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Coluna
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Merenda escolar não pode ser o bode expiatório da crise

Seria um sacrilégio social se a comida nas escolas dos filhos das famílias pobres fosse vítima do ajuste fiscal

Juan Arias

Há coisas que podem ser discutidas; outras, não, porque roçam o terreno do sagrado. Por exemplo, a merenda tradicional que no Brasil é oferecida aos alunos do ensino fundamental nas escolas públicas, que, pelo que parece, começa a ser discutida em algumas prefeituras sob a desculpa de que as crianças pobres estão engordando demais.

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Desde que cheguei a este país, há 16 anos, só escutei elogios a esse costume de oferecer às crianças do ensino fundamental nas escolas públicas uma alimentação que as livra de uma possível desnutrição.

Nas famílias em situação de extrema pobreza, essa foi durante muitos anos, e continua sendo nas regiões mais distantes, a única refeição completa do dia para essas crianças. Dessa maneira se conseguiu que no Brasil não houvesse, como em alguns países africanos, crianças com desnutrição grave.

Sempre se criticou neste país a baixa qualidade do ensino primário, mas também se elogiava essa prática alimentar que em muitas escolas chegou a ser aperfeiçoada com a contratação de nutricionistas, com a finalidade de oferecer uma merenda equilibrada.

Agora, segundo publicou o jornal O Globo, em 80 escolas da cidade de São Bernardo do Campo, no Estado de São Paulo, a merenda infantil começou a ser cortada por duas razões; porque havia “desperdício de comida” e para “prevenir a obesidade das crianças”.

A prefeitura que começou a tomar essas medidas não apresentou nenhum estudo convincente do tal perigo de obesidade que supostamente está à espreita das crianças, afirmam as mães.

As famílias estão em pé de guerra, e com toda a razão. Por que essa provocação, e neste momento? O Brasil entrou no caminho do corte de gastos públicos exigido pelo Governo para ajustar contas que extrapolaram os limites, precisamente, por excesso de gastos do poder público.

Era previsível que as famílias dessas crianças vissem logo segundas intenções nas desculpas para cortar a comida nas escolas.

Serão as crianças das famílias que não podem colocar os filhos nas escolas privadas – como fazem 99% dos políticos – as que vão começar a sentir a picada da crise?

Aguardam sentença nos tribunais, segundo me dizem, milhares de processos contra prefeitos e funcionários públicos acusados de “roubar”, no modo de dizer dos pobres, o dinheiro dessa merenda. Seria o caso de perguntar se entre tantos crimes cometidos pelo poder público pode existir algum mais grave, e que deveria ser castigado com dureza, do que o de manchar as mãos e a consciência com esse dinheiro sagrado que evita muitas vezes que tantas crianças tenham de viver e estudar com fome.

É duro quando falta comida entre adultos, mas nada como essa pontada da fome em uma criança, um pecado que não deveria ter perdão.

Se for verdade que existem escolas que desperdiçam comida, então, que sejam tomadas medidas contra os culpados; se em algum caso a comida oferecida às crianças for inadequada e puder produzir excesso de peso, que sejam feitos exames e se defina uma solução.

O que não se pode fazer é querer começar a efetuar cortes, solapando-as com base em desculpas que nem o mais analfabeto aceitaria como verdadeiras.

Se a já maltratada educação primária brasileira, que, apesar de ter obtido inegáveis avanços nos últimos 20 anos, ainda deixa muito a desejar nos rankings nacionais e internacionais, tivesse agora o acréscimo do crime de cortar o prato de comida das crianças na escola, estaria dando um perigoso e vergonhoso passo atrás.

O melhor é que, sem perda de tempo, sejam adotadas medidas para que não se enfraqueça esse maravilhoso costume brasileiro de que nenhuma criança assista às aulas com fome. Melhor deter essa tentação antes que possa contagiar outras escolas.

Nada mais triste para uma mãe que nem sempre consegue colocar em sua mesa tudo o que desejaria para seus filhos do que a suspeita de que em um momento de crise a intenção seja a de começar a adotar medidas de austeridade pelos mais pobres e frágeis.

Enquanto isso, essas mães ou esses pais veem impotentes o desfile a cada noite, nos noticiários da TV, da cada vez mais robusta lista de corruptos e corruptores embolsando centenas de milhões roubados. “Não consigo nem saber o que significam todos esses números juntos. É que eu me perco”, dizia há pouco tempo um pedreiro.

O que os menos afortunados não podem perder é a esperança de que seus filhos possam ter um futuro melhor do que o seu.

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