O Schindler chileno
Um livro recupera a história de um empresário que salvou militantes de esquerda perseguidos por Pinochet no Chile
Assim como na Alemanha durante a II Guerra Mundial, no Chile, na época da ditadura de Pinochet, houve um personagem de nome Schindler que fez pelos que eram perseguidos em sua época o que poucos tiveram coragem de fazer: resgatá-los e protegê-los. Enquanto a história do primeiro, Oskar Schindler, foi representada no filme A lista de Schindler (1993), de Steven Spielberg, a do segundo está contada no livro A lista do Schindler chileno, lançado no final de agosto no Chile pela editora Lom Ediciones.
Além de terem o mesmo sobrenome, ambos eram empresários com boas condições econômicas. O Schindler chileno se chama Jorge Schindler Etchegaray, um descendente de alemães e ex-membro do Partido Comunista que foi executivo da Corfo (Corporación de Fomento de la Producción de Chile) durante o governo de Salvador Allende.
Depois de perder seu trabalho com o golpe militar de 11 de setembro de 1973 no país, ele criou uma rede de farmácias de bairro para socorrer membros do PC, destruído com a repressão, empregando-os como funcionários das farmácias com a ajuda de seu amigo – e farmacêutico – Ramiro Ríos ao longo da década de 70. Foram cerca de cem dirigentes da esquerda chilena que tiveram suas vidas salvas por esse projeto de fachada, que jamais foi descoberto pelos dois principais órgãos de controle social de Pinochet, a Dirección de Inteligencia Nacional (DINA) e o Comando Conjunto.
Para manter essa empreitada, o empresário chegou a alugar casas, dar apoio financeiro, distribuir medicamentos e inclusive esconder armas de fogo de militantes em operação de fuga. Com medo de ser pego pela polícia, escapou para a Alemanha Oriental em 1979 e terminou se mudando para Frankfurt, onde mantinha contato com o Partido Comunista.
Escrito pelo jornalista Manuel Salazar, que teve de convencer Julio Schindler a desencavar sua trajetória, o livro conta com um extenso depoimento seu, além de 60 entrevistas de ex-protagonistas desta história. Um deles é ninguém menos que Quintín Romero, um dos policiais que permaneceu ao lado de Allende até o instante de sua morte, no mesmo dia do golpe, que se refugiou em uma das farmácias de Santiago.
Outro farmacêutico acolhido por Schindler foi Armando Gatica, que, durante a caça aos hospitais clandestinos mantidos pela resistência (episódio que está em uma das cenas emblemáticas do documentário Miguel Littín clandestino em Chile, do cineasta Miguel Littín), foi preso e torturado. Ele atuou como funcionário do Serviço Nacional de Saúde e por isso esteve em um dos centros da ditadura em La Serena, no norte do país. Foi salvo graças à intervenção do bispo Francisco Fresno e, em seguida, chegou à rede de farmácias.
A lista do Schindler chileno não só relata uma experiência pessoal, como termina sendo uma ampla bibliografia da memória daqueles anos de chumbo no Chile. Não há previsão de publicação no Brasil, mas, para os interessados, o site oficial do livro contém alguns trechos do texto, fotos históricas e vídeos relacionados ao projeto – que só saiu à luz 41 anos depois de um golpe que, para muitos, continua vigente.
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