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Obama: “O Estado Islâmico não tem lugar no século XXI”

Meios de comunicação dos EUA afirmam que o Governo sabia das ameaças contra o jornalista

O jornalista James Foley em Sirte, Líbia, em setembro de 2011.
O jornalista James Foley em Sirte, Líbia, em setembro de 2011.AFP

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, condenou nesta quarta-feira o “brutal” assassinato do jornalista James Foley e prometeu que seu Governo não descansará até que se faça “justiça” com seus assassinos do Estado Islâmico, uma organização extremista que “não tem lugar no século XXI”, sustentou.

“Jim nos foi tirado em um ato de violência que abalou a consciência do mundo inteiro”, disse Obama pouco depois da Casa Branca confirmar a autenticidade do vídeo distribuído na terça-feira pelo EI, no qual é mostrada a decapitação do jornalista James Foley em vingança pelos ataques aéreos norte-americanos contra os jihadistas no Iraque, e em que ameaçam assassinar também um segundo repórter norte-americano.

“A comunidade de inteligência dos EUA analisou o vídeo que mostra os cidadãos norte-americanos James Foley e Steven Sotloff. Chegamos à conclusão de que este vídeo é autêntico”, declarou a porta-voz do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, Caitlin Hayden, pouco antes de Obama realizar um pronunciamento público da ilha de Martha’s Vineyard, Massachusetts, para condenar o assassinato do jornalista.

Em suas declarações, o presidente não confirmou se, como haviam afirmado meios de comunicação como a rede de televisão ABC, a Casa Branca sabia que o EI havia ameaçado matar Foley como vingança pela campanha aérea de apoio para as tentativas das forças iraquianas e curdas de frear o avanço jihadista no Iraque.

Obama tampouco fez menção específica ao segundo jornalista ameaçado de morte pelo EI se os EUA não detiverem os ataques aéreos no Iraque contra posições jihadistas. Pelo contrário, o presidente assegurou que essa organização extremista é um “câncer” que deve ser “extirpado” com a ajuda dos governos de toda a região “para que não se estenda”.

“Esse tipo de ideologia niilista tem de ser rechaçada”, pediu Obama. “Uma coisa na qual todos estamos de acordo é que um grupo como o EI não tem lugar no século XXI. Amigos e aliados de todo o mundo compartilham valores enraizados totalmente contrários ao que vimos na terça-feira”, disse referindo-se ao vídeo da decapitação de Foley. “E seguiremos enfrentando esse odioso terrorismo para substituí-lo por um sentimento de esperança e civismo”, acrescentou, além de prometer que os EUA “continuarão fazendo o que tem de ser feito para proteger” seus cidadãos.

“Quando um norte-americano é atingido em qualquer lugar, fazemos o que é necessário para conseguir que se faça justiça, e agiremos contra o EI, de forma conjunta com outros”, insistiu.

Segundo o The Washington Post, altos funcionários da Casa Branca e especialistas em antiterrorismo fizeram no início da quarta-feira uma reunião de emergência para discutir como responder à ameaça jihadista. Fontes consultadas pelo jornal asseguram que é “improvável” que os EUA cedam à demanda islamista de pôr fim aos ataques aéreos contra o EI no Iraque.

O FBI já adiantou no começo desta quarta-feira para a família de Foley sua convicção de que a gravação era autêntica, segundo a plataforma de notícias Global Post, para quem Foley trabalhava quando desapareceu na Síria, há dois anos.

A família do jornalista, de 40 anos, dava por certa desde a noite de terça-feira a morte de Foley e enviou uma mensagem para os milhares de pessoas que expressaram seu pesar nas redes sociais criadas para exigir a libertação do repórter.

“Nunca estivemos mais orgulhosos de nosso filho Jim. Ele sacrificou sua vida tentando expor para o mundo o sofrimento do povo sírio”, escreveu sua mãe, Diane Foley, em um comunicado emitido para a rede de apoio virtual Free James Foley (Liberdade para James Foley) e o Global Post.

“Agradecemos a Jim toda a alegria que nos deu. Foi um extraordinário filho, irmão, jornalista e pessoa”, acrescentou a mãe de Foley, que pediu também que sua privacidade seja respeitada nos próximos dias.

Obama foi informado do vídeo a bordo do Air Force One, quando voltava de Washington para Martha’s Vineyard na noite de terça-feira.

O problema adicional para o Governo norte-americano é a ameaça proferida pelos extremistas no vídeo de assassinar o outro jornalista norte-americano sequestrado, Steven Joel Sotloff, se Obama não ordenar o fim dos ataques aéreos limitados no Iraque que autorizou há duas semanas.

Enquanto isso, o Governo do Reino Unido admitiu nesta quarta-feira que o homem que aparece no vídeo e que é o suposto algoz de Foley poderia ter origem britânica, tendo em vista seu sotaque e o “significativo número” de cidadãos que se uniram à luta islâmica no Iraque e na Síria. O primeiro ministro britânico, David Cameron, interrompeu nesta quarta suas férias de verão e regressou para Londres para tratar da situação no Iraque e na Síria após o “estremecedor e depravado” assassinato do repórter.

Também o secretário geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, condenou duramente o “horroroso” assassinato de Foley, um “crime abominável” que coloca em evidência a “campanha de terror” que o EI continua realizando contra os povos do Iraque e da Síria, segundo disse em um comunicado, no qual pediu que os responsáveis por esses “horríveis crimes” sejam levados diante da justiça.

