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A arte da destruição

O ex-hospital Matarazzo, em São Paulo, abriga uma mostra com 100 artistas, entre brasileiros e estrangeiros, antes de virar um complexo turístico e cultural

Instalação da obra do artista Arne Quinze na entrada da exposição.
Instalação da obra do artista Arne Quinze na entrada da exposição.Divulgação

Abre as portas para o público de São Paulo nesta terça-feira, 9 de setembro, uma exposição de arte, no mínimo, polêmica: Made By... Feito por Brasileiros, que acontece no antigo hospital da família Matarazzo, fechado há 20 anos, com obras de 100 artistas contemporâneos – brasileiros e estrangeiros – convidados a expor seus trabalhos de vanguarda nesse ícone da arquitetura paulistana.

O evento não é só polêmico por sua vocação artística, mas por se tratar de uma iniciativa do empresário francês Alexandre Allard, que há três anos comprou o conjunto de prédios a duas quadras da Avenida Paulista, onde funcionou até 1993 o hospital-maternidade Humberto Primo – e que vê na cultura e na cidade oportunidades imperdíveis de investimento.

Quem visitar a exposição certamente encontrará muita coisa interessante. O espaço de 27.000 metros quadrados, que começou a ser construído em 1904 e finalizado apenas em 1973, foi “invadido” por artistas badalados, como os brasileiros Tunga, Vik Muniz, Beatriz Milhazes e Nuno Ramos, o norte-americano Kenny Scharf, a portuguesa Joana Vasconcelos e o francês Jean-Michel Othoniel, além de coletivos como o da tribo warli, da Índia. “Invasão artística” foi, inclusive, a expressão utilizada pelo curador da mostra, o francês Marc Portier, já que quase todos os participantes criaram suas obras pensando no espaço “abandonado” que elas ocupariam.

Foto atual da lavanderia ocupada pelo artista Artur Lescher.
Foto atual da lavanderia ocupada pelo artista Artur Lescher.Divulgação

Nesse contexto de ocupação, impressionam especialmente os trabalhos que se misturam com a deterioração do lugar, como as instalações com água de Artur Lescher na área que funcionava como lavanderia, ou os autorretratos da americana Francesca Woodman (1958- 1981), que se suicidou aos 22 anos, evocando nos visitantes o sofrimento daqueles que passaram pelo hospital.

Mas nem tudo se resume ao impacto inicial de estar diante de uma exposição artística de nível internacional. O lugar em si é impressionante, primeiro porque se impõe sobre a arte que está sendo exibida, e também porque transmite a sensação de que, a qualquer momento, vai desaparecer. Destino este que, por sinal, está em grande parte definido.

Um complexo turístico e cultural

Allard comprou o terreno que pertenceu à família Matarazzo por 117 milhões de reais, gastou outros 15 milhões de seu bolso e conseguiu ainda uma verba pública de 3,2 milhões (dos 12,6 aprovados para captação através da Lei Rouanet) para criar a exposição. Ela fica em cartaz até o dia 12 de outubro, com entrada gratuita, para que em seguida comecem as obras do que será um grande empreendimento imobiliário, já batizado de “Cidade Matarazzo”.

Imagem do hospital Matarazzo em 1906, dois anos após o início de sua construção.
Imagem do hospital Matarazzo em 1906, dois anos após o início de sua construção.

Nas palavras do empresário francês, o que vem aí é um “complexo turístico e cultural”, que inclui a construção de um hotel de 20 andares desenhado pelos arquitetos e designers franceses Jean Nouvel e Philippe Starck, com o respaldo do escritório Königsberger Vanucchi. Também uma loja de departamentos, um restaurante, um estúdio de gravação de música, uma galeria de arte e outras atrações mais, que começarão a ser construídas em 2015. A previsão é inaugurá-lo em 2018, uma vez conseguidas todas as aprovações necessárias junto ao poder público, já que o hospital é tombado como patrimônio histórico.

Autorretrato de Francesca Woodman, tirado em Roma em 1978.
Autorretrato de Francesca Woodman, tirado em Roma em 1978.

Seus planos de criar um shopping de viés cultural, é claro, têm incomodado muita gente, mas ele acredita estar fazendo um “bem” para São Paulo, “tornando visível um lugar que tinha ficado invisível para a cidade”. “Vamos projetar a memória do futuro deste lugar e projetar São Paulo culturalmente e artisticamente. Sem raízes não há futuro, mas sem futuro as raízes não servem de nada”, adverte.

Diante deste cenário, Made By... Feito por Brasileiros sem dúvida alcança a urgência que esperam seus idealizadores. Os interessados devem correr para ver a exposição, porque em breve nem ela, e talvez nem o antigo hospital Matarazzo, estarão mais lá.

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