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“Olhei para baixo e vi vários corpos. Sabia que iam nos matar”

A Anistia Internacional lança um relatório com depoimentos de sobreviventes de crimes jihadistas

Deslocados da minoria yazidi na cidade de Sinyar, no norte do Iraque.
Deslocados da minoria yazidi na cidade de Sinyar, no norte do Iraque.YOUSSEF BOUDLAL (REUTERS)

A Anistia Internacional (AI) publicou nesta terça-feira o relatório Ethnic cleansing on historic scale: the Islamic State’s systematic targeting of minorities in northern Iraq (Limpeza étnica em escala histórica: a perseguição sistemática do Estado Islâmico [EI] contra minorias no norte do Iraque), em que acusa os jihadistas de perpetrar uma “limpeza étnica” no norte do Iraque, onde o EI se fortaleceu em junho passado com a tomada de Mossul. O documento de 26 páginas inclui vários depoimentos de sobreviventes das atrocidades do EI, como a do comerciante Khaled Mrad, 38 anos: “Aquele não era o caminho até a montanha. Quando olhei para baixo, vi um grupo de corpos. Sabia que (o EI) ia nos matar.”

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Os jihadistas estão travando uma campanha de terror em áreas do Iraque e da Síria – onde pretendem instaurar um califado islâmico –, que consiste em praticar a crucificação, apedrejamento e decapitação. Essa última forma brutal de assassinato foi a que sofreu o fotojornalista norte-americano James Foley duas semanas atrás. “As matanças e os sequestros que o EI vem levando a cabo trazem dados novos e lancinantes que indicam uma onda de limpeza étnica no norte do Iraque”, avisa Donatella Rovera, investigadora e assessora da Anistia Internacional, falando da região investigada.

Os depoimentos dos iraquianos que a ONG britânica colheu nos últimos três meses apontam para um modus operandi constante do EI: os jihadistas sequestram os cidadãos – não árabes e não seguidores do ramo sunita do islã – e os levam à escola secundária local; separam as mulheres dos homens e tiram suas joias, dinheiro e telefones celulares. “Não sei onde está minha família (sua mulher e seus sete filhos), não sei se estão vivos ou mortos”, relata Elias Salah, enfermeiro de 59 anos. De acordo com os depoimentos, em sua imensa maioria de homens jovens, os jihadistas primeiro lhes oferecem a possibilidade de converter-se ao islã. Depois os colocam numa picape “com outros 20 homens” e os levam para longe dos povoados para fuzilá-los. “Me deram três tiros, dois no braço e um no quadril”, outro sobrevivente descreve. “Quando foram embora, outro homem e eu nos levantamos. Todos os outros estavam mortos.”

Antes de fuzilar suas vítimas os jihadistas tiram suas joias, dinheiro e celulares

Rovera, que está no Iraque atualmente, critica “os crimes hediondos que transformaram as áreas rurais de Sinyar (norte do país) em campos de morte encharcados de sangue, na campanha brutal” para apagar qualquer rastro das minorias iraquianas.

Rovera também acusou o Governo iraquiano ainda em fase de formação e chefiada pelo xiita Haider al Abadj de fazer vista grossa e armar os voluntários contra o avanço do EI. Os Estados Unidos e alguns países da UE, como a Alemanha, aprovaram recentemente o envio de armas às forças curdas, as peshmerga, para combater os jihadistas. Diante dessa situação, a assessora da AI exige que as autoridades voltem sua atenção à proteção dos civis, sem fazer distinções de etnia ou religião, e que os responsáveis por esses crimes sejam levados a julgamento.

O Iraque pede ajuda à ONU para combater o avanço do Estado Islâmico.Foto: reuters_live

O Conselho de Direitos Humanos da ONU, reunido ontem em Genebra (Suíça), aprovou por unanimidade o envio de uma missão especial ao Iraque para investigar as atrocidades perpetradas pelas milícias do EI. No mesmo dia a organização divulgou o último dado alarmante: 1.420 iraquianos morreram apenas em agosto em consequência dos combates. “Estamos diante de um monstro terrorista”, declarou o ministro iraquiano dos Direitos Humanos, Mohammed Shia al-Sudani, diante do organismo multinacional.

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