O grupo extremista EI afirmou na terça-feira ter assassinado James Foley, que desapareceu na Síria em novembro de 2012, quando trabalhava como freelance para vários meios de comunicação internacionais. O EI distribuiu um vídeo muito explícito intitulado Mensagem para a América, no qual se registra a decapitação de Foley, que antes de ser assassinado é obrigado a proclamar críticas contra os Estados Unidos, segundo trechos conhecidos da gravação.

De acordo com o EI, o assassinato do jornalista é uma resposta aos ataques aéreos norte-americanos no norte do Iraque para apoiar as forças iraquianas e curdas em sua tentativa de frear o avanço dos jihadistas no país. O grupo extremista ameaça assassinar um segundo jornalista desaparecido há um ano, Steven Joel Sotloff, se os EUA não se retirarem do Iraque.

As imagens do assassinato de Foley foram postadas inicialmente no YouTube, mas rapidamente retiradas pela empresa. No entanto, em redes sociais como o Twitter partes do vídeo foram distribuídas, embora o CEO da empresa, Dick Costolo, tenha anunciado nesta quarta feira que a empresa “continua suspendendo ativamente, na medida em que são descobertas, as contas relacionadas com essas imagens grotescas”.

O SITE Intelligence Group, uma organização que segue grupos extremistas e tenta verificar suas mensagens, publicou uma parte dos quatro minutos e 40 segundos totais do vídeo original, omitindo apenas o momento da execução.

O vídeo começa com imagens de Obama, em 7 de agosto, nas quais anuncia na Casa Branca que autorizou o envio aéreo de ajuda humanitária à minoria yazidi refugiada no Monte Sinjar, no norte do Iraque, assim como ataques aéreos limitados para proteger interesses norte-americanos no país.

Na sequência, o vídeo mostra novas imagens do homem identificado como Foley ajoelhado em um lugar desértico, a cabeça raspada, com as mãos atadas nas costas e um pequeno microfone pendente de uma roupa laranja que parece imitar os uniformes que os EUA obrigam os presos de Guantánamo a usar, segundo destacaram órgãos da mídia norte-americana. Atrás dele se pode ver um homem vestido de negro, encapuzado e com uma pistola pendurada no ombro, que é quem procede à decapitação com uma faca segurada com a mão esquerda.

Antes de morrer, o homem que parece ser Foley é obrigado a ler um comunicado no qual se dirige à sua família, especialmente seu irmão John, membro da força aérea norte-americana. “Não aceitem nenhuma compensação exígua pela minha morte da parte das mesmas pessoas que puseram o último prego em meu ataúde com a recente campanha aérea no Iraque”, diz.

Depois, em um inglês com sotaque britânico, o jihadista a seu lado toma a palavra para acusar o Governo norte-americano de encabeçar a “agressão contra o Estado Islâmico”. Em uma ameaça direta ao presidente norte-americano, o extremista promete que “qualquer tentativa de sua parte de negar aos muçulmanos seu direito de viverem seguros sob o califado islâmico terá como resultado o derramamento de sangue de seu povo”.

O vídeo conclui com o mesmo homem ao lado de outro que identifica como sendo o jornalista Sotloff em posição semelhante à que antes estava Foley. “A vida deste cidadão norte-americano, Obama, depende de tua próxima decisão”, adverte. Em seu comunicado, a mãe de Foley implora também que os extremistas respeitem a vida dos demais jornalistas que continuam sequestrados. “Imploramos aos sequestradores que respeitem a vida dos demais reféns. Assim como Jim, eles são inocentes. Não têm controle algum sobre a política do governo estadunidense no Iraque, Síria ou em qualquer outra parte do mundo”, enfatizou Diane Foley.

Segundo o Comitê para a Proteção de Jornalistas (CPJ), que condenou o “selvagem” assassinato de Foley, dos mais de 80 jornalistas sequestrados na Síria, uns 20, tanto locais como estrangeiros, continuam desaparecidos nesse país. “Acredita-se que muitos deles estejam em mãos do Estado Islâmico”, disse em um comunicado.

O assassinato de Foley trouxe à lembrança a morte brutal de outro jornalista em circunstâncias semelhantes: a do correspondente do The Wall Street Journal Daniel Pearl, que foi sequestrado no Paquistão e decapitado em 2002, um assassinato que também foi gravado em vídeo.

“Nossos corações estão com a família do jornalista James Foley. Sabemos o horror que estão vivendo”, disse a mãe de Pearl, Ruth, em uma mensagem difundida pela conta da Fundação Daniel Pearl no Twitter.

O Journal também publica nesta quarta-feira uma mensagem de solidariedade aos parentes de Foley da parte de outro jornalista norte-americano desaparecido na Síria, em agosto de 2012, Austin Tice.

“Nos últimos 635 dias temos compartilhado um terrível pesadelo, que nos tornou mais próximos da família Foley. Nossos corações estão com eles”, disseram os pais de Tice, Marc e Debra, segundo o diário.

No momento de seu desaparecimento, em 22 de novembro de 2012, James Foley trabalhava na Síria para o Global Post e para a agência France Presse, entre outros. Desapareceu na província síria de Idlib e depois disso nem sua família nem os órgãos de imprensa para os quais trabalhava voltaram a saber dele.

A publicação do vídeo ocorre um dia depois de Obama confirmar que as forças iraquianas e os peshmergas curdos tinham recuperado com apoio aéreo norte-americano a represa de Mossul no Iraque e prometer continuar com o apoio contra o avanço do EU mediante o fornecimento de armas e a continuidade de ataques aéreos limitados.

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