Obama se volta para a política externa
Presidente consegue um 'respiro' após as conquistas de sua viagem à Ásia e Oceania
Como outros presidentes antes dele, Barack Obama aproveitará os dois últimos anos na Casa Branca para se concentrar na política externa. Depois de meses em que a primeira potência andou a reboque de crises imprevistas na Europa e no Oriente Médio, Obama tenta retomar sua agenda. A relação com a China, os acordos de comércio e meio ambiente e a possibilidade de um pacto nuclear com o Irã podem definir seu legado.
A derrota do Partido Democrata de Obama nas eleições legislativas do dia 4 abriu um novo capítulo na presidência de Obama. Restam-lhe dois anos na Casa Branca. Tempo para preocupar-se com o legado: o lugar que ocupará nos livros de história, a obsessão de todos os presidentes dos Estados Unidos quando se aproxima o dia de abandonar o poder.
Na política interna, a prioridade de Obama é consolidar as conquistas dos primeiros anos – a reforma do sistema de saúde e a recuperação econômica – e ampliá-las, por exemplo, com medidas para regularizar temporariamente milhões de imigrantes ilegais. Mas ele tem um problema: depois da vitória nas legislativas, o Partido Republicano passa a controlar o Senado, além da Câmara. A margem para atuar sem o apoio do Congresso é escassa. A política externa é distinta. Permite aos presidentes uma maior liberdade de ação. Afinal, ele é o comandante-chefe dos exércitos, o homem que tem em suas mãos a decisão de ir ou não à guerra ou de apertar o botão nuclear.
A Casa Branca enfrenta agora a difícil negociação nuclear com o Irã
Os últimos anos da presidência costumam ser de paralisia na frente interna, mas raramente são assim na política externa. Ronald Reagan assinou acordos de redução de armamento com a União Soviética e ajudou a criar as condições para a queda do comunismo. Bill Clinton lançou a guerra de Kosovo. George W. Bush ordenou o aumento de tropas no Iraque, as quais estabilizaram o país durante alguns anos.
A excursão pela Ásia e pelo Pacífico, programada depois das eleições legislativas, ofereceu a Obama um respiro. Em Washington, ele era o líder humilhado pela vitória republicana. Na Ásia, apesar das hesitações na política externa norte-americana, conserva algo da aura que em seu país perdeu faz tempo.
“Eu diria que foi uma semana bastante boa”, disse Obama no sábado em Brisbane (Austrália), última etapa da excursão. Se na política interna o objetivo é consolidar o legado, na política externa é reconstruir o projeto com que Obama chegou à Casa Branca em 2009, retomar os fios da meada perdidos nos anos das revoltas árabes e da instabilidade em Oriente Médio.
Um desses fios é a chamada guinada para a Ásia, uma estratégia que responde à convicção de que é lá, e não na Europa nem no Oriente Médio, onde está em jogo a hegemonia dos Estados Unidos. Essa guinada deveria permitir enfrentar a realidade de uma China ascendente nos mercados mundiais e mais agressiva em sua zona de influência no Pacífico.
“O reequilíbrio em relação à Ásia está vivo e saudável. Às vezes desaparece das manchetes, mas não saiu em nenhum momento do radar do presidente nem dos encarregados de projetar a política norte-americana”, ressalta Jeremy Bash, diretor da consultoria Beacon Strategies e ex-chefe de gabinete de Leon Panetta, secretário de Defesa entre 2011 e 2013. Bash falava depois de participar, há alguns dias, de uma conversa no Centro de Estudos Internacionais e Estratégicos, um laboratório de ideias de Washington, sobre a política externa a partir de 2017, quando chegará à Casa Branca o sucessor de Obama.
Apesar de ter minoria na Câmara e no Senado, o chefe de Estado tem mais margem para atuar fora do que dentro de seu país
Kori Schake, que em 2008 assessorou o candidato presidencial republicano John McCain, disse que, se os Estados Unidos têm uma “grande estratégia” desde o fim da Guerra Fria, uma estratégia compartilhada pelos quatro presidentes desde então, ela consiste em garantir que exista uma China próspera e democrática.
Esta semana, Obama obteve um acordo ambicioso com a China para reduzir os gases que provocam a mudança climática, além de acordos comerciais com a própria a China e com a Índia. Nas reuniões de cúpula na China e na Austrália, o presidente dos EUA preferiu falar do ebola ou do aquecimento do planeta a exibir, como outros líderes ocidentais, o enfrentamento com o presidente russo, Vladimir Putin, ou a brandir uma retórica agressiva em relação à China.
A guinada para a Ásia é também uma tentativa de romper com mais de uma década em que a política externa se confundiu com a política de defesa. Diplomacia e guerra – contra o terrorismo, contra os talibãs, contra Saddam Hussein – pareciam sinônimos. Isso não acabou, como demonstra a intervenção contra o Estado Islâmico no Iraque e na Síria. Mas os acordos na Ásia sobre comércio ou mudança climática representam a apoteose do chamado poder brando (soft power) ou inteligente, mais de acordo com a ideia que ajudou a levar a Obama à vitória em 2008: a de que as bombas nem sempre são o melhor meio para defender os interesses dos EUA.
Outro argumento do Obama de 2008 retorna agora: sua disposição de romper o tabu de falar com os inimigos. Escuta-se esse argumento nas vozes que pedem a aproximação com Cuba. Mas ele se reflete principalmente nas negociações para frear o programa nuclear do Irã.
A data limite é 24 de novembro, embora as negociações possam se prolongar. Um acordo nessas negociações, além de afastar o Irã da bomba atômica, facilitaria a normalização das relações entre Washington e Teerã, rompidas desde a revolução iraniana de 1979, e redefiniria a balança do poder no Oriente Médio. Já se compara o eventual êxito do processo, ainda incerto, com a reconciliação do presidente Richard Nixon com a China em 1972.
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