma e seu ministro da Fazenda, Joaquim Levy.
Dilma e seu ministro da Fazenda, Joaquim Levy.UESLEI MARCELINO (REUTERS)

Acuado por uma tempestade de más notícias, o Governo Dilma Rousseff decidiu jogar todas as fichas para costurar o ajuste fiscal prometido ao longo da campanha eleitoral, e recuperar um mínimo de confiança e credibilidade para continuar governando em 2015. Na manhã desta sexta-feira, a equipe econômica elevou as alíquotas da contribuição previdenciárias sobre o faturamento das empresas, com vistas a aumentar a arrecadação. Desta forma, quem pagava 1%, por exemplo, de contribuição, passará a pagar 2,5%, e quem pagava 2% terá de pagar 4,5%.

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A mudança acaba por eliminar grande parte do benefício concedido ao setor privado durante o primeiro mandato do Governo Dilma, de desonerar a folha de pagamento entre os anos de 2011 e 2014, com o intuito de reduzir impostos. Na época, as medidas foram anunciadas para baratear o custo de mão de obra entre 56 setores e incentivar a economia. De fato, demissões foram evitadas no período, mas a desoneração teve efeito limitado sobre a retomada econômica, além de ter contribuído para o desequilíbrio das contas públicas.

Neste segundo mandato, o Governo corre para corrigir as falhas do mandato Dilma 1.0. Para reduzir gastos na outra ponta, o Ministério da Fazenda publicou um decreto nesta quinta-feira, que estabelece limites de gastos para os ministérios, uma medida que ajuda a presidenta a ganhar tempo até que o Congresso Nacional aprove as medidas que vão reduzir os gastos públicos. Os cortes de receitas estão longe de ser medidas populares, e vão exigir negociações com os parlamentares, para que sejam aprovados. O decreto, que não precisa ser aprovado pelo parlamento, tem validade de 120 dias.

Na nota divulgada pela Fazenda para explicar o decreto, é descrita a necessidade do “ajuste financeiro”, com vistas “ao equiliíbrio entre receitas e despesas, necessário à reconstrução da credibilidade fiscal.” Desta forma, os ministérios vão dispor de 75,2 bilhões de reais para serem gastos neste primeiro quadrimestre, o que vai resultar numa economia de bilhões. Desse total, 59,98 bilhões são relativos a gastos de custeios (não obrigatórios) dos ministérios, ou 7,5% a menos do que foi disponibilizado no mesmo período em 2014. Os outros 15,17 bilhões estarão disponíveis para investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), voltado para infraestrutura. Trata-se de um corte de cerca de 23,7% em comparação com o orçamento do PAC em 2014.

A equipe econômica se comprometeu com uma economia de 66 bilhões de reais dos gastos públicos para este ano, o que equivale a um superávit fiscal de 1,2% do Produto Interno Bruto. O decreto com as medidas de ajuste foi publicado um dia depois de o Governo anunciar outro arrocho nos gastos, na rubrica conhecida como restos a pagar (recursos que deixaram de ser gastos no ano anterior), que congelou 142,6 bilhões dos 227 bilhões de reais previstos por essa modalidade.

O anúncio da medida provisória desta sexta e os dois decretos vieram na sequência do anúncio do rebaixamento da nota de risco da Petrobras pela agência Moody’s na última terça. A petroleira perdeu seu grau de investimento, em função do atraso na divulgação do balanço e da grave crise de gestão por que passou nos últimos meses com as descobertas da investigação da Operação Lava Jato. O rebaixamento da Petrobras gerou especulações de que a nota de risco Brasil também baixasse um degrau, algo de que os especialistas duvidam.

O Governo já vinha trabalhando para costurar o ajuste fiscal, colocando o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, na linha de frente. Na segunda-feira, Levy jantou com o presidente do Congresso, Eduardo Cunha, e do Senado, Renan Calheiros, para pedir apoio às medidas que precisam ser aprovadas no Congresso. Nesta quinta, foi a vez do ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, aumentar o lobby. Barbosa se reuniu com o presidente do Senado, Renan Calheiros, para pedir apoio à aprovação de duas medidas provisórias que alteram regras de acesso a alguns benefícios, como seguro desemprego, e pensão por morte. A ideia do Governo é dificultar o acesso a esses programas, o que colaboraria para a economia prometida dos gastos públicos.

Em paralelo, o ex-presidente Lula engrossou a tropa de choque, ao se reunir esta semana, em Brasília, com lideranças no Congresso, do PT e do PMDB, para pedir apoio às medidas.

A equipe da presidenta corre contra o tempo, enquanto a economia dá sinais de esgotamento. O desemprego, por exemplo, registrou alta em janeiro, com uma redução do número de trabalhadores com carteira assinada, por primeira vez em um mês de janeiro em mais de uma década, de acordo com dados divulgados nesta quinta pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. A inflação em alta, que deve estourar a meta prevista pelo Banco Central, segundo economistas, também vem corroendo o poder de compra, principalmente dos mais pobres.

Por ora, o esforço do Governo pelo ajuste fiscal pode emitir um sinal positivo apenas para o mercado financeiro, que espera por medidas concretas para retomar o rumo do crescimento. Antes, porém, Dilma precisa arrumar a casa e ajustar receitas e despesas para tirar as nuvens do cenário e restaurar um pouco de credibilidade junto ao setor privado, para que possa voltar a investir. A dúvida é se eles terão dinheiro e paciência para esperar o ano amarrado de 2015, em que encontrará um consumidor muito mais retraído e temeroso de perder o emprego.

O próprio ajuste fiscal é um remédio amargo que vai contribuir para o refluxo da atividade econômica. “A retirada dos subsídios da folha de pagamento [depois do aumento de contribuição anunciado nesta sexta] vai acarretar num aumento de desemprego”, avalia Alexandre Espírito Santo, professor de Economia do Ibmec. Segundo ele, a redução do número de contratações verificada no último mês já é um indicador de que as empresas não vão esperar mais para começar os cortes. Espírito Santo ainda cita a situação delicada de empresas que negociam com a Petrobras, por exemplo, que já estão vivendo dificuldades de pagamento com a crise da petroleira, e agora serão afetadas pelas novas medidas de ajuste anunciadas esta semana pelo Governo.

Para Humberto Barbato, presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica, ainda não é possível mensurar o impacto no emprego, até porque a relação das mudanças nos benefícios não é tão imediata. “É caro demitir, e essa é a última alternativa que as empresas procuram”, explica.

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