“Senti um calafrio por todo o corpo ao saber. Ninguém esperava”
Cubanos no Brasil contam como viveram o anúncio histórico da aproximação com os EUA
O músico cubano Carlos Ceira jogava beisebol em São Paulo. O médico Blas Manuel Cruz descansava de seu plantão em um consultório do interior da Bahia, onde atende há um ano uma comunidade carente. E a médica Nancy Agila preparava-se para encerrar o expediente num município do interior goiano. Os três estranharam, mas pouco depois se arrepiaram quando souberam que os EUA e Cuba retomavam o diálogo depois de 53 anos de hostilidades. “Me arrepiei. Senti um calafrio por todo o corpo. Ninguém esperava, há muito anos que lutávamos pela liberdade dos nosso presos e pela retomada das relações”, relata o doutor de 46 anos. “Eu senti taquicardia, tive que me controlar para meu coração não sair pela boca”, ilustra Agila.
Para os dois profissionais da saúde, que trabalham no Brasil no programa Mais Médicos, a principal vitória foi a libertação dos três compatriotas presos desde 2009 nos Estados Unidos por crimes de espionagem e condenados a penas que variavam de 15 anos a prisões perpetuas. “Cumpriu-se a profecia de Fidel quando disse que voltariam. É uma vitória do ponto de vista dos nossos ideais, porque lutávamos pela liberdade de pessoas inocentes”, explica Cruz. “Para todos que estamos aqui – há cerca de 11.000 cubanos inscritos no programa – é uma grande alegria ter os cinco [presos] com as suas famílias. O primeiro que eu pensei foi nesses seres humanos passando o ano novo em casa”, completa a doutora.
A porta aberta para suspender o embargo comercial que os EUA impõem à ilha há mais de meio século é vista com esperança por todos aqueles cubanos que moram longe e fazem questão de transmitir o orgulho que sentem pelo seu país. “Seria muito bom, porque a realidade cubana depende do Governo dos Estados Unidos. É por isso que Cuba está atrapalhada em algumas questões, o bloqueio está impedindo que meu país cresça. Seria ótimo que Cuba pudesse importar toda a matéria prima e mercadorias que precisa para se desenvolver”, relata o músico, casado com uma brasileira, e residente em São Paulo há quatro anos.
“A retomada do diálogo é importantíssima. A maior parte dos problemas do meu país não é culpa do Governo cubano, como a opinião pública internacional acredita, e sim pelo embargo que nos impede de comprar coisas básicas como medicamentos”, lamenta o doutor Cruz.
Em relação à opinião pública brasileira e a utilização dos investimentos em Cuba como arma contra o Governo de Dilma Rousseff, cada um tem suas histórias. Ceira lembra uma delas. “Fiquei muito desconfortável nas eleições aqui quando se mencionou meu país sem saber o porquê das coisas”, lamenta o músico. “Há uns meses viajava com um grupo de teatro e em uma travessia de barco encontrei um homem rodeado de pessoas que escutavam suas impressões sobre Cuba. Acabei perguntando se ele tinha ido alguma vez para Cuba e ele me respondeu que não, mas que lia muito. De modo que lhe recomendei ir para lá e escrever um livro na volta. É cansativo escutar como as pessoas enchem suas bocas falando besteira e acabam se apropriando de ideias sobre algo que não conhecem”, relata o músico.
Fora da esfera política, os três amam o Brasil e pensam, mesmo sendo improvável ou faltando anos para isso, em voltar para a ilha. Outro cubano, Fernando Ferrer, colega músico de Ceira e que mora há 30 anos no Brasil resume tudo assim: “Cubano de verdade se sente cubano onde for e sente saudade de sua pátria e sua terra, embora as pessoas vejam nossos país como o pior. Já é um lugar lindo com pessoas e cultura maravilhosas. Imagina, então, Cuba com um desenvolvimento econômico?”.
